O CANGACEIRO
EU me chamo Sivirino
Sapiranga, sim, sinhô.
Sou fio de Zé Fôstino,
que era fio d’um tropêro,
Frô dos Santo, meu avô.
Sou naturá de Umbuzêro,
da Paraíba do Norte,
a terra das patativa
que eu amo cum todo o amô
de valente cangacêro!...
apois cangacêro eu sou.
Não paga a pena, seu moço,
eu dizê pruquê rézão
já varei cum a parnaíba
mais de vinte coração!
Minha históra é atrapaiada,
é toda cheia de ispinho,
e, cumo lá diz o outro,
seu moço, as água passada
já não move mais muinho.
Óie, moço!... Não há munío,
distante um casa de légua
de S. Migué de Traipú,
eu fisguei um cavaiêro,
o fio d’um fazendêro,
cumo quem fisga um tatu.
Esse garoto e canáia
um dia róbou de casa
a neta de um comboêro,
que era um hôme tão bondoso,
e despois, abandonou
aquele anjo fermoso,
cumo se fosse, seu moço,
um cachorro, um cão leproso!!!
Prú té matado o canáia,
a justicia que divía
me té dado uma medáia,
me chama de criminoso!!
*
Quando meu pae, que Deus tenha
no Santo Reno da Glóra,
ao pé d’um monte de lenha,
mazômbo, os óio fechou;
a fia que mais amava
nestes braço me intregou.
Inda me alembro, seu moço!
Abraçado no pescoço
do véio, que se finava,
eu chorava, eu saluçava,
garrado cum minha érmã,
cumo à boquinha da noite,
chora e geme uma acauã!!
De noite, fazendo quarto,
óiando o pobre do véio,
taliquá, má cumparando,
— São Pedro cum as barba branca,
cum os seus cabelo branquinho,
cum os seus cabelo branquinho,
drumindo o sono da morte
n’um véio banco de pinho...
chorava, cumo, sintido,
o pásso que foi firido,
cum um tiro, dento do ninho!!
E quando, ao rompe da ôróra,
o véio foi carregado
n’uma rede, istrada à fora’!...
Quando ele foi sipurtado
prú báxo d’uns cajuêro,
ali, naquele momento,
eu fiz este juramento:
me torna n’um cangacêro.
*
Dêxei meu pae sipurtado,
vortei lanhado de pena,
chorando a sorte tirana!
Mas porém, quando cheguei,
e intrei na minha choupana,
a minha mãe incontrei
cum o coração mais lanhado,
e mais duente que o meu!!
Prá dizê tudo, seu moço,
n’um domingo amarfadado
aquela santa morreu!!!
A morte era naturá!
Despois da morte do véio,
não poude mais suportá!
não poude mais suportá!
*
Meu pae não perdeu a vida
pulos ano!! Não, Sinhô!
Morreu prú via d’um hôme
que era rico e, prú capricho,
uns mulambinho de terra
do pobre véio róbou!
O jaburu quiz um dia
que meu pae jurasse farso
n’uma questã que ele teve
cum um honrado lavradô.
O lavradô era pobre...
Meu pae, que era um hôme nobre
bateu o pé!... Não jurou.
A Justicia que fazia
tudo o que o hôme quiria,
im mêno de duas hora,
butou o véio prá fora!...
E tudo ansim se acabou!!
Despois que eu vim pró cangaço,
há munto que o tá ricaço
cumigo as conta ajustou!!
*
óie, moço: vêje lá
se eu tenho rêzão
ou não.
*
Um dia, eu táva banzando,
deitado n’uma toucêra
de verde sanacurí,
quando vejo vim, d’ali,
o Antônio dos Picapáu,
amuntado n’um quartáu.
O coração piquinino
sartava, cumo um cabrito!
Vendo o Antônio que era eu,
gritou de lá: “Sirvirino!...
“A tua érmã!...“ Dei um grito,
que o cabôco istremeceu!
Apois, quando eu disse: — “Fala”
ele gritou lá da istrada:
“Foi trazontônte róbada!!..”
“Foi trazontônte róbada!!..”
E alevantando a çoitêra,
deu de ispóra no quartáu,
e se assumiu entre as fóia
de duas guapurinhêra!!
*
Três dia andei a percúra,
atraz do tarapantão,
(o fio d’um figurão...)
mato abáxo, mato arriba,
e só discansei, seu moço,
quando eu tirei o pirão
do buxo daquele cão,
cum a ponta da parnaíba.
*
Gibão e chapéu de côro
n’uma orêia derribado;
um guarda-peito de onça
no peito sarapintado;
cravinóte sêmpe iscravo
dos bom, cumo vassuncê,
aqui tá um cangacêro,
mas um cangacêro honrado,
taliquá, cumo me vê.
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