Francisco Perna Filho - Poema


DESCONFORTO












 

 
 


Vazio de cidade, 
há uma desordem em mim. 
Contemplador de desvãos, 
vou esculpindo infrutíferas buscas. 
O que há de encontro na minh’alma 
é só o apóstrofo. 
Busco desvencilhar-me da ferrugem da estrada, 
do ferrolho das minhas ausências, 
quando substantivo a vontade. 
Há em mim doença de lagarta, 
predisposição para casulo, 
pretensão para eterno. 
Voar é o meu destino. 
Rastejante, carrego primórdios, 
contemplo a estrada. 



II 


Toda estrada traz o peso dos passos, 
a solidão da espera, 
a aflição da permanência. 
Toda estrada atende determinações. 
Carrega um amargor de épocas, 
apêndice de partidas. 
Toda estrada transporta um ser aprisionado, 
voz de encontro, 
razão para perder-se. 
Intensifico minha pretensão de perpetuação. 
Rastejante, apresento-me à parede. 
há um desejar de minha parte: 
de gestar esta metamorfose. 
Há uma rejeição paredal. 
Apresento-me ao fio elétrico, 
há uma mútua atração, 
uma revelação primal: 
a técnica natural se afeiçoa da modernidade 
para parir um vôo de destinação. 
A vida se faz múltipla, 
apesar da indiferença humana. 
 
 
 

Manuel Bandeira - Poema



Mulheres


Como as mulheres são lindas!
Inútil pensar que é do vestido...
E depois não há só as bonitas:
Há também as simpáticas.
E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto:
Uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha.

Como deve ser bom gostar de uma feia!
O meu amor porém não tem bondade alguma.
É fraco! Fraco!
Meu Deus, eu amo como as criancinhas...

És linda como uma história da carochinha...
E eu preciso de ti como precisava de mamãe e papai
(No tempo em que pensava que os ladrões moravam no morro atrás de casa e tinham cara de pau)



Imagem retirada da Internet: olho

Edival Lourenço - Poema



O vinho dos dias

                                             Para Tânia Eloísa


Os dias são frutas
plenas de caldo e viço
num daqueles cachos
ainda apegados à videira.

A gente colhe os dias
transporta os dias
que se ferem pelo mau jeito
no assoalho da carroça.

Os dias a gente esmaga
com os pés na tina
dos ofícios e do sumo
faz o vinho
            da safra possível.

Vem, amada minha!
Vamos nos embriagar
com o vinho desta safra
depois a gente se deita
sobre o bagaço dos dias.

E as sementes lançadas ao solo
vão escrevendo novas videiras
com caligrafia de cipó.


In. Revista Poesia Sempre, nº31. Rio de Janeiro, 2009, p. 126. 
Imagem retirada da Internet: uvas

Murilo Mendes - Poema

 

A Criação Feminina


Cristal frio
Bebendo a eternidade
Em teus olhos translúcidos.

Na dignidade da onda
Puseste os pés de poesia
Que as fadas tornearam em séculos.

Tua asa me contorna
Criando os deuses que adejam
No jardim, no navio, no piano,
Por toda a parte onde fica
O rastro do teu fogo Fêmina.


In. As Metamorfoses. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.129.
Imagem retirada da Internet: Deusa

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