Marcos Siscar - Poema


JARDIM À FRANCESA



eu com minha idade sentado num banco de praça
meu coração era do tamanho do mundo 
feito do seu elemento de água rumor e ornamento
duas alamedas duas fontes se escorrendo
meu coração era do tamanho deste mundo
ora assim igual a si mesmo ora se
desconhecendo
mas meu coração é menos perfeito do que esta praça
às vezes se lembra e dificilmente
da hora exata do retorno do tempo
meu coração às vezes tropeça projeta uma perna
sobre a outra
se interrompe mudo parece
que pensa
 
Imagem retirada da Internet: jardim

Marcos Siscar - Poema



Schopenhauer desce aos infernos


e se a dor fosse apenas o fim da alegria
escondida um pouco aquém das (palavras 
desconexas que você me estende como anúncio) 
cores enfurecidas quase imemorável encontro
do doer com aquilo que dói reconhecimento
com liberação morte com prazer da renúncia 
refinamento da tortura com a boa terapia 
(freud fustiga schopenhauer pendurado 
nas mandíbulas do inferno enquanto sua mãe
mete o dedo do nariz) comi a flor do pêssego
você me diz amanhã teremos filho 

Florisvaldo Matos - Poema


APOLOGRAFIA
A Neil Armstrong




Naturalmente, decido-me. Possível
um dia ainda o chão afortunado!

Em veredas, aposso-me do cego
cristal oculto sob o aço dos meses.
À razão de minutos, em segredo,
rende-se o nominativo das coisas
e, entre ávido e surpreso,
Ouço o marulho da existência.

Rendo-me presa de novos acordes,
sempre moirão de acesso a sonhos
contumazes, metal roubado ao tempo
longínquo de aspirações e confidências.

O que fiz para ser triste e provar
a mensagem das águas carentes de sentido!

Tu tens algo a dizer-me, passado
ferido, moeda azinhavrada,
medalha de erros, ensanguentado
lábaro bradando na quilha do horizonte.

O instante é novo e merece
um post-scriptum mais severo.
Deste-me sem sangue a luz e eu não sei
o que fazer com a outra metade.
Perdi-me sem saber na matéria dos mitos,
jorrando-me na poeira de palavras
desconhecidas. Conscientemente
antes que anoiteça, galoparei
a silenciosa cordilheira e, sobre rochas,
lá ficarão meus rastros desertores,
ao sinal do tropel visionário e incendido.

Quem diria que fomos nós – os parias
os ignotos, os desmiolados? Fomos?

Negros são os olhos de Sophia Loren;
Verde, a carne dos meninos de Biafra.
Alguém dispara bolhas de sangue velho
aos olhos de santos bêbados de incenso.
Escorre veneno das gretas do Aconcágua, 
o rio São Francisco ainda geme. Geme
Por que não? Por que não?

Teu porto é o homem, ó deus
alvoroçado, tempo humano, torso
coberto de ervas e flores selvagens.

(1969)

Federico Garcia Lorca - Poema

 
Alma ausente


Não te conhece o touro nem a figura,
nem cavalos nem formigas de tua casa.
Não te conhece a criança nem a tarde
porque morreste para sempre.

    Não te conhece o dorso desta pedra,
nem o negro cetim onde te afliges.
Não te conhece tua lembrança muda
porque morreste para sempre.

     O outono virá com seus búzios
uva de névoa e montes agrupados.
Mas ninguém desejará olhar teus olhos
porque morreste para sempre.

     Porque morreste para sempre,
como todos os mortos da Terra,
como todos os mortos esquecidos
num montão de cães exterminados.

     Ninguém mais te conhece. Mas eu te canto.
Eu canto para breve teu perfil, tua graça.
A madurez insigne do teu pensamento.
Tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que sentiu tua intrépida alegria.

      Tardará muito a nascer, se é que nasce,
um andaluz tão claro, tão rico de aventura.
Eu canto sua elegância com palavras que lamentam
e recordo uma brisa triste entre oliveiras.


Tradução de Dora Ferreira da Silva
Imagem retirada da Internet: ausente


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