Beto Guedes - Poema

 
Amor de Índio


Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado pra durar
Abelha fazendo mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for e ser tudo
Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado, meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver
No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser tudo


Imagem: viver a dois

Wallace Stevens (1879- 1955) - Poema


Foto by Anna
SOLILÓQUIO FINAL DO AMANTE INTERIOR



Acende a primeira luz da noite
na qual descansamos e, por razão pouca, refletimos
o mundo imaginado é o bem maior
Este é, assim , o mais intenso encontro.
É nessa ideia que nos reconciliamos,
Para além de toda indiferença, em coisa única:
Dentro de uma coisa, um único xale
Que nos envolve estreitamente, pobres que somos, um calor,
Uma luz, um poder, o milagroso influxo.
Aqui, agora, esquecemos um do outro e de nós mesmos.
Sentimos a obscuridade de uma ordem, de um todo,
Um saber, aquilo que preparou o encontro.
Em sua fronteira vital, no espírito.
Dizemos Deus e a imaginação são um . . .
Tão alta, a vela mais alta ilumina o escuro.
Desta mesma luz, deste espírito central,
Construímos uma morada no ar noturno,
Na qual estar ali juntos é o bastante.


Sueli Cavendish é professora do departamento de Letras da UFPE – Ensaísta e tradutora.

Wallace Stevens (1879- 1955) - Poema



QUARTO CINZA



Embora habites um quarto que é cinza,
Exceto pela prata
Do papel de seda,
E roces
O teu pálido vestido branco;
Ou levantes uma das verdes contas
Do teu colar,
Para deixá-la cair em seguida;
Ou contemples o teu leque verde
Estampado com os rubros galhos de um salgueiro rubro;
Ou, com um dedo,
Movas a folha no vaso –
A folha que caiu dos galhos da forsítia
Ao teu lado...
O que é tudo isso?
Eu sei com que fúria bate o teu coração.

Tradução: Sueli Cavendish - professora do departamento de Letras da UFPE – Ensaísta e tradutora.
Imagem retirada da Internet: Wallace Stevens

Cecília Meireles - Poema


RIO NA SOMBRA



Som
frio.


Rio
sombrio.


O longo som
do rio
frio


O frio
bom
do longo rio.


Tão longe,
tão bom,
tão frio
o claro som
do rio
sombrio!




Imagem retirada da Internet: Rio Pelotas

Lindolf Bell - Poema



Exercício para Garcia Lorca



Quando o vento das primaveras anuncia as florações
anuncia os girassóis, os araçás, as madressilvas, teus
versos tuas granadas abrindo as veredas de meu país
livre quando não sei, tu és a lua clara obscura lua
clara, as noites que maduram o coração da terra, os
líricos olhos dos touros da saudade, o mar vejo as
estrelas os limões, és tessitura das manhãs, o amado
guia do reino no bosque das virgílias, floresces e
perduras onde o amor perdura, é frágil a terra do
esquecimento, os ventos da primavera voltam sempre
e as palavras tecem teu canto e teu corpo e tua viagem,
e os híbridos frutos de meu país livre quando não sei
esplendem nos olhos do pássaro teu irmão, para sempre
os cardos os pomos, os selvagens rosais dos invernos e
as novas estações dos povos da coragem, as embiras as
timboranas o vento sul as auroras, abriga-me em tua
paisagem onde tudo se anuncia, tu és o dia tu és o dia,
a fava, o fauno, a fala, a festa não fixa de viver e
conviver, o móvel calendário de amar para sempre, tu
és a samambaia nas varandas, o seixo dentro do rio de dentro
o sangue, o fuzil das guerrilhas interiores, e se nos
montes e nos pantanais e nos corações agitas as ervas e
os navios de verdades largas, tu Federico Garcia Lorca,
eu te chamo uma vez só, e isto basta para quem tem
antenas e ouvidos e sabe que o mundo está aqui dentro
mas está lá fora de meu país livre quando não sei, tu
és o gravatá do campo, a flor verde, a bravura de meu
país livre quando não sei, guarida onde me abrigo, rio
dos minérios das minas da manhã, argila das florescências,
espiga dos tempos claros, fruto aberto no esquema
silvestre dos corações, há um solução na garganta
de meu país livre quando não sei.


Poema integrante da série Incorporação.

In: BELL, Lindolf. Incorporação: doze anos de poesia, 1962/1973. São Paulo: Quíron, 1974. (Sélesis, 3) 
Fonte: As Tormentas. Imagem retirada da Internet:Garcia Lorca

Mário Pederneiras - Poema




Madrigal



Teu olhar é tão manso,
Tão de ardências febris desprevenido e leigo,
Tão suave, tão bom, tão cheio de descanso;
Tão sereno é teu beijo,
Tão leve, tão sutil o teu próprio desejo;
Tudo
Em ti é tão meigo.
Sentimentos e Carne, Olhar, Voz e Carinhos.
Que muita vez sentindo,
Junto de mim o teu aspecto lindo,
Que meu amor intenso,
Indômito, açulado, espera e espreita,
Penso
Que tu, Querida, tu, és toda feita
De arminhos
E veludo.


Quer num suave enleio
Sentimental,
De idílio e de bondade,
Onde somente se destaque e arda
De ser querida a íntima alegria;
Quer na intimidade
Dominadora e treda,
De um lascivo coleio,
Quase de invertebrada e quase de oriental,
És a mesma de sempre, aromada e macia,
Oh! meu anjo de guarda!
Oh! minha linda Salomé de seda!


Um lago,
Sem ritmos agitados,
De água de brilho de aço,
Clara, fresca, parada,
Sob a seda de um Céu, à noite, em pleno Outono;
Um recanto de terra estéril, isolada,
Cheia de sugestões, de sossego e de sono,
De distância e de espaço,
Não tem a penugem do afago
Deste afago normal dos teus olhos dourados.


Estas longas arcadas solitárias,
De antigas abadias
Largas, sonoras e sombrias
E legendárias,
Da simbolizarão do sossego e da paz,
Da vida que repousa,
A fugir do rumor que atormenta e que infesta
O caminho vulgar que a vida humana pousa,
Tem qualquer coisa
Da honesta mansidão da tu'Alma de honesta.


Quando mais para a Terra teu amor dirijo
E o quero mais humano
E exijo
Que meu desejo dessedentes
Em carícias mais fortes e mais francas
E te imploro

O sabor aromal do teu beijo sonoro,
Não me ficam nos lábios
Acídulos ressábios
Da ânsia sensual de onde a Volúpia espouca...


Só me fica na boca
A macia impressão de que beijo asas brancas.


Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: olhos doces

Marilene Dantas Sepulvida Nicerio - Poema


Falando de Sedução


A luxúria, poderosa arma da sedução.
Aos olhos da sociedade puritana
Leviana forma de expor aquela vibração.
Se praticada com menor de idade
Perigosa contravenção!

A sedução se não é jogo, é regra
Cuja participação, depende de mais de um.
Em cada canto, em cada viela à espera
De um jogador pouco comum.

Seduzir com maestria é dom divinal
Seja no olhar, seja na conjunção carnal
Seduzir ou ser seduzido? Eis a questão!
Bicho de sete cabeças, essa tal de sedução.

A cantada sedutora fascina o desprevenido.
Solução de uma neurose real.
Não há quem resista esta condução
Subindo ou descendo as vielas do coração.

Imagem retirada da Internet: sedução

Francisco Perna Filho - Poema


Foto by Rhett A. Butler
ACONTECIMENTOS



São duros os acontecimentos
do meu tempo:
escândalos,
crimes,
corrupção.
Enquanto isso, 
lá no fundo,
a poesia,
à maneira da flor,
imprensada na rocha,
nas pedras de Cida Almeida,
silenciosa,
rompe o escuro das trevas
e, timidamente, brota.

Do lado de cá,
na rua deserta,
não há mais o grito do jornaleiro,
somente o silêncio:
Chico Anysio, Millôr Fernandes, /tio Tito Perna.

O tempo de agora
continua infinito,
e nele retumbam os acontecimentos
no instante,
no instantâneo do click,
do compartilhamento:
- quantos homens sós, meu Deus!

As vozes do meu tempo
são midiáticas,
virtuais,
escondidas,
quase inaudíveis,
mas fazem estragos maiores
do que o grito.

A dor do meu tempo é coletiva,
sofremos todos,
ainda cedo,
desde a Síria, 
Egito, 
Palestina, 
Haiti.
Sentimos muito,
entre uma colher e outra 
que levamos à boca.
Já nos acostumamos.

Vivemos a morte,
coletivamente,
sem remorso,
sem culpa,
sem memória,
sem nos darmos conta 
de que também
morremos.

Lindolf Bell - Poema



Imagem by Androxa


A PALAVRA DESTINO



Deixai vir a mim
a palavra destino.

Manhã de surpresas, lascívia e gema.
Acasos felizes, deslizes.
Ovo dentro da ave dentro do ovo.
Palavra folha e flor.

Deixai vir a mim palavra
e seus versos, reversos:
         metamorfose,
         metaformosa.

Deixai vir a mim
a palavra pão-de-consolo.
Livre de ataduras, esparadrapos,
choques elétricos
e sutis guardanapos em seco engolidos socos.

Deixai vir a mim
a palavra intumescida pelo desejo .
a palavra em alvoroço sutil, ardil
e ave na folhagem da memória.
A palavra estremecida entre a palavra.
A palavra entre o som
mas entre o silêncio do som.

Deixai vir a mim
a palavra entre homem e homem.
E a palavra entre o homem
e seu coração posto à prova
na liberdade da palavra coração.

Deixai vir a mim
a palavra destino.

Odorico Tavares - Poema




VOLTA À CASA PATERNA

Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!

Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.

Imagem retirada da Internet: espelho

Bandeira Tribuzi - Poema




Imagem

Vista do mar, a cidade, 
subindo suas ladeiras, 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras: 
nimbada de claridade, 
ponteia velhos telhados 
com as torres das igrejas 
e altas copas de palmeiras.  
Seus dois rios, como braços 
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem 
flui a música do tempo, 
cresce o musgo dos telhados 
e a umidade das paredes 
escorre pelos sobrados 
o amargo sal dos invernos.  
Tudo é doce e até parece 
que vemos só o animado 
contorno de iluminura 
e não a realidade: 
vista do mar, a cidade 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras 
e em sua simplicidade 

esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.

Imagem retirada da Internet: São Luís do Maranhão

Octavio Paz - Poema


 
CREPÚSCULOS DE LA CIUDAD

A Rafael Vega Albela,
que aquí padeció

          I

Devora el sol restos ya inciertos;
el cielo roto, hendido, es una fosa;
la luz se atarda en la pared ruinosa;
polvo y salitre soplan sus desiertos.

Se yerguen más los fresnos, más despiertos,
y anochecen la plaza silenciosa,
tan a ciegas palpada y tan esposa
como herida de bordes siempre abiertos.

Calles en que la nada desemboca,
calles sin fin andadas, desvarío
sin fin del pensamiento desvelado.

Todo lo que me nombra o que me evoca
yace, ciudad, en ti, yace vacío,
en tu pecho de piedra sepultado.





Octavio Paz - Poema


AGUA NOCTURNA




La noche de ojos de caballo que tiemblan en la noche,
la noche de ojos de agua en el campo dormido,
está en tus ojos de caballo que tiembla,
está en tus ojos de agua secreta.

Ojos de agua de sombra,
ojos de agua de pozo,
ojos de agua de sueño.

El silencio y la soledad,
como dos pequeños animales a quienes guía la luna,
beben en esos ojos,
beben en esas aguas.

Si abres los ojos,
se abre la noche de puertas de musgo,
se abre el reino secreto del agua
que mana del centro de la noche.

Y si los cierras,
un río, una corriente dulce y silenciosa,
te inunda por dentro, avanza, te hace oscura:
la noche moja riberas en tu alma.

Murilo Mendes - Poema

 

A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO


Ofício no altar terrestre,
Roseiras dando-se as mãos,
Iluminações na usina.
O filho pródigo
Despertou as nuvens,
Levanta a saia das árvores,
Abraça o amigo e o inimigo.
Navios batendo palmas
O esperam na enseada.

Ordenam a sinfonia:
Nijinsky dançando no arco-íris
Reconcilia o céu e a terra.

Imagem retirada da Internet: Nijinsky

ARMILAVDA



Armilavda, ó doce Armilavda,
Lembras-te do tempo em que descobríamos o universo,
Em que ficávamos na varanda à espera da lua chegar,
Retendo a respiração diante do movimento das ondas?
Em que folheávamos grandes livros de gravuras,
Ou então nos debruçávamos sobre o mapa da terra.
Lembras-te quando te apontei um dia a Áustria,
A Índia com seus palácios e seus deuses,
A China da surpresa e das metamorfoses?

Armilavda,
Sei que te lembras do tempo
Em que íamos para o campo assistir à germinação da semente
(Corrias, solta a cabeleira ao vento,
Tuas pernas eram fortes e polidas
Como as da dançarina que eu vi no ginásio de dança,
E os laçarotes azuis do teu vestido
Se confundiam com as borboletas do mato).
Sei que te lembras do jogo de bilboquê no quarto ladrilhado,
Da noite em que surgiste de dominó para o baile de máscaras,
De nossas primas tocando piano a quatro mãos,
Das chuvas de pedra e do sinal de Deus na nuvem.
Que te lembras de tudo. Das nossas respirações em suspenso,
Das longas confidências no jardim de magnólias,
Do movimento das ondas, lá fora, despeteando a praia.
Sei que guardaste todas as imagens,
Que de vez em quando sobe-te às narinas o cheiro das magnólias
E que reconstituis o nosso tempo antigo.

Armilavda, Armilavda,
O tempo é o mesmo, germina nos campos a semente de outrora,
A lua chega esta noite entre nuvens e presságio,
As ondas lá fora despenteiam a praia.

Armilavda, Armilavda, o tempo é o mesmo:
As espadas dos tiranos retalham as partituras das sinfonias austríacas,
Nos palácios da Índia com seus deuses
Lutam tropas de párias e soldados nus,
Na china da surpresa e da metamorfose
Morrem crianças e velhos metralhados.
Consultáramos tantos mapas, lêramos tantos livros:
Mas não tínhamos lido a história de Abel e Caim.


In. As Metamorfoses.Rio de Janeiro: Record, 2002,p.53-54.
Imagem retirada da Internet: Murilo Mendes

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