Arthur Rimbaud - Poema


















Vagabundagem


Lá ia eu com as mãos em meus bolsos furados;
O paletó também se tornara irreal;
E sob aquele céu, Musa! eu era teu vassalo;
E imaginava amores nunca imaginados!

Nas calças um buraco e eu só tinha aquelas.
- Pequeno Polegar das rimas, sonhador,
Instalei meu albergue na Ursa Maior.
- Lá no céu o frufru de seda das estrelas...

Eu as ouvia, sentado à beira das estradas,
nas noites boas de setembro, quando o orvalho
revigorava-me a fronte como um vinho;

E em meio às sombras fantásticas, então,
dedilhava, como se fossem lira, os elásticos
de meus sapatos, o pé junto do coração!


Tradução de Ferreira Gullar

Imagem retirada da Internet: Rimbaud

Gerardo Melo Mourão - Poema



NAQUELE TEMPO


Naquele tempo
o filho dos Mourões era pastor e muitas coisas
pastoreou seu cajado
o bode o cavalo o boi
e os rifles bandoleiros entre
a Canabrava dos Mourões e a Baixa Verde
dos Mourões
e por ali
tangia o pegureiro sua flauta
pastor de anjos tangeu uns tempos
os serafins e os querubins e Querubina
Januzzi à sombra
dos jasmineiros:
pastor das putas sua flauta
gemia nas esquinas e alegrava os bordéis e a
canção de Lesbos
saudava as meninas machas do L’Étoile
(para Paula e Jane)
e a flauta feiticeira
envenenou teus dias
e tuas noites:
de sua melodia
viveram e morreram as amadas e à beira
de suas sepulturas
o pastor das defuntas sopra o choro
pelas que se mataram de amor.

Pastor hei sido em tanto monte, desde
o monte de Vênus ao monte de Sião
e ao monte galego onde damas de copas e espadas
ambulavam na ronda
pastor de moedas — digo o Banco de Crédito
Real —
cordeiro de Deus tonsurado e imolado
naquelas mangedouras
gado inútil cevou-se à ração de meus dias
e os demônios astutos
dançaram sarabanda no monte de Sião —
e as damas
de copas e espadas corriam
do bordel de Helenita ao de Marina
e os lobos devoravam as meninas
dos olhos do pastor
e nada nos foi poupado — Angelo Simões
de Arruda, nada, Efraín,
pois pastor de heróis condottieri e guerrilheiros
tresmalhados todos os rebanhos — Abdias —
restava apenas este pastoreio
das putas e esta flauta
que nunca lhe caiu da boca na viagem
e um dia nesta flauta
apodrecido o canto de cantar
ensaiasse o pastor no sacro bosque
enfeitiçar os animais e as pedras
quem sabe as fêmeas — sempre elas — de
narinas acesas e de ouvidos em flor
esperassem à noite a serenata irresistível
e pedras e serpentes e fêmeas começassem
a chegar arrastados
da doce melodia.


Imagem retirada da Internet.

José Godoy Garcia - Poema

José Godoy Garcia


Espécie de balada da moça de Goiatuba




Em Goiatuba
tem uma moça
que coração
grande ela tem
Em Goiatuba
tem uma moça
que coração
grande ela tem.

A moça de lá
é só chamar vem

De Goiatuba
eu guardo
muitas recordações

De lá eu guardo
muitas recordações

Lá tem rua
que parece bicho
querendo se esconder
por detrás do mato

Lá tem homem
que lutou na revolução

Lá tem farmacêutico
que sabe latim

Lá tem padre que mora
com mulher na rua de cima
e de tarde sobe de lanterna na mão
Lá tem cadeia
assombrada
e tem louco nas grades rindo feito
bicho com fome
Em Goiatuba
tem uma moça
que coração bom ela tem
A moça de lá
desde menina
serve aos homens
com sabedoria
Toda moça no mundo
aprende que corpo
não se pode mostrar
vestido deve vestir
vergonha deve sentir
amor deve esconder
sonho pode sonhar
A moça de lá
não aprendeu a sonhar
A moça de Goiatuba
é como a fonte
que dá de beber
é como a árvore
que dá frutos
é como a noite
que dá as estrelas
Ela só não compreende porque os homens
têm coisa com ela
Um dia indagou:
-“Por que ocêis me mandam
deitar no chão?”
-“Eu visto meu vestido,
eu ponho colar bonito,
eu enfeito os meus cabelos
com flor
Eu estou bonita
com o meu vestido
eu estou bonita
com esta flor
vocês me mandam tirar vestido,
ocês são bobos?”
Lá em Goiatuba
tem uma moça
que coração grande ela tem.
A moça de lá
é só chamar vem.


In. Os Dinossauros dos Sete Mares. José Godoy Garcia.
Imagem retirada da Internet: José Godoy Garcia

Marinalva Rego Barros - Poeta

[O+BOTO]

Leveza


Deixe que os botos
guardem os rios
e os casarões cochichem
sobre nossa ingenuidade.

Deixe que o abacateiro
transponha o muro
e se apaixone
pela rua antiga

Permita ao mundo
suas pequenas fatalidades,
como a canoa muda
que assiste
respeitosa
a morte do dia.



In. Antologia do I Concurso Nacional de Poesia - Academia Tocantinense de Letras. Palmas: Papyrus, 2006, p.19.
Imagem retirada da Internet: Boto

Karl Theodor Kõrner (1791-1813) - Poema

Adeus à Vida





Meus lábios tremem; punge o golpe ardente.
No lânguido bater do peito ansiado
sinto ao termo da vida ter chegado.
Teu era; a ti me entrego, ó Deus clemente!

Que visões que afagaram minha mente!
Mas ai! que o sonho em morte é dissipado.
Valor! O que em meu peito hei fiel guardado,
viverá lá comigo eternamente.

A idéia que adorei qual divindade,
que exaltava meu jovem ser fogoso,
ou lhe eu chamasse "amor" ou "liberdade";

ei-la ante mim, qual anjo luminoso;
e perdendo eu da vida a faculdade,
subirá com minha alma ao céu radioso.


Tradução de José Gomes Monteiro



Imagem retirada da Internet: despedida

Carlos Drummond de Andrade - Poema


Papai Noel às avessas





Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.


Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papais-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças.
Papai entrou compenetrado.


Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.


Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidentes
brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.


Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.



In. Receita de Ano Novo, 2008.
Imagem retirada da Internet

Carlos Drummond de Andrade - Poema


A bunda que engraçada



A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
redunda.



In. O Amor Natural.
Imagem retirada na Internet: Bunda

Carlos Drummond de Andrade - Poema


A NOITE DISSOLVE OS HOMENS


A Portinari




A noite
desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.

A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes!
nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão
simples e macio...

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.


In. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002, 67-68.
Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia - Munições apreendidas por policiais no Complexo do Alemão

Ludovico Ariosto - Poema


ORLANDO FURIOSO



CANTO I (continuação)


19.
Diz ao pagão: - Cuidas que só a mim,
Mas maltratas comigo a ti também,
Que se agora combates bravo assim
Pelo sol que ardoroso te mantém,
Reter-me aqui que te aproveita enfim?
Pois quer me faças morto, quer refém,
De ti bem longe se achará a senhora
Que, enquanto aqui tardamos, foi-se embora.


20.
Se lhe queres também, será melhor
Procurares detê-la pela estrada
Antes que uma distância inda maior
A separe de nós em sua jornada.
Quando a alcançarmos, seja-lhe senhor
Quem, de nós dois, prevalecer na espada,
Pois penso, aliás, que toda esta detença
Só nos pode servir de perda imensa.


21.
Ao pagão a proposta não despraz:
Eis que adiada assim fica a tenção.
Retorna ao seio de ambos logo a paz,
Caem no olvido o ódio e a indignação.
Deixando as frescas águas para trás,
Que Rinaldo está a pé lembra ao pagão.
Roga-lhe, insta e faz pôr-se na garupa;
Só Angélica alcançar ora os preocupa.


22.
Como outrora eram bons os cavaleiros!
Rivais no amor, a fé os fazia diversos,
Doíam-lhes na carne inda os certeiros,
Duros golpes, recíprocos e adversos.
Mas iam juntos por selvas e carreiros,
sem temer ou nutrir planos perversos.
Sob quatro esporas voava pela estrada
O animal, até achá-la bifurcada.


23.
Aqui chegados, sem saber se ruma
Por uma trilha ou outra a dama bela
(Já que ao olhar sem diferença alguma
Frescas pisadas uma e outra revela),
Convêm em que Fortuna o mando assuma:
Esta segue Rinaldo, o hispano aquela.
Ferraú pelo bosque inteiro gira
Até o ponto alcançar donde partira.


24.
Ei-lo de novo junto da ribeira
No lugar onde o elmo se afundara.
De reavê-lo ao rio, tenta a maneira
(A dama reaver desesperara).
Da margem desce até a extrema beira
Onde a praia das águas se separa.
Mas debalde se esforça e as mãos meneia
Que o elmo bem fincado está na areia.


25.
De um galho desfolhado havia feito,
Para a fundo sondar, vara bem longa,
E do rio esquadrinha todo o leito
Que o varapau o braço lhe prolonga.
Mas enquanto se acresce seu despeito
Pela procura inútil que se alonga,
Das águas, até o peito se descobre,
Com rosto irado, um cavaleiro nobre.


26.
Salvo a cabeça, tinha o corpo armado
E erguia um elmo em sua destra mão.
Era esse mesmo o elmo procurado
De Ferraú, por tanto tempo em vão.
A Ferraú falou, muito agastado,
E disse: - Ó infiel perjuro! Ó cão!
Por que da perda enfim te lamurias
Se o elmo há largo tempo me devias?



Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.




In. ARIOSTO, Ludovico. Orlando Furioso. Trad.: Pedro Garcez Ghirardi. São Paulo:Ateliê, 2002,p.55-57.
Imagens retiradas da Internet: livro

Ludovico Ariosto - Poema


ORLANDO FURIOSO



CANTO I (continuação)


13.

a Dama desviou a montaria
e foi-se a rédea solta pela mata,
Sem procurar a mais segura via,
Onde o arvoredo menos se dilata.
Tresloucada, a tremer, pálida, a guia
Dá ao palafrém, que a esmo as trilhas cata.
Acima e abaixo, a vasta selva inteira
Percorreu e foi ter a uma ribeira.


14.
Junto à ribeira Ferraú mostrou-se
Coberto de poeira e suor copioso.
O que da frente de batalha o trouxe
Foram ganas de água e de repouso.
Depois, a contragosto, lá ficou-se,
Porque, sobre estouvado, sequioso,
Das mãos caiu-lhe ao rio o elmo, ao beber,
E não mais o alcançava reaver.


15.
Com quantas forças tem, ergue clamor,
Posta em fuga, a donzela apavorada;
Salta o mouro, escutando tal rumor,
E a reconhece, logo na chegada.
Ainda que, por obra do temor,
Mostrasse a face pálida e turvada,
É aquela de quem vai buscando novas,
É angélica, não há querer mais provas.


16.
Cavaleiro cortês, quiçá rival
Dos primeiros no estimar igual beleza;
Se elmo lhe falta, o que inda o braço val
Logo à dama oferece por defesa.
A arma empunha e feroz corre aonde o mal
Suspeita então rinaldo tal surpresa.
Eram já os cavaleiros conhecidos
De vista e d'armas, desde tempos idos.


17.
Apeados ali, sem que lhes valha
Couraça ou malha miúda como escudo
(A espada de qualquer tão rijo talha
Quem em bigorna faria corte agudo),
Encetam crudelíssima batalha.
A dama ao palafrém manda contudo
Que aperte o pé, com quantas força tenha,
E em campos, matagais, assim se embrenha.


18.
Largo tempo forceja um por ter mão
Do outro, mas nenhum ao outro abala,
Pois ambos consumados mestres são
De perícia na espada, ao menejá-la.
Afinal o senhor de Montalvão
Dirige ao cavaleiro hispano a fala
Como alguém cujo peito se acha em fogo
Abrasador, que rompe em desafogo.


Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.




In. ARIOSTO, Ludovico. Orlando Furioso. Trad.: Pedro Garcez Ghirardi. São Paulo:Ateliê, 2002,p.54-55.
Imagens retiradas da Internet

Ludovico Ariosto - Poema



ORLANDO FURIOSO



CANTO I

1.
Damas e paladinas, armas e amores,
As cortesias e as façanhas canto
Do tempo em que o mar d'África os rigores
Dos mouros trouxe, e França esteve em pranto;
Ira os movia e juvenis furores
De Agramante seu rei, disposto a tanto,
Que ousou vingar a morte de Troiano,
Em Carlos, rei e imperador romano.


2.
Hei de dizer de Orlando, juntamente,
O que nunca se disse, em prosa ou rima:
Que ficou, por amor, louco fremente,
Pondo a perder de homem cordato a estima;
Isto, se aquela que me faz demente
E o pouco engenho me corrói qual lima,
Assentir em poupar-me em tal medida,
Que eu possa dar a obra prometida.

3.
Dignai-vos, ó hercúlea prole Estense,
Ornamento e esplendor do tempo nosso,
Hipólito, aceitar, pois vos pertence,
A oferta do criado humilde vosso.
O que vos devo em grande parte vence
Quando co' o verbo e a pena pagar posso;
Nem por vos dar tão pouco ingrato sou,
Pois do que posso dar, tudo vos dou.

4.
Dentre os grandes heróis, se ora me ouvis,
Vereis lembrado o nome sobranceiro
Que de vossa linhagem foi raiz,
Rogério, de alta estirpe avô primeiro;
E se benignamente consentis
Em dar-me, por um pouco, ouvido inteiro,
Deixando por meu canto altos cuidados,
Seus feitos achareis aqui exaltados.


5.
De Angélica formosa enamorado
Ficara Orlando, e por amores seus
Em Tartária, Índia e Média havia deixado
Inumeráveis e imortais troféus.
Ei-lo agora retornado
Ao ocidente, ao pé dos Pirineus,
Aos arraiais de França e de Alemanha,
Convocados de Carlos à campanha,

6.
Para que os reis Marsílio e Agramante
Cara custasse a estulta confiança
Com que um de África todo o homem prestante
Trouxera armado com espada e lança,
E outro de Espanha se pusera adiante
Por oprimir o lindo chão de França.
Voltava então Orlando ao pátrio solo,
Mas logo a volta o pôs em desconsolo.


7.
Pois logo sua amada ali perdia:
Que o juízo humano tantas vezes erra!
Aquela pela qual lutado havia,
Da Eólia à Espéria, em tão renhida guerra,
Ora a perde entre amiga companhia,
Sem a espada brandir, em sua terra.
É sábio imperador quem, tendo em mira
Grave incêndio extinguir, assim lha tira.


8.
Desavença recente separara
Rinaldo e o conde Orlando, que é seu primo:
Da mesma dama, a formosura rara
Os abrasava, pela graça e o mimo.
Carlos, a quem o pleito desgostara,
Pois desss bravos lhe tolhia o arrimo,
A donzela, que aos dois indispusera,
Deu em custódia ao duque de Baviera;



9.
E em prêmio a reservou ao que se houvesse
Com mais valor naquela grã jornada,
Ao que mais infiéis ali abatesse
Pelo valor do braço e forte espada.
Mal fundada esperança, que fenece
Ao pôr-se em fuga a gente batizada.
Força é que então com outros mil se renda
O duque e, preso, deixe ao léu a tenda.


10.
Ali se achara dantes a donzela
Ao vencedor em prêmio prometida.
Durante o embate, ela subira à sela
E, sem que suspeitassem, foi partida.
Sentiu - veio um presságio esclarecê-la -
Que a Fortuna aos cristãos baldara a lida.
Assim, entrou num bosque, e num carreiro
Encontrou, vindo a pé, um cavaleiro.


11.
Vestia couraça e tinha na cabeça
O elmo; ao flanco, espada; à mão, escudo;
O bosque atravessava mais depressa
Que em prova de corrida aldeão rudo.
Tímida pastorinha não se apressa
De serpente a fugir bote sanhudo,
Como Angélica as rédeas desviou
Logo que caminhante divisou.


12.
Era esse paladim, nobre e galhardo,
Filho de Amon, senhor de Montalvão.
Tinha perdido seu corcel, Baiardo,
Pouco havia, em insólita ocasião.
Reconheceu a dama, e, como dardo,
O amor lhe trespassou o coração.
Vendo-lhe ao longe o angélico semblante
Caiu do amor nos laços nesse instante.




Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.


In. ARIOSTO, Ludovico. Orlando Furioso. Trad.: Pedro Garcez Ghirardi. São Paulo:Ateliê, 2002,p.51-53.
Imagens retiradas da Internet

Sinésio Dioliveira - Poema

Viagem incomo(Dante)


Para o Amigo Chico Perna




Quão incomo(Dante)
É essa viagem metafísica
Pela vereda dual entre o céu e o inferno!

A comédia humana é sim divina.
E nela o demônio tem sido protagonista.
Deus está atrás das cortinas.

Os mitos impedem a demência de muitos homens.
Os poetas fogem à regra:
São loucos sublimes.
Não jogam pedra na lua
Mas lhe oferecem flores
E serenata com canto de pássaros.

Essa é a vereda tomada pelos poetas
para "entreter a razão"
e dar alegria ao "comboio de corda
que se chama coração".


Imagem retirada da Internet: Dante.

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