Francisco Perna Filho - Poema
Marinalva Rego Barros - Poeta
ENCONTRO
Façam para mim
um vestido esvoaçante
com pequeninas flores
em tom pastel
Um banho fresco
com folhas de eucalipto
é essencial
Ah, não esqueçam de marcar
uma hora antecipada
pra que eu nade no rio
ao entardecer
(a essa hora ele me ensina
velhas lições de sedução)
e que eu possa avistar
um ipê roxo
solitário na paisagem
pra enternecer ainda mais
meu coração
A uma artesã sensível
encomendem um colar
discreto e romântico
e escondam de mim
todos os jornais:
corro o risco de distrair-me
com coisas da vida
e dos homens
Por fim,
rezem por mim
meus irmãos.
Rezem muito por mim
neste dia:
careço de todo perdão de Deus
para o festim da minha carne.
Imagem retirada da Internet: corpo
Álvaro Seiça Neves - Poema
naquele Asilo de mármore e baba fria
a Morte entrou de passos apressados
sorvendo almas
berraram os maus mas em vão
os ombros
varas pontiagudas alinhadas ao Céu
ventilavam ondulantes
as orelhas cerradas de cera vivida
as têmporas
a testa
os nervos
balas rebentando de solidão
olhavam lancinantes
como guilhotinas de músculos dissecados
o raciocínio era pura irritação
e para todos
a Vida
chegava numa ambulância
mascarada de carro funerário
toda esta ferida era evasão
os tiros das espingardas
sobrevoavam a sala dos rumores
cadeiras de roda empilhadas em silêncio
e enfermeiras formosas
cuspindo descontracção
e para todos
as clarabóias que fendiam
o solo seco do cérebro comum
eram miragem de um deserto moribundo
guilhotinas
varas
e ventiladores
têmporas
testas de ranho
e nervos de cera
cheirando ao podre
ao esqueleto do caixão
a festa da Vida era a cólera da Morte
almofadas e pantufas
por muito que boas
eram apenas Nadas
naquele Asilo de mármore e baba fria
o único calor vinha das mãos apertadas
Marinalva Rego Barros - Poema
TRILHA
Os caminhos do teu endereço
São cheios de esquinas,
A estrada que conheço
Margeava um rio que partiu
E minha bússola,
Feita de amor antigo,
É hoje inexata.
Peço novas senhas:
Lamparinas na janela
Jasmineiro no portão
E um código secreto
Que só meu coração conheça.
Andarei por tua casa
Com sandálias de algodão
E farei um poema
Terno e pungente,
Como convém a um amor antigo
Bordado de ausências.
Imagem retirada da Internet: Lamparina
Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema
Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Fonte: Mulheres
Imagem retirada da Internet: Nus
Francisco Perna Filho - Poema
NATAL
Eu nunca fiz um poema de Natal,
talvez por não sabê-lo,
embora compreenda sua simbologia.
Sei que o Cristo renasce em cada coração,
que as cidades se enchem de luzes coloridas e brilhantes,
que os homens tornam-se mais solidários e felizes.
Eu sei de tudo isso,
mas também sei dos homens empedernidos,
das mulheres maltratadas,
das crianças abusadas,
das trapaças,
e das sórdidas armações palacianas.
Eu sei de tanta coisa,
mas ainda sei tão pouco da vida,
talvez esteja aí a minha dificuldade para compor um poema natalino.
Seria fácil falar de presentes,
desejar votos de felicidades,
falar de abraços e sorrisos,
de manjedouras e presépios,
de um menino que nasce para salvação do mundo.
Talvez fosse simples assim,
mas a verdade se nos impõe cortante,
as cores, apesar indução midiática,
são de outras matizes, de menos brilho e bem doídas,
como no conto de Dostoievski “A Árvore de Natal na Casa do Cristo”,
ou no romance “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini,
ou, quem sabe, no absurdo de "A Metamorfose", de Franz Kafka.
Sei que num poema de Natal os leitores desejam cantatas,
louvores e muita alegria,
não havendo espaço para qualquer pensamento destoante
daquilo quem vem a ser bondade.
Tampouco para palavras que roubem a esperança de centenas de milhares de miseráveis
espalhados nas prisões,
nos campos de trabalho escravo,
nos hospitais e hospícios,
nos cárceres dos regimes totalitários.
Um poema de Natal
não comporta maldade,
estelionato,
usurpação.
Num poema de Natal
todos devem estar felizes,
solícitos e
amigáveis.
Por tudo isso,
é que eu sinto dificuldade em fazer um poema de Natal.
Para o ano que vem,
desejo que as coisas melhorem,
que a verdade consiga vencer os artifícios,
que os olhares possam refletir as almas,
que os homens consigam se dar as mãos,
que as crianças possam confiar nos pais,
e que os velhos tenham dignidade.
Para o ano que vem
eu não prometo um poema de Natal, ainda,
mas estou certo de que serei melhor,
que seremos melhores
em todos os aspectos.
Com tanta coisa para falar,
e o poema que não vem,
para este ano,
aproveito para dizer
que continuo acreditando no homem,
na sua bondade,
na sua criatividade,
no seu amor.
Aproveito para louvar a Deus,
na sua infinina sabedoria e nobreza,
que, apesar da maldade humana,
nunca abandona os seus filhos.
Aproveito para desejar um Feliz Natal!
Imagem retirada da Internet: crianças
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