Affonso Romano de Sant'Anna - Poema


Separação




Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juizo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.



Imagem retirada da Internet: separação

Francisco Perna Filho - Poema

[fogofatuo.jpg]

COBRA DE FOGO





Não sabem os homens
que o fogo consome,
assim como a água,
tudo que vê.
Um corredor de fogo,
uma serpente de labaredas,
uma convulsão de calor e amarelidão.
O cerrado treme,
grita,
estrala.
Rapidamente,
é consumido.
Os homens,
endemoniados,
roubam dos deuses o fogo,
e lançam suas chamas,
queimando o seco
que brotaria,
o verde ainda tenro.
Os homens,
sem escrúpulos,
sem culpa,
sem misericórdia,
roubam da natureza a vida.
De um lado,
o rio,
“cobra de vidro”,
singra.
Do outro,
o cerrado,
cobra de fogo,
sangra.
Os homens,
senhores do fogo,
zombam dos deuses,
ao anunciarem a sua incúria,
a sua insensatez,
passeando pelas ruas largas da cidade,
nos seus carros de som.
Os bairros,
doídos de abandono,
com suas ruas engasgadas de fumaça,
gemem desolados.
As casas,
que também gritam,
vomitam a fuligem das queimadas folhas,
o pó que se alastra pelos seus alpendres,
assistidas pelo mormaço desses longos dias.



Palmas, 21 de setembro de 2010

Imagem retirada da Internet: cobra de fogo

Anna Akhmátova (Anna Andreyevna Gorenko) - Poema


LENDO "HAMLET"



I


No cemitério, à direita, cobriu-se o túmulo de pé
e, por trás dele, brotou um rio azul.
Tu me disseste; "Então
vai para o convento
ou casa-te com um idiota..."
Só os príncipes falam sempre assim.
Mas eu lembro dessas palavras:
deixem que elas flutuem por cem séculos
como um manto de arminho jogado sobre os meus ombros.


II


E como por engano
eu disse: "Tu..."
Iluminou-se a sombra com o sorriso
suave de meu amado.
Esse é o tipo de deslize da língua
que faz com que todo mundo fique te olhando...
Mas eu te amo, como quarenta
meigas irmãs.


Anna Akhmátova. Antologia Poética. Seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto Alegre: L&PM.
Imagem retirada da Internet: Anna


Brasigóis Felício - Crônica

A revolução dos catrumanos



O homem é o único animal que, sabendo-se humano, pode se tornar desumano. Supra-sumo sapiente, embora insano e cruel, inclusive em relação aos seus irmãos. Não saber ter “o poder de ser bom”, que é a vacina mais certa contra todas as formas de maldade. “O alto poder existindo para os braços da maior bondade”, conforme intuiu Riobaldo, nos intervalos das travessias doGrande Sertão:Veredas, em que rasgava gerais, em suas lutas jagunceiras, antes de atravessar a terra sinistra e deserta do Liso do Sussuarão.

Encarnação de milagre foi Riobaldo (um rio baldo), tão tosco e brejeiro, mas tendo clarões da eternidade, ao perceber que existem “semeados na terra” que não fazem parte da humanidade, pois que tendo nascido como pessoas, não conseguiram tornar-se humanos. Separa-os da humanidade “o não saberem das redes de proibições e alianças que presidem as trocas humanas”, como assinala Katrim Holzermayr Rosenfield, em Desenredando Rosa (Topbooks).

Na visão de Riobaldo (e, por certo, do mago Rosa), “os nascidos da terra crescem como vegetais, e massacram-se mutuamente, saindo e retornando do ventre da mãe”. Qualquer semelhança com a barbárie que, nos campos e cidades, em tempos de guerra ou de paz, em forma de terrorismo político-religioso, ou de criminalidade organizada, avança como a querer destruir os marcos civilizatórios, não é mera coincidência.

A revolução dos catrumanos (ou a barbárie pura e simples) pode ser vista no fundo de um mar magmático de selvageria e barbárie, espécie de horda das ruas, ou levante do absurdo, no país da cordialidade e do jeitinho. Já não dá para não saber que a banalidade do mal, que teve seu auge nos campos de extermínios nazistas, com a chamada “solução final”, retorna com o terrorismo justificado em nome dos direitos humanos.

Os catrumanos, espécie de Aliens vindos dos abismos da mente humana, não do espaço sideral, clandestinos embarcados em naves embarcadas em guerras nas estrelas, pertencem à grei mortal e mortífera dos atacados pela peste emocional do caráter, no dizer de Wilhelm Reich. Ou acabaram por se transformar em mortos vivos, inimigos ferozes de tudo o que vive, no dizer de Pierre Levy, pós-doutor da cybercultura: “Algumas pessoas estão praticamente mortas por dentro. Buscam sugar a vida de pessoas vivas, mas neuróticas, isto é, que projetam a própria luz nos mortos vivos, incapazes que são de reconhecê-los”.

Dentre os Aliens, mortos vivos e morcenigos (vampiros humanos portadores da peste emocional do caráter, a doença mental dos encouraçados, descritos por Reich) há os fanáticos pelo ódio ao diferente. São capazes de planejar e realizar atentados terroristas que levam à morte centenas ou milhares de pessoas inocentes, pelo simples fato de não rezarem pelos dogmas de seu credo religioso. Mas há também os que matam em nome do que chamam de amor.

Matam em nome da pátria, assim como assassinam levando bandeiras de ideais sublimes de salvação do mundo ou da alma. Matam em nome do que chamam de sua “coerência”, para não levar desaforo para casa, para “lavar a honra”, por motivo fútil, de fama ou infâmia – pois que é vasta, e cresce a perder-se de vista, o câncer coletivo da insanidade humana.

No dizer do professor Roberto Romano, “O terrorista, sem receber votos, faz-se poder Legislativo e decreta leis que devem ser atendidas por qualquer pessoa, mesmo que esta a desconheça. O terrorista, sem eleição, faz-se o poder Executivo de modo ditatorial, e arranca bens e recursos de qualquer indivíduo ou grupo; sem mandato legítimo, faz-se o Judiciário, e só ele julga com justiça o mundo e seus habitantes.

Ele também exerce o poder de polícia, chegando a ser, ele também, carrasco...”. Para ele, o ventre da besta autoritária não está vazio com a morte do nazismo e do stalinismo: “Ele está cheio de ódios que ajudam bandidos a arrancar peles e músculos de crianças desvalidas, mulheres frágeis, velhos trêmulos”.

Da mesma espécie de catrumanos são também os bandidos que assaltam carros, aos gritos de “Sai, vagabunda!”, e arrastam uma criança, como inocente Aquiles, até que seu corpo frágil se desfaça... Os que perpetram tamanha atrocidade ainda encontram quem os defenda: “A culpa é dos que moram em cobertura”, insiste em dizer a autoridade que vive a denunciar que os outros nada fizeram, enquanto ele se obstina em não fazer coisa alguma.

Catrumanos, criminosos hediondos, malandros de navalha e de gravata, existem por toda parte, e se multiplicam como praga, sendo alguns justificados em nome de nobres causas, que traem e aviltam, tão logo sejam eleitos e/ou reeleitos como pais da pátria, enquanto, nas palavras proféticas do poeta irlandês W.B. Yeats, “avança sobre a maré escura do sangue, e a simples anarquia desaba sobre a terra”.


Brasigóis Felício é Poeta e Jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.


Imagem retirada da Internet: silhueta

Paulo Henriques Brito - Poema



elogio do mal





1


A uma certa distância

todas as formas são boas.

Em cada coisa, um desvão;

em cada desvão não há nada.

À mão direita, a explicação

perfeita das coisas. À esquerda,

a certeza do inútil de tudo.

Ter duas mãos é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,

os nomes que embebem o mundo,

e os verbos se fazem carne,

e os adjetivos bárbaros.


2


O mundo se gasta aos poucos.

A coisa se basta a si mesma,

mas não basta ao que pensa

um mundo atulhado de coisas

que se apagam sem pudor,

que se deixam dissipar

como quem não quer nada.

Existir é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,

os nomes que se engastam nas coisas

e sugam o sangue de tudo

e sobrevivem ao bagaço

e negam a tudo o direito

de só durar o que é duro,

e roubam do mundo a paz

de não querer dizer nada.


3


Bendita a boca,

essa ferida funda e má.




In.Antônio Miranda

Imagem retirada da Internet:mãos

Joaquim Cardozo - Poema

O RELÓGIO


Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da ante-sala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço. . .
E o alvo sangue a gotejar,
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do seu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.


Imagem retirada da Internet: relógio

Carlos Drummond de Andrade - Poema

Madrigal Lúgubre


Em vossa casa feita de cadáveres,

ó princesa! ó donzela!
Em vossa casa, de onde o sangue escorre,
quisera eu morar.


cá fora é o vento e são as ruas varridas de pânico,
é o jornal sujo embrulhando fatos, homens e comida guardada.

Dentro, vossas mãos níveas e mecânicas tecem algo parecido com um véu.

O mundo, sob a neblina que criais, torna-se de tal modo espantoso

que o vosso sono de mil anos se interrompe para admirá-lo.

Princesa: acordada, sois mais bela, princesa.
E já não tendes o ar contrariado dos mortos à traição.
arrastar-me-ei pelo morro e chegarei até vós.
tão completo desprezo se transmudará em tanto amor...

Dai-me vossa cama, princesa,
vosso calor, vosso corpo e suas repartições,
oh dai-me! que é tempo de guerra,
tempo de extrema precisão.


Não vos direi dos meninos mortos
(nem todos mortos, é verdade,
alguns, apenas mutilados).


In. Sentimento do Mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002,p.69.

Imagem retirada da Internet: na rua

Carlos Drummond de Andrade - Poema


Lembrança do mundo antigo




Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo.
Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!


In.Sentimento do Mundo. 2ªed, Rio de Janeiro: Record, 2002, p.71.
Imagem retirada da Internet: criança

Mário Quintana - Poema


Poema da gare de Astapovo





O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!



Imagem retirada da Internet: Tolstoi

Mário Quintana - Poema


A rua dos cataventos



Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!



Imagem retirada da Internet: catavento

Brasigóis Felício - Crônica


Cidades do cio



Lá se foram 40 anos da publicação do livro de contos A cidade do ócio, de José Mendonça Teles – uma obra que, junto ao romance Antes das águas, de Anatole Ramos, inscreve-se como iniciadora da ficção urbana em Goiás. Muito justa sua inclusão, pela PUC-GO, na lista das obras de leitura para o Vestibular 2011. Uma fortuna crítica substanciosa assinala importância como documento ficcional revelador das angústias, conflitos e tensões humanas da trepidante e perigosa metrópole em que se transformou nossa capital.

Escreveram sobre este livro, em prefácio, Edla Pacheco Saad, Maria Terezinha Martins, José Fernandes, Nelly Alves de Almeida, Temístocles Linhares, Paulo Nunes Batista, Anatole Ramos, Gabriel Nascente, Almeida Fischer,Martiniano J. Silva, Edvaldo Nepomuceno, e este cronista. Em outubro de 1971, publiquei no Suplemento Literário do O Popular o artigo A idade do cio no Ócio da cidade. Disse à época, dos flagrantes captados pelo olhar atento de cronista, de José Mendonça Teles, ao mostrar a mente fragmentada e caótica dos habitantes do formigueiro urbano, em sua busca aflita – e por vezes doentia – de prazeres lícitos ou ilícitos.

Vemos um mundo de gente comum, vivendo fugas noturnas de vícios e contravenções, que são fugas da rotina doméstica, do trabalho ou do ócio. Seus personagens, envolvidos em tramas previsíveis e cotidianas, protagonizam espetáculos deprimentes, reveladores do vazio existencial, e da busca neurótica por sensações físicas que são efêmeros abismos de prazer. Sem se darem conta de que não passam de sonâmbulas, pessoas tristemente normais, entregam-se ao rito da paquera e do comércio do sexo, sabendo-se que a prostituição é a mais antiga das profissões.

A teoria da realidade líquida nos diz que, nas cidades vertiginosas, de instante a instante, novos personagens configuram diferenciados dramas existenciais, na retratação do vazio de criaturas que buscam no sexo casual o preenchimento da náusea de existir para nada. Sublimação do machismo, por parte de paqueradores inveterados, indo de encontro à abundante oferta da profissão inerente à condição humana, eis o universo do animal humano, retratado pelo autor. No conto “O jogo do bingo”, o Zé observa que todos querem ser caridosos, quando pensam que seu ato filantrópico pode lhes trazer algum proveito. No conto “Meu Natal”, entristece-o ver crianças de rua, famintas e mulambentas, disputando alimento no lixo, com cães sarnentos.

Um homem doente mede as paredes de seu quarto, a solteirona vê a vida e a beleza esvaírem-se, na passagem do tempo; o homem de negócios às volta com o fracasso financeiro, com o olhar voltado para as pernas que passam: pra que tanta perna, meu Deus, se ele está quebrado. São flashes do olhar compadecido aos solitários vampiros da noite, a contar com a cumplicidade necessária das suas vítimas - revelam a evasão e fuga da realidade, a pressa e o medo do ser humano, anônimo e aflito, em meio à multidão. Serão retratos contundentes e amargos do ócio da cidade? Ou são sinais sombrios da época dos tristes, de um tempo de desesperados e aloprados, como estes que vivemos agora? a mais antiga das profissue a prostituiçda paquera e do comsca neurte, Almeida Fischer.



Almada Negreiros - Poema


ODE A FERNANDO PESSOA



Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal

tu foste de verdade a voz de Portugal

e não foste tu!

Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.

De verdade e de feito só não foste tu.

A Portugal, a voz vem-lhe sempre

depois da idade

e tu quiseste aceitar-lhe a voz com a idade

e aqui erraste tu,

não a tua voz de Portugal

não a idade que já era hoje.

Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz

de Portugal

o teu sonho de ti

o teu sonho dos portugueses

só sonhado por ti.

Tu sonhaste a continuação do sonho português

somados todos os séculos de Portugal

somados todos os vários sonhos portugueses

tu sonhaste a decifração final

do sonho de Portugal

e a vida que desperta depois do sonho

a vida que o sonho predisse.

Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal

tu foste de verdade a voz de Portugal

e não foste tu!

Tu ficaste para depois

e Portugal também.

Tu levaste empunhada no teu sonho

a bandeira de Portugal

vertical

sem perder pra nenhum lado

o que não é dado aos portugueses.

Ninguém viu em ti, Fernando,

senão a pessoa que leva uma bandeira

e sem a justificação de ter havido festa.

Nesta nossa querida terra onde ninguém

a ninguém admira

e todos a determinados idolatram.

Foi substituído Portugal pelo nacionalismo

que é a maneira de acabar com os partidos

e de ficar talvez partido de Portugal!

mas não ainda talvez Portugal!

Portugal fica para depois

e os portugueses também

como tu.



In.Jayrus

Imagem retirada da Internet: by Almada Negreiros

Almada Negreiros - Poema


A SOMBRA SOU EU



A minha sombra sou eu,

ela não me segue,

eu estou na minha sombra

e não vou em mim.

Sombra de mim que recebo luz,

sombra atrelada ao que eu nasci,

distância imutável de minha sombra a mim,

toco-me e não me atinjo,

só sei dó que seria

se de minha sombra chegasse a mim.

Passa-se tudo em seguir-me

e finjo que sou eu que sigo,

finjo que sou eu que vou

e que não me persigo.

Faço por confundir a minha sombra comigo:

estou sempre às portas da vida,

sempre lá, sempre às portas de mim!


In.Jayrus

Imagem retirada da Internet: Almada Negrieros


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