Farewell - Pablo Neruda




Pablo Neruda






Farewel


Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron tus palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

Amo el amor de los marineros
que besan y se van.

Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

(Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.)

Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. ¿Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.



In.Neruda - Antologia Poética. 17ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999,p.37-40.

Imagem: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/Pablo_Neruda_(1966).jpg

The bird - Poema



Francisco Perna Filho





The bird

Sees the city.

Slowly / deadly

dives.

The bird

is of metal

and only notices its own flight,

disregarding the colors

and dreams it carries.

The bird sees

but doesn´t listen.

The city listens

but doesn´t see.

Life copies art:

the bird burns up

in flames,

the city

cries

debris.”



( versão de Ricardo Kazuo )

Imagem:http://blogdaebi.files.wordpress.com/2009/06/paz_72354730.jpg

Ferreira Gullar - 79 anos - Parabéns!





Ferreira Gullar













Traduzir-se




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?




De Na Vertigem do Dia (1975-1980) - Jornal de Poesia -http://www.revista.agulha.nom.br/gula.html#traduzir

Imagem: http://h2.vibeflog.com/2007/04/29/12/16853696.jpg

Poema Sujo - Ferreira Gullar - Continuação








Poema Sujo







(...)



Não sei de que tecido é feita minha carne e essa vertigem
que me arrasta por avenidas e vaginas entre cheiros de gás
e mijo a me consumir como um facho-corpo sem chama,
ou dentro de um ônibus
ou no bojo de um Boeing 707 acima do Atlântico
acima do arco-íris
perfeitamente fora
do rigor cronológico
sonhando
Garfos enferrujados facas cegas cadeiras furadas mesas gastas
balcões de quitanda pedras da Rua da Alegria beirais de casas
cobertos de limo muros de musgos palavras ditas à mesa do
jantar,
voais comigo
sobre continentes e mares

E também rastejais comigo
pelos túneis das noites clandestinas
sob o céu constelado do país
entre fulgor e lepra
debaixo de lençóis de lama e de terror
vos esgueirais comigo, mesas velhas,
armários obsoletos gavetas perfumadas de passado,
dobrais comigo as esquinas do susto
e esperais esperais
que o dia venha

E depois de tanto
que importa um nome?
Te cubro de flor, menina, e te dou todos os nomes do mundo:
te chamo aurora
te chamo água
te descubro nas pedras coloridas nas artistas de cinema
nas aparições do sonho

- E esta mulher a tossir dentro de casa!
Como se não bastasse o pouco dinheiro, a lâmpada fraca,
O perfume ordinário, o amor escasso, as goteiras no inverno.
E as formigas brotando aos milhões negras como golfadas de
dentro da parede (como se aquilo fosse a essência da casa)
E todos buscavam

num sorriso num gesto
nas conversas da esquina
no coito em pé na calçada escura do Quartel
no adultério
no roubo
a decifração do enigma

- Que faço entre coisas?
- De que me defendo?

Num cofo de quintal na terra preta cresciam plantas e rosas
(como pode o perfume
nascer assim?)
Da lama à beira das calçadas, da água dos esgotos cresciam
pés de tomate
Nos beirais das casas sobre as telhas cresciam capins
mais verdes que a esperança
(ou o fogo
de teus olhos)

Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade
sob as sombras da guerra:
a gestapo a wehrmacht a raf a feb a blitzkrieg
catalinas torpedeamentos a quinta-coulna os fascistas os nazistas os
comunistas o repórter Esso a discussão na quitanda a querosene o
sabão de andiroba o mercado negro o racionamento oblackout as
montanhas de metais velhos o italiano assassinado na Praça João
Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando nas noites de
tempestade por cima da nossa casa. Stalingrado resiste.
Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava
rifa, pelo tio que roubava estanho à Estrada de Ferro, por seu Neco
que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que tomava
tiquira com mel de abelha e trepava com a janela aberta,
pelo meu carneiro manso
por minha cidade azul
pelo Brasil salve salve,
Stalingrado resiste.
A cada nova manhã
nas janelas nas esquinas nas manchetes dos jornais

Mas a poesia não existia ainda.
Plantas. Bichos, Cheiros. Roupas.
Olhos. Braços. Seios. Bocas.
Vidraça verde, jasmim.
Bicicleta no domingo.
Papagaios de papel.
Retreta na praça.
Luto.
Homem morto no mercado
sangue humano nos legumes.
Mundo sem voz, coisa opaca.
Nem Bilac nem Raimundo. Tuba de alto clangor, lira singela?
Nem tuba nem lira grega. Soube depois: fala humana, voz de
gente, barulho escuro do corpo, intercortado de relâmpagos

Do corpo. Mas que é o corpo?
Meu corpo feito de carne e de osso.
Esse osso que não vejo, maxilares, costelas
flexível armação que me sustenta no espaço
que não me deixa desabar como um saco
vazio
que guarda as vísceras todas
funcionando
como retortas e tubos
fazendo o sangue que faz a carne e o pensamento
e as palavras
e as mentiras
e os carinhos mais doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir uma galáxia
de leite
no centro de tuas coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiros de umbigo e de vagina
graves cheiros indecifráveis
como símbolos
do corpo
do teu corpo do meu corpo
corpo
que pode um sabre rasgar
um caco de vidro
uma navalha
meu corpo cheio de sangue
que o irriga como a um continente
ou um jardim
circulando por meus braços
por meus dedos
enquanto discuto caminho
lembro relembro
meu sangue feito de gases que aspiro
dos céus da cidade estrangeira
com a ajuda dos plátanos
e que pode - por um descuido - esvair-se por meu
pulso
aberto

Meu corpo
que deitado na cama vejo
como um objeto no espaço
que mede 1,70m
e que sou eu: essa coisa deitada
barriga pernas e pés
com cinco dedos cada um (por que
não seis?)
joelhos e tornozelos
para mover-se
sentar-se
levantar-se

meu corpo de 1,70m que é meu tamanho no mundo
meu corpo feito de água
e cinza
que me faz olhar Andrômeda, Sírius, Mercúrio
e me sentir misturado
a toda essa massa de hidrogênio e hélio
que se desintegra e reintegra
sem se saber pra quê

Corpo meu corpo corpo
que tem um nariz assim uma boca
dois olhos
e um certo jeito de sorrir
de falar
que minha mãe identifica como sendo de seu filho
que meu filho identifica
como sendo de seu pai

corpo que se pára de funcionar provoca
um grave acontecimento na família:
sem ele não há José Ribamar Ferreira
não há Ferreira Gullar
e muitas pequenas coisas acontecidas no planeta
estarão esquecidas para sempre

corpo-facho corpo-fátuocorpo-fato

atravessados de cheiros de galinheiros e rato
na quitanda ninho
de rato
cocô de gato
sal azinhavre sapato
brilhantina anel barato
língua no cu na boceta cavalo-de-crista chato
nos pentelhos
com meu corpo-falo
insondável incompreendido
meu cão doméstico meu dono
cheio de flor e de sono
meu corpo-galáxia aberto a tudo cheio
de tudo como um monturo
de trapos sujos latas velhas colchões usados sinfonias
sambas e frevos azuis
de Fra Angelico verdes
de Cézanne
matéria-sonho de Volpi
Mas sobretudo meu
corpo
nordestino
Mais que isso
maranhense
mais que isso
sanluisense
mais que isso
ferreirense
newtoniense
alzirense
meu corpo nascido numa porta-e-janela da Rua dos Prazeres
ao lado de uma padaria sob o signo de Virgo
sob as balas do 24º BC
na revolução de 30

e que desde então segue pulsando como um relógio
num tic tac que não se ouve
(senão quando se cola o ouvido à altura do meu coração)
tic tac tic tac
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,

combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino



In.Poema Sujo.Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

Poema Sujo - Ferreira Gullar

Esta semana, o Banzeiro presta uma homenagem a Ferreira Gullar, nascido com o nome de José de Ribamar Ferreira, em São Luís do Maranhão, no dia 10 de setembro de 1930. Um dos nossos maiores poetas, Ferreira Gullar, neste 10 de setembro, portanto, depois de amanhã, completará 79 anos.





Poema Sujo





turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu

não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti

bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas
acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e
risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta

Que importa um nome a esta hora do anoitecer em São Luís
do Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de febre entre irmãos
e pais dentro de um enigma?
mas que importa um nome
debaixo deste teto de telhas encardidas vigas à mostra entre
cadeiras e mesa entre uma cristaleira e um armário diante de
garfos e facas e pratos de louças que se quebraram já

um prato de louça ordinária não dura tanto
e as facas se perdem e os garfos
se perdem pela vida caem
pelas falhas do assoalho e vão conviver com ratos
e baratas ou enferrujam no quintal esquecidos entre os pés de erva-cidreira

e as grossas orelhas de hortelã
quanta coisa se perde
nesta vida
Como se perdeu o que eles falavam ali
mastigando
misturando feijão com farinha e nacos de carne assada
e diziam coisas tão reais como a toalha bordada
ou a tosse da tia no quarto
e o clarão do sol morrendo na platibanda em frente à nossa
janela
tão reais que
se apagaram para sempre
Ou não?

(...)

In.Poema Sujo. Ferreira Gular. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976

Crônica - Lúcio Alves de Lima


Lúcio Alves de Lima é tradutor de O tambor, de Gunter Grass, Prêmio Nobel de Literatura de 1999 - lal. palmas@uol.com.br









Vida autêntica


Escrever é difícil. Escrever bem é mais difícil ainda. Escrever bem e comunicar algo original é raro. Acontece uma ou outra vez. Era o que dizia o colunista de um jornal da cidade de Porto, Portugal, na década de 70. Ele citava Hemingway e Fitzgerald, dois notáveis escritores americanos, para ilustrar a boa arte de redigir. Clareza e simplicidade eram, segundo ele, os principais atributos, para quem queira se exprimir com propriedade... e ser lido com prazer, que é o propósito final de quem se dedica a uma tarefa dessas. Concluía dizendo que a boa arte é uma manifestação de autenticidade da vida.

Mas seu artigo na verdade era sobre Portugal - naqueles tempos, vivendo manifestações transbordantes de clareza, simplicidade e alegria. Não tinha nada a ver – na verdade parecia outro país – com aquele que conheci em 1974, antes da Revolução dos Cravos, que libertou o país do totalitarismo salazarista, quando passei por Lisboa, a caminho de Paris. Nessa época Portugal era um país triste, soturno, sob um regime ansilosado, que enregelara o ânimo de seu povo. A revolução ocorreu em abril de 1975 e agora, em 1978, depois de viver quatro anos na Alemanha e Inglaterra, eu estava retido em Lisboa, com o passaporte vencido, querendo voltar para o Brasil. Mas também adorando a experiência de contato com a nova realidade.

Tudo era alegria. Fundaram jornais e revistas por todos os lados. Lisboa pululava de livrarias, bares, teatros, cinemas, academias de danças e pinturas, galerias de arte. Havia uma explosão demográfica de pintores, escritores, músicos e poetas. Painéis coloridos mudavam o desenho das cidades. Todo mundo em Portugal, nesses dias, era artista. Todo mundo queria expressar a vida pública franca e aberta – democrática – que se instalara no país, vale dizer, todo mundo queria expressar sua clareza e simplicidade.

De minha parte – que sofro de agorafobia e outros sintomas fóbicos – tratei logo de arrumar uma namorada e fui morar em Castelo Branco, quase na fronteira da Espanha; e era tão bom viver lá que o hotel em que passei a residir se chamava Hotel dos Suspiros... e ficava na Rua dos Prazeres! E de minha ampla janela vislumbrava as ruínas do castelo branco medieval, sobranceiro à cidade de pedra e calor humano!

Conheci o poeta Nuno Júdice e me tornei amigo do pintor Ruy Monteiro que, como eu, morava em Castelo Branco; reaprendi a vida simples, honesta e clara dum povo autêntico. A infância já não parecia um território tão distante. Mas era sem dúvida bem diferente daquele que temia encontrar de volta no Brasil (e acabei encontrando). Aqui reina – sempre reinou - o território da malícia, da esperteza e da cabotinagem. Dêem uma olhada (lugar-comum) no perfil de nossos políticos.

Não vou falar do dia-a-dia de nossas práticas políticas. Não. Estão escancaradas nos veículos da mídia séria e informativa. Bons profissionais, de forma clara e concisa, têm acompanhado e retratado com melhor propriedade o dia-a-dia de nossos homens públicos. Desse retrato cruel, emerge um reflexo de cinismo, que parece matéria constitutiva de nossa personalidade. Este é meu tema.

Como tudo isso nos remete à nossa origem, resolvi falar de um Portugal que vi amadurecer - voltei há um ano e meio, continua porreta – e, como parece sempre estar lidando com a poesia, quero homenagear, com algo meio camoniano a propósito de seu povo: “Portugal é a vitória da inteligência e a festa dos sentidos na ilha dos amores” – ao contrário de nós, brasileiros, a quem falta a circulação da luz, da clareza e da simplicidade.


Imagem: http://www.afugadocaracol.com/wp-content/uploads/2009/06/camoes.jpg

O Demônio da Mentira





Por Francisco Perna Filho









O Diabo é o Pai da mentira (João-8:44), e os seus seguidores são muitos, basta olharmos este país, nunca se mentiu tanto como agora. Mentiras de todos os tamanhos, para todos os gostos: palacianas, religiosas, cinematográficas, esportivas; verdadeiras ladainhas. E aí vem a pergunta: Se Deus de fato é brasileiro, andava meio distraído? fez-se de desentendido,por acreditar na redenção dos homens, mas vendo que tudo isso era impossível, resolveu deixá-los à própria sorte? Talvez! O fato é que mentira tem pernas curtas e, agora, não é de assustar tanta gente posando de saci, como diz um amigo meu: no xilindró.

Quem diria, até juiz de futebol mente, e mente raivosamente, mostrando o que ele tem de mais sagrado: a sua autoridade em campo, sem ficar, sequer, amarelo, vermelho; por isso é que o Zé Simão bradou: o povo sempre teve razão ao chamar o Juiz de Ladrão. Por estas e outras é que existe detector de mentira, uma máquina que, apesar da delação premiada, recurso recorrente, hoje, nos tribunais, continua revelando qual é onda mental dessa gente.

Mentir todo mundo mente. Mas, descaradamente, com temos visto, ultimamente, é assustador. E olhe que isto não é exclusividade do povo tupiniquim. Ela (a mentira) está presente em quase todos os lugares, para não dizer em todos, pois, onde há humano, há mentira, e como há humano, gente!. O problema não é mentir, é como se mente. Bem que uma mentirinha, por brincadeira, não faz mal a ninguém. Agora, mentir para maltratar, para se dar bem na vida, para não perder o posto, conquistado mentindo; mentir para destruir o próximo. Isto é inadmissível, inaceitável, abominável.


Deixassem os homens para mentir somente no 1º de Abril, as coisas não seriam tão feias. A propósito, neste dia, há muitos séculos, é que se iniciava o ano, só mais tarde, em 1564, é que Carlos IX, rei da França, por uma ordonnance de Roussillon, Dauphine, determinou que o ano começasse no dia primeiro de janeiro. Origens à parte, a mentira vem ganhando corpo, mente e alma. Alastrou-se pelo sertão, pelo litoral, pelos bancos e, quase nada se salvou, até as cuecas deram o tom da mentira, comportaram notas, de vestimenta a recipiente. Para quem não sabe, cueca vem de culus, do latim, que quer dizer: ânus - daí a merda que fez.

A mentira sempre foi tema para muitos pensadores, literatos, prosadores. Marcel Proust dizia: a mentira é essencial à humanidade. Nela desempenha porventura um papel tão importante como a procura do prazer, e de resto é comandada por essa mesma procura.* Anatole France, assim se manifestou: Gosto da verdade. Acredito que a humanidade precisa dela; mas precisa ainda mais da mentira que a lisonjeia, a consola, lhe dá esperanças infinitas. Sem a mentira, a humanidade pereceria de desespero e de tédio.* Já Francis Bacon, assim a ela se referiu: Não sei como dizê-lo, mas a verdade é uma luz nua e crua que não mostra as máscaras, as cegadas e os cortejos do mundo com metade da altivez e da graciosidade com que aparecem iluminados pelos candelabros. A verdade pode, talvez, atingir o preço da pérola que mais brilha durante o dia, mas não alcança o preço do diamante ou do carbúnculo que tanto mais brilham quanto mais variadas forem as luzes. Com a mistura da mentira mais se acresce o prazer.*

Pelo pouco citado, podemos perceber que este é um tema apaixonante, diz respeito a todos nós. Mentimos quando negamos a nós mesmos, à nossa identidade, às nossas origens, aos nossos gostos massacrados pela imposição dos meios de comunicação. Mentimos quando não enxergamos com os nossos olhos, quando somos preconceituosos. Mentimos para não ser rejeitados, para não “passar batido”, para não ser alijado. Mentimos quando votamos pelos nossos interesses, quando julgamos para ser bonzinhos, quando concordamos com tudo. Mentimos porque somos humanos e não falamos a verdade. Por que mentimos?



*- Anatole France, in 'A Vida em Flor'.
* - Marcel Proust, in 'A Fugitiva'.
* - Francis Bacon, in 'Ensaios - Da Verdade'.

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