Luiz de Miranda - Poema






Lá estão os trens





Lá estão os trens,
sob o calor da ausência,
num isolamento de ferro.
Eles carregam a dor,
a indagação dos caminhos,
a tristeza, a alegria,
o espelho vivo das memórias.
Viajamos todos
num vagão de carga.
Lá vão os trens
em sua estrada interminável.


Imagem retirada da Internet: railroad train

Francisca Júlia - Poema

Pôr do sol - Palmas-TO - by Francisco Perna Filho











Angelus 


Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Angelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

In. Esphinges.


Valdivino Braz - Poema - PALMAS 24 ANOS

Palmas: Praia do Prata - foto by Francisco Perna Filho




PEDRA SOBRE PEDRA
(Palmas para o Tocantins)

— A essência do poema “Palmas”, de Francisco Perna Filho, pauta-me o tema,
e aqui homenageio o autor e o povo tocantinense —




I

Palmas
para o Tocantins,
com poemas afins,
que lhe cantam os encantos,
sim, a par com os desencantos,
e choram-lhe o pranto;
celebram-lhe, outrossim,
a obra que se levanta:
Palmas que se anima,
se alavanca, arquitetônica,
centro diretivo e econômico.

Poesia da terra e dos rios,  
Araguaia, Tocantins,
afluentes rios do Sono e das Balsas,
Paranã e outras fontes fluentes,
veios, vertentes que se alargam, 
para que nadem os peixes,
naveguem os barcos,
a terra se abasteça,
germine a semente,
e o homem se alimente.

Dos barcos as marcas do tempo,
do tempo os ventos históricos;
do Estado que se implanta,
o rosto de Palmas, enfim,
que se contempla.

Encanta-se
com os seus encantos,
sim, também reporta-lhe
das almas o sofrimento,
realça-lhe denúncia e esperança,
“a poesia em movimento”
com a pena de Chico Perna.

Quebra-lhe, poeta,
a golpes de vocábulos,
esse quebranto, malefício,
mau-olhado, olho-gordo;
a cargo, de sobrecarga,
o que aprontam e se apropriam
 os inimigos públicos.

Enxáguem-se as mágoas,
enxuguem-se as lágrimas,
o pranto, o lamento,
 o travo amargo,
de maligno o que engasga,
de turvo o que não se lava.

Onde mora a felicidade,
 senão na própria e feliz cidade?
Quimera o mero jogo de palavras,
 lavre-se da pedra a veracidade.

Ver a cidade...
Ah, poder dizer, um dia:
Venham, venham ver
a cidade que se  quer,
como sempre se quis,
florida de vida e alegria.
Ela toda, bem entendido,
o povo todo, feliz.

Utopia o dia sem valia,
que se vai,
sonho de vida,
que se desfaz.
Querer é o verbo;
realizar, o verbo auxiliar.
Anda, vai e faz.
Querer e poder
 não é só querer o Poder.
É distribuir
o direito e a justiça
de se viver
 com dignidade.
Humanidade,
a lei com que se rege
toda cidade que se preze.

II

Palmas
para o Tocantins,
poema que se apruma,
colunas de força humana.
Promana-lhe mão-de-obra,
pedra sobre pedra,
cerce aos alicerces,
se agrega e se ergue,
sólida se consolida.
Projeto em que se traça
promessa de metrópole.

A 18 de março de 1809,
 o marco da comarca,
o Dia da Autonomia.
Passaram-se os pássaros,
cerca de quase dois séculos
— 180 anos exatos —
para tomar-se posse
de foro próprio.
Nasce o Tocantins em 1988,
instala-se o Estado em 1989,
Palmas se planta
a 20 de maio de 1990,
e se avulta, se agiganta.
Ainda moça, 24 anos, bonita.
Alma se-lhe move a graça,
alto se-lhe alça 
a verve do espírito.

III
.
Palmas!
Vigésimo quarto aniversário.
Farfalham cadernos de poemas,
 folhas de palma se espalmam,
batem palmas os ventos
alvissareiros.

São os ares do bioma natural,
chão de serras e cerrados,
florestas e veredas,
campos e savanas,
 flora e fauna do Estado.
Terra de sol e quedas-d´água.
Treliça, argamassa, amálgama.
Rosa-dos-ventos e eventos.
(P)alma radial,
o coração em que lhe pulsa
a Capital.

Pedra sobre pedra,
fundamentalmente.
Palmas,
seara e semente
do povo tocantinense.
Ouripétalas de sua gente,
o futuro aí floresce.
Os girassóis na praça,
o sol no horizonte.

*

____
Valdivino Braz, jornalista e escritor, participou, como secretário de mesa, do Plebiscito Pró-criação do Estado do Tocantins, em 1988, com a presença do então governador de Goiás, Henrique Santillo, além de lideranças políticas e de populares favoráveis ao movimento autonomista. Lotado, na ocasião, na Secretaria de Comunicação (Secom) do governo estadual, Braz integrou a equipe de reportagem que se deslocou para a região Norte (hoje Tocantins) e foi ali convocado como mesário daquela audiência pública, que obteve votação vitoriosa em prol do novo Estado.


Florisvaldo Matos - Poema

















Duração do aroma



Não morrem no campo as flores.
Pacíficas continuam
arquiteturas de angústia
dissolvendo-se no chão
amoroso das searas.
Como nuvens distraídas
ficam no solto. Ali somente,
um sofrimento que vem,
uma esperança que vai
da boca dos
camponeses
ao chão que abriga silêncio.
Não é pranto nem flor, É vinho.
De amarelo outono e lábios
pranto vinho e flores ficam
incrustados no alimento,

De sangue batendo aos pingos
na superfície das horas
vai seu perfume durando
nas colheitas. Sobrevive
no suor dos músculos tão
sofridos de cicatrizes,
como um hálito de cinza
prenhe de soluço verde.
Prossegue na dor, reunida
à ferrugem dos arados,
a melancolia de olhos,
de pele sacrificada
e ternura corrompida,
de arames e privações.


Que venha o vento brandindo
foices de lua no campo
e corte cercas corte o rio
e das chuvas no caminho
corte horizontes de linho.
Entre abelhas e madeiras,
no coração das florestas
corte as flores e o vizinho
aroma das madrugadas.
Corte pranto dos vaqueiros,
corte rastro dos cavalos
e de quem sofre sozinho
corte voz molhada e fria.
Que venha vento soprando
ferraduras de amargura,
decepe haste das flores
com o alfange da agonia.
Fria lâmina de sombra
inevitável traspasse
o dorso branco do dia.
E o que fica suado na terra
não é pranto nem flor. É vinho.

Sobrevivência do aroma
no lamento desses rostos,
dessas chuvas no caminho,
não morrem no campo as flores:
perduram constituídas
de soluços como o vinho.

In. Poesia Reunida. São Paulo: Escrituras, 2011, p.56-57.
Imagem retirada da Internet: fleurs du champs

Robert Creeley - Poema



A FLOR


Penso que cultivo tensões
como flores
num bosque onde
ninguém vai.

Cada ferida - perfeita -,
fecha-se numa minúscula
imperceptível pétala,
causando dor.

Dor é uma flor como aquela,
como esta,
como aquela,
como esta.

Tradução de Régis Bonvicino

In. A UM - Poemas. São Caetano do Sul: Ateliê Editorial, 1997,p.27.
Imagem retirada da Internet: flower

Pedro Tierra - Poema

     Foto by Francisco Perna Filho: Paulinho Pataxó,
 Porto Seguro-Brasil/2006















AGONIA



Morro a morte
mais longa,
a espantosa morte
de um continente.

Morro há séculos
no corpo dos povos
                                exterminados.

O coração lavrado
pelo fogo
                                dos bandeirantes,
                                bugreiros,
                                caçadores de escravos.

Sou a boca aberta de milhões,
grito de homens sem armas,
ferida sangrando
na carne da História.

Dentes cerrados,
afio a flecha
a fogo e fúria.

Retorno à terra
- alma de meu povo -,

                                  sem paz,
Com as armas do meu uso
defendo sua memória
                                   enterrada.

Retorno à terra
e convoco os ossos
dos guerreiros degolados
                                     EMANCIPADOS
                                     pelo fogo do Arcabuz!

Retorno ao coração da Terra
e dele retiro minhas armas,
o braço,
               a borduna,
                                o canto dos mortos.

Levanto-me,
a corda dos arcos
retesada,
o corpo das lanças
refundido,
sem descanso avançam
os portadores do fogo.


                                                                     1978

(Este poema dedicado aos povos indígenas do Continente foi escrito durante
a Campanha contra a falsa EMANCIPAÇÃO dos Povos Indígenas do Brasil).

In. Inventar o fogo. Goiânia:(não consta o nome da editora)1985, p.54-55.

Francisco Perna Filho - crônica


Ponte
Ponte Fernando Henrique Cardoso - Palmas - Foto by Fernanda Alves

O bonito disso tudo, é tudo isso




Para Lúcio Alves (in memorian)



Sempre gostei de cidades: de seus becos, de suas esquinas, suas praças, da confluência de suas ruas, do barulho dos seus carros, da algaravia das vozes nas feiras. Sempre gostei das luzes, dos bares, teatros, cinemas, dos sons e cheiros urbanos. Das histórias, causos e lendas, da paisagem noturna com seus bêbedos e prostitutas. Sempre gostei dos loucos, dos literatos, dos mentirosos, da correria dos seus transeuntes. Cada um traz uma cidade ilusória, caleidoscópica, formada na junção de suas experiências, de cada passagem, de cada moradia. Traz consigo um montão de lembranças, signos, sonhos não realizados, matéria com a qual vai edificando seus abrigos.

Vivi em algumas delas: Miracema, minha terra natal, São Luís do Maranhão, Brasília e Goiânia; viajei por tantas outras, e, de cada uma, sorvi um pouco das ruas, semáforos, paredes, casarões, pontos de ônibus, igrejas, cemitérios, favelas, lembranças com as quais venho compondo a minha nova cidade, Palmas, nos meus cinco anos aqui, onde cumpro os meus dias, conheço pessoas, divido minhas experiências e crio os meus filhos. Palmas ainda engatinha, tem os seus encantos, mas também a sua feiura, seus guetos, sua pobreza, suas quadras e praças abandonadas, suas praias mal cuidadas e a arrogância de um trânsito que tem ceifado muitas vidas. Apesar disso, abriga gente de todos os lugares, povos de terras longínquas, um quê de Cosmópolis. Aqui vivo, nesta ampla cidade, com suas esquinas e becos ilusórios, mas de gente real, que vive, trabalha, ama, briga, canta, dança e pinta o sete.

Palmas não é preconceituosa, é acolhedora, aqui todos os credos e raças vivem em harmonia, passeiam destemidamente. Aqui o céu é pródigo, o ar limpo, o verde encanta, nas ruas, parques e, claro, na serra, um belo cinturão verde, que parece nos olhar de cima, nos proteger. Do outro lado, o lago, suas praias, seus encantos, seus barcos e um sol que brota tão cedo e morre em encantamento.

Nesta linda planície estão muitas outras cidades, fundidas em uma só, ficcionais ou não, eu as trago para cá e, com elas, componho a minha Palmas imaginária na contemplação da real, Comala, Macondo, a velha Paris e São Petersburgo. Por aqui passeiam Juan Rulfo, Gabriel Garcia Márquez, Dostoievski, Machado de Assis, Baudelaire, Rimbaud, Gregório de Matos Guerra e tantos outros. 

Palmas tem seus encantos e suas curiosidades, uma gastronomia de encher a boca, sabores nortistas, nordestinos, sulistas. Aqui, pelas minhas contas, proporcionalmente é a cidade que mais abriga canhotos, isto mesmo, desde que aqui chegamos, eu e minha esposa temos feito tal observação: talvez porque também sejamos canhotos, incluindo o meu filho. 

Mas o que me encanta mesmo, de verdade, é a sua gente, a mistura desse povo que aqui vive, acolhido pela força de uma cultura secular, a nossa cultura tocantinense, com seus cantos, seus ritos, suas tradições. O bonito disso tudo é o olhar dessa gente, que acorda cedo, que luta, trabalha e se diverte. O que me encanta em Palmas é a esperança dessas pessoas que, apesar de tantas mazelas, insistem em construir um dos lugares mais agradáveis para se viver. Para falar a verdade, o bonito disso tudo, é tudo isso.

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