Marcos Caiado - Poema




Agonizante



deus está morto
num barraco do morro
deus morreu torto
rindo da cara do povo.

assim como eu,
não tinha o corpo fechado
deus morreu aqui do lado
aonde o asfalto não chega
deus era mulher
e tinha a pele negra.

deus está ferido
numa travessa da lapa
vestido de azul e branco
vinha da grande passeata
Imposto pago, carnê em dia
seguia rindo pela faixa
quando foi atingido(quem é o inimigo?!)
por um projétil de borracha;

agonizante,
caído no chão,
deus foi obrigado
a abaixar os olhos
e pedir perdão.


Imagem retirada da Internet: projétil

Luís Augusto Cassas - Poema




COVARDIA




Eu vi a Policia Militar de São Paulo, fortemente armada, em carros blindados e a pé,
portando escudos, pesados cassetetes, sprays de pimenta, gás lacrimogêneo, e ódio,
muito ódio, investir contra os jovens estudantes - manifestantes da greve contra o aumento de passagens e melhora da qualidade de transportes coletivos, transeuntes,
pessoas que estavam nas redondezas e nos lugares, de todas as idades, credos, cores, que sofreram violentos espancamentos, humilhações, constrangimentos de ir e vir, pensando que por viverem em uma democracia, podiam protestar, reclamar direitos, insurgir-se contra o establishment- e vi, entristecido, como o poder da flor, nas mãos de uma jovem, continua frágil ante o poder das botas.

Sincronicamente, em minha temporada paulista, vi,a primeira vez na terça à noite, na Avenida Paulista vindo da Casa das Rosas no sentido Livraria Cultura: na segunda vez,
na quinta à noite, vindo de sessão-cinema do Shopping Frei Caneca, entrando na Maria Antônia via Augusta para atingir a Paulista, novamente, vi a Policia militar de São Paulo, reluzentemente armada, com contingente populacional superior trinta vezes superior aos manifestantes, transformar em praça de guerra, grandes regiões centrais da Pauliceia Desvairada, de Mário, com grande risco de morticínio, pela incompetência e omissão dos escalões mais altos do poder público de criarem canais apropriados para a pacificação e resolução dos conflitos que atingem não só aos estudantes mas a população.

E envergonhei- me mais uma vez ao perceber que continuamos ancestralmente frágeis, impondo, apesar de toda a experiencia e comícios íntimos, o discurso do poder contra o amor, da força contra a suavidade,da violência contra a paz.

E constatei, sentindo o efeito do gás lacrimogêneo da alma, que a melhor postura da esquerda, apesar de todas as evoluções e revoluções, ainda é o coração !

Imagem retirada da Internet: Batalhão de Choque

Valdivino Braz - Poema

Foto by Giacomo Capraro














Aprendizagem das mãos


Cedo fui levado por estranhos,
num cavalo que ainda assombra
as noites da minha infância.

Cedo comecei a apanhar do mundo,
e logo aprendi meus medos
às mãos humanas
que agridem.

Tarde aprendi as próprias mãos
como armas para o revide,
mas o pouco que bati, doeu-me,
e diminuiu-me.

Por isso, amansei minhas mãos,
e adestrei-as para os ofícios
mais nobres.

Fi-las ferramentas
no corpo da vida,

e soube-me operário
na oficina da palavra.


In. A Palavra por desígnio (1983).

Heleno Godoy - Poema

Family Album

























Álbum de Família



Esta menina com uma flor na mão
não sabe ainda, mas será minha mãe.
Aquele menino lá, de uniforme, será
um de meus muitos tios.
De um lado como do outro, não
faltarão parente: este meu avô
aqui, de bigode, ou esta avó magra,
que irá morar longe, num sanatório.
Numas outras fotos, estes outros
avós, que a sorte e a saúde muito
mais tempo mantiveram por perto.

De uma caixa de sapatos é que saem,
pois lá guardadas, todas essas fotos
velhas, algumas com rasgados, outras
amareladas, outras tantas desfocadas.

Não estão num álbum dispostas,
ordenadas e exibidas. Não. Aqui,
nessa caixa, muito mais que num
álbum organizado, encontro certas
as biografias que me fascinam,
as lembranças embaralhadas,
roupas às vezes em desalinho,
instantâneos preciso, muito
mais nítidos que fotos de estúdio
ou de festas fartas, de aniversários
ou casamentos, batizados, enterros.


In. A Ordenação dos Dias. Goiânia: Kelps/UCG, 2009, p.p.27-29.

Luiz de Miranda - Poema






Lá estão os trens





Lá estão os trens,
sob o calor da ausência,
num isolamento de ferro.
Eles carregam a dor,
a indagação dos caminhos,
a tristeza, a alegria,
o espelho vivo das memórias.
Viajamos todos
num vagão de carga.
Lá vão os trens
em sua estrada interminável.


Imagem retirada da Internet: railroad train

Francisca Júlia - Poema

Pôr do sol - Palmas-TO - by Francisco Perna Filho











Angelus 


Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Angelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

In. Esphinges.


Valdivino Braz - Poema - PALMAS 24 ANOS

Palmas: Praia do Prata - foto by Francisco Perna Filho




PEDRA SOBRE PEDRA
(Palmas para o Tocantins)

— A essência do poema “Palmas”, de Francisco Perna Filho, pauta-me o tema,
e aqui homenageio o autor e o povo tocantinense —




I

Palmas
para o Tocantins,
com poemas afins,
que lhe cantam os encantos,
sim, a par com os desencantos,
e choram-lhe o pranto;
celebram-lhe, outrossim,
a obra que se levanta:
Palmas que se anima,
se alavanca, arquitetônica,
centro diretivo e econômico.

Poesia da terra e dos rios,  
Araguaia, Tocantins,
afluentes rios do Sono e das Balsas,
Paranã e outras fontes fluentes,
veios, vertentes que se alargam, 
para que nadem os peixes,
naveguem os barcos,
a terra se abasteça,
germine a semente,
e o homem se alimente.

Dos barcos as marcas do tempo,
do tempo os ventos históricos;
do Estado que se implanta,
o rosto de Palmas, enfim,
que se contempla.

Encanta-se
com os seus encantos,
sim, também reporta-lhe
das almas o sofrimento,
realça-lhe denúncia e esperança,
“a poesia em movimento”
com a pena de Chico Perna.

Quebra-lhe, poeta,
a golpes de vocábulos,
esse quebranto, malefício,
mau-olhado, olho-gordo;
a cargo, de sobrecarga,
o que aprontam e se apropriam
 os inimigos públicos.

Enxáguem-se as mágoas,
enxuguem-se as lágrimas,
o pranto, o lamento,
 o travo amargo,
de maligno o que engasga,
de turvo o que não se lava.

Onde mora a felicidade,
 senão na própria e feliz cidade?
Quimera o mero jogo de palavras,
 lavre-se da pedra a veracidade.

Ver a cidade...
Ah, poder dizer, um dia:
Venham, venham ver
a cidade que se  quer,
como sempre se quis,
florida de vida e alegria.
Ela toda, bem entendido,
o povo todo, feliz.

Utopia o dia sem valia,
que se vai,
sonho de vida,
que se desfaz.
Querer é o verbo;
realizar, o verbo auxiliar.
Anda, vai e faz.
Querer e poder
 não é só querer o Poder.
É distribuir
o direito e a justiça
de se viver
 com dignidade.
Humanidade,
a lei com que se rege
toda cidade que se preze.

II

Palmas
para o Tocantins,
poema que se apruma,
colunas de força humana.
Promana-lhe mão-de-obra,
pedra sobre pedra,
cerce aos alicerces,
se agrega e se ergue,
sólida se consolida.
Projeto em que se traça
promessa de metrópole.

A 18 de março de 1809,
 o marco da comarca,
o Dia da Autonomia.
Passaram-se os pássaros,
cerca de quase dois séculos
— 180 anos exatos —
para tomar-se posse
de foro próprio.
Nasce o Tocantins em 1988,
instala-se o Estado em 1989,
Palmas se planta
a 20 de maio de 1990,
e se avulta, se agiganta.
Ainda moça, 24 anos, bonita.
Alma se-lhe move a graça,
alto se-lhe alça 
a verve do espírito.

III
.
Palmas!
Vigésimo quarto aniversário.
Farfalham cadernos de poemas,
 folhas de palma se espalmam,
batem palmas os ventos
alvissareiros.

São os ares do bioma natural,
chão de serras e cerrados,
florestas e veredas,
campos e savanas,
 flora e fauna do Estado.
Terra de sol e quedas-d´água.
Treliça, argamassa, amálgama.
Rosa-dos-ventos e eventos.
(P)alma radial,
o coração em que lhe pulsa
a Capital.

Pedra sobre pedra,
fundamentalmente.
Palmas,
seara e semente
do povo tocantinense.
Ouripétalas de sua gente,
o futuro aí floresce.
Os girassóis na praça,
o sol no horizonte.

*

____
Valdivino Braz, jornalista e escritor, participou, como secretário de mesa, do Plebiscito Pró-criação do Estado do Tocantins, em 1988, com a presença do então governador de Goiás, Henrique Santillo, além de lideranças políticas e de populares favoráveis ao movimento autonomista. Lotado, na ocasião, na Secretaria de Comunicação (Secom) do governo estadual, Braz integrou a equipe de reportagem que se deslocou para a região Norte (hoje Tocantins) e foi ali convocado como mesário daquela audiência pública, que obteve votação vitoriosa em prol do novo Estado.


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