Fernando Pessoa - Poema


Esqueço-me das horas transviadas...             
             I
Esqueço-me das horas transviadas…
O Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros…
Hóstia de assombro a alma, e toda estradas…
Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…
No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés
No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do Outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…

Fonte: Pessoa
Imagem retirada da Internet: Fortaleza do Outeiro - Bragança.

Jorge de Lima - Poema


 

Não a vaga palavra, corruptela
vã, corrompida folha degradada,
de raiz deformada, abaixo dela,
e de vermes, além, sobre a ramada;

mas, a que é a própria flor arrebatada
pela fúria dos ventos: mas aquela
cujo pólen procura a chama iriada,
- flor de fogo a queimar-se como vela;

mas aquela dos sopros afligida,
mas ardente, mas lava, mas inferno,
mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,

esta é que é a flor das flores mais ardida,
esta veio do início para o eterno,
para a árvore da vida que há em mim.


Invenção de Orfeu, X, 10. Apud. Alfredo Bosi

Olavo Bilac - Poema



Velhas árvores 


Olha estas velhas árvores, — mais belas,
Do que as árvores mais moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas . . .

O homem, a fera e o inseto à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E alegria das aves tagarelas . . .

Não choremos jamais a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória da alegria e da bondade
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!




Imagem retirada da Internet: velhas árvores


Antero de Quental -Poema



Mors-Amor

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a Morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

                            
Imagem retirada da Internet: corcel negro

Francisco Perna Filho - Poema



Ao longo desses anos,
     o que me disseram os homens



Apesar de seres tu,
não és, de certo, nenhum anjo,
alguém confiável,
pois bem sabes que a vida,
enrodilhada de homens esperançosos,
caminha a passos tardios e velozes,
inconcussamente para o adiante dos teus pés.

Bem sabes,
e de tanto saberes, é que te fazes compreensível,
já que as borboletas, no inverno, sempre vêm.
Arrastadas pela inocência do voo, transbordam
em fragilidades e, mesmo antes de alçarem o primeiro voo,
muitas delas ficam paralisadas na própria emoção
de serem insetos,
porquanto o céu, apesar de ser o limite,
tornar-se-á, sempre,
inatingível.

   (...)

In. As Mobílias da Tarde. Goiânia: Perna&Leite, 2006.
Imagem retirada da Internet: borboleta

Augusto dos Anjos - Poema



A máscara

Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.

No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.

Imagem retirada da Internet: máscara

Francisco Perna Filho - Poema (Inédito)


Insone


Os galos da insônia
emergem
feito kamikazes
disparando seus esporões
nas fendas da madrugada.

Bicam a escuridão,
lamentosos,
arrastam-se na noite,
lamacenta,
transtornada
em
    abismos
e sonhos.

São de puro aço,
olhos em abrasa,
crista altiva,
flores do nada.

Sementes de abismo,
nunca amanhecerão.

Imagem retirada da Internet: rinha

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