Odorico Tavares - Poema




VOLTA À CASA PATERNA

Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!

Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.

Imagem retirada da Internet: espelho

Bandeira Tribuzi - Poema




Imagem

Vista do mar, a cidade, 
subindo suas ladeiras, 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras: 
nimbada de claridade, 
ponteia velhos telhados 
com as torres das igrejas 
e altas copas de palmeiras.  
Seus dois rios, como braços 
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem 
flui a música do tempo, 
cresce o musgo dos telhados 
e a umidade das paredes 
escorre pelos sobrados 
o amargo sal dos invernos.  
Tudo é doce e até parece 
que vemos só o animado 
contorno de iluminura 
e não a realidade: 
vista do mar, a cidade 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras 
e em sua simplicidade 

esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.

Imagem retirada da Internet: São Luís do Maranhão

Octavio Paz - Poema


 
CREPÚSCULOS DE LA CIUDAD

A Rafael Vega Albela,
que aquí padeció

          I

Devora el sol restos ya inciertos;
el cielo roto, hendido, es una fosa;
la luz se atarda en la pared ruinosa;
polvo y salitre soplan sus desiertos.

Se yerguen más los fresnos, más despiertos,
y anochecen la plaza silenciosa,
tan a ciegas palpada y tan esposa
como herida de bordes siempre abiertos.

Calles en que la nada desemboca,
calles sin fin andadas, desvarío
sin fin del pensamiento desvelado.

Todo lo que me nombra o que me evoca
yace, ciudad, en ti, yace vacío,
en tu pecho de piedra sepultado.





Octavio Paz - Poema


AGUA NOCTURNA




La noche de ojos de caballo que tiemblan en la noche,
la noche de ojos de agua en el campo dormido,
está en tus ojos de caballo que tiembla,
está en tus ojos de agua secreta.

Ojos de agua de sombra,
ojos de agua de pozo,
ojos de agua de sueño.

El silencio y la soledad,
como dos pequeños animales a quienes guía la luna,
beben en esos ojos,
beben en esas aguas.

Si abres los ojos,
se abre la noche de puertas de musgo,
se abre el reino secreto del agua
que mana del centro de la noche.

Y si los cierras,
un río, una corriente dulce y silenciosa,
te inunda por dentro, avanza, te hace oscura:
la noche moja riberas en tu alma.

Murilo Mendes - Poema

 

A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO


Ofício no altar terrestre,
Roseiras dando-se as mãos,
Iluminações na usina.
O filho pródigo
Despertou as nuvens,
Levanta a saia das árvores,
Abraça o amigo e o inimigo.
Navios batendo palmas
O esperam na enseada.

Ordenam a sinfonia:
Nijinsky dançando no arco-íris
Reconcilia o céu e a terra.

Imagem retirada da Internet: Nijinsky

ARMILAVDA



Armilavda, ó doce Armilavda,
Lembras-te do tempo em que descobríamos o universo,
Em que ficávamos na varanda à espera da lua chegar,
Retendo a respiração diante do movimento das ondas?
Em que folheávamos grandes livros de gravuras,
Ou então nos debruçávamos sobre o mapa da terra.
Lembras-te quando te apontei um dia a Áustria,
A Índia com seus palácios e seus deuses,
A China da surpresa e das metamorfoses?

Armilavda,
Sei que te lembras do tempo
Em que íamos para o campo assistir à germinação da semente
(Corrias, solta a cabeleira ao vento,
Tuas pernas eram fortes e polidas
Como as da dançarina que eu vi no ginásio de dança,
E os laçarotes azuis do teu vestido
Se confundiam com as borboletas do mato).
Sei que te lembras do jogo de bilboquê no quarto ladrilhado,
Da noite em que surgiste de dominó para o baile de máscaras,
De nossas primas tocando piano a quatro mãos,
Das chuvas de pedra e do sinal de Deus na nuvem.
Que te lembras de tudo. Das nossas respirações em suspenso,
Das longas confidências no jardim de magnólias,
Do movimento das ondas, lá fora, despeteando a praia.
Sei que guardaste todas as imagens,
Que de vez em quando sobe-te às narinas o cheiro das magnólias
E que reconstituis o nosso tempo antigo.

Armilavda, Armilavda,
O tempo é o mesmo, germina nos campos a semente de outrora,
A lua chega esta noite entre nuvens e presságio,
As ondas lá fora despenteiam a praia.

Armilavda, Armilavda, o tempo é o mesmo:
As espadas dos tiranos retalham as partituras das sinfonias austríacas,
Nos palácios da Índia com seus deuses
Lutam tropas de párias e soldados nus,
Na china da surpresa e da metamorfose
Morrem crianças e velhos metralhados.
Consultáramos tantos mapas, lêramos tantos livros:
Mas não tínhamos lido a história de Abel e Caim.


In. As Metamorfoses.Rio de Janeiro: Record, 2002,p.53-54.
Imagem retirada da Internet: Murilo Mendes

Brasigóis Felício - Ensaio Crítico


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Angústia e aridez em Graciliano Ramos
                                                              
                                                               
Balzac, o grande romancista francês, que ambicionou, na criação de personagens, competir com o registro civil de seu país, afirmou que a humanidade sacrifica seus pensadores, para depois erigir-lhes estátuas. Parece ter sido este o caso do escritor brasileiro Graciliano Ramos. Mesmo após consagrar-se como um de nossos maiores romancistas, aplaudido por críticos do porte de Álvaro Lins, pela criação de obras imortais da literatura, como São Bernardo, Angústia e Vidas secas, continuou sendo ignorado por Alagoas, seu estado natal.

Em Maceió, onde residiu e foi diretor da Imprensa Oficial, não há nenhuma homenagem à sua pessoa, na forma de museu, casa onde tenha residido. Talvez leve seu nome algum remoto logradouro ou rua de periferia - ao contrário das expressivas homenagens a coronéis políticos de todos os tempos. Dizem os otimistas que o fato talvez seja reflexo da timidez e retraimento do autor, sempre a ocultar ou reprimir o fluxo das emoções, na secura de seu texto seco, despido de adiposidade ou da gordura dos adjetivos, reduzido quase a osso puro: Aludindo à estranha atmosfera de sonho ou delírio, presente nos romances São Bernardo, Angústia e Vidas Secas, Otto Maria Carpeaux assinala a presença, em sua ficção, de tentativas de autodestruição, ou de acabar com a memória: "Há nas minhas recordações estranhos hiatos", diz Luís da Silva, o pessimista personagem de Angústia: "Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente!Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento".

Há uma afinidade temática visível, entre os romances Vidas secas, de Graciliano Ramos, e  e Ratos e homens, de Stenbeck. Só que o cenário nordestinado é destituído de toda esperança de haver água. É um Mundo rios sem água, de estranhos nomes, como Doido, Barriga, Fubá - como quem vive ao Deus-dará.Quando no tempo não existem horas, só alucinações e sonhos nevoentos, estamos imersos na dimensão do devaneio, ausentes de nós mesmos - situação de vida ou de sobrevivência em que quase não vibra a luz da consciência. E nesta transformação da existência em sonho se comprazem os que dedicam-se a tentar fugir à realidade, correndo freneticamente, no afã de escapar da visão da sua sombra. Empreitada impossível, visto que a sombra segue o vivente por toda parte onde ele vá. Se o fim  é o destino inevitável de tudo o que vive, viver com sabedoria é estar consciente de todas as fases do "vão das coisas", escolhendo o caminho a seguir, não sendo levado como perau, na correnteza dos acontecimentos.

Precipícios não têm princípios - em face da miséria auto-sustentada não se sabe se há fim, nem quando se deu o início. O mundo de angústia e das vidas secas de Graciliano Ramos parece ser um espelho a refletir a desolação de deserto presente nos versos de Thomas Hardy:"Negra copa a noite avança, mas a morte não apavora quem passou tudo e espera sem esperança".

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