Hélverton Baiano - Conto

Zé Bufafais e sua Estrovengás



Como está na moda construir gasoduto para todo lado, Zé Bufafais inventou e disse aos outros que queria construir um pra ele também, para aproveitar a demasia dos seus constantes e insuportáveis pipocos intestinais, que já viraram pilhérias aos quatro cantos do seu ‘i’mundo.

No começo, ele cansara desse seu mister gasoentérico e procurou conserto nos médicos e mezinhas, parou de comer as sustanças do ‘vento’, como cebola, batata doce, repolho e feijão, mas de nada adiantou. Ficou famoso por isso mesmo, incorporou o apelido de Bufafais que a rua lhe deu e passou a ganhar dinheiro com apresentações em circos e teatros mambembes, onde era apresentado como ‘Zé Bufafais, o homem que peida demais’.

Para as apresentações usava de truques que aprendeu pelo instinto de cabeça de vento que tinha e ninguém tascava. Ele me pediu segredo, por isso não vou contar a ninguém, de como se dava a descarga flatulenta que comandava programadamente, mesmo porque esse predicado virou um dos seus ganha-pães.

Era astucioso e inventou uma máquina de armazenar seus gases, uma traquitana tão bem construída que causou euforia no bairro, dando perspectiva a muitos peidorreiros inveterados com a possibilidade de ganharem dinheiro. Zé Bufafais dizia que ele era 80% feito de ventosidades, pois tudo que comia virava peido, isto sem a anuência de lacto purga, do luftal, do gutalax, do óleo de rícino, da erva de bicho ou do Complexo 46 Almeida Prado. Tinha saúde pra dar e vender à pior hemorróida e, como gostava de dizer, “sem fastio”. Nunca precisou desses subterfúgios para alimentar o que denominou de “a máquina da flatulência”.

Com pouco, estava ele lá todo serelepe bolando um compressor, onde fez uma adaptação e conseguia, com os próprios gases e os de outras pessoas amigas que se prestaram à sua pesquisa, encher pneu de bicicleta e bolas de capotão dos meninos do bairro. Diversificou o negócio e começou a ganhar dinheiro também prestando esses serviços gaseificados.

Sua fama cresceu e apareceu com a recente crise do gás na Bolívia e os entreveros com a Venezuela, quando o jornal noticiou o invento de Zé Bufafais. Aí ele se entusiasmou, deu entrevista, falando que o governo podia investir na criação da Intestinogás, que geraria gás “suficiente e adequado”, como frisou, para suprir de energia usinas termoelétricas, automóveis e outros maquinários.

O país viveu uma grande agitação nesses dias, com a possibilidade de as pessoas se organizarem para vender peido engarrafado. Zé legou a tecnologia aos amigos e parentes mais chegados, com a intenção de espalhar mundo afora essa patente e fazer com que o povo ganhasse dinheiro com isso, investindo em pequenas fábricas armazenadoras de peido.

Muitos foram ao Banco do Povo pegar empréstimo; outros, mais afoitos, mandaram propostas para a Agência de Fomento e o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). Criaram uma cadeia de fornecedores de pum aos quais ensinavam as técnicas de armazenamento. Zé Bufafais saiu na frente e criou a Estrovengás, construiu vários gasodutos e uma cadeia de produtores integrados, que forneciam diariamente vários litros de peido engarrafado para tocar o empreendimento. Ganhou muito dinheiro, pagou os empréstimos e revolucionou o mundo da geração de energia.

Tagore Biram (In Memoriam) - Poema


PRÓLOGO 


Chegou a hora de incendiar as palavras
       e atiçar fogo na noite escura.
Ah, erga-se o facho das estrelas
       nesta noite de puro abril:
       quero a luz derramada
       sobre a chaga do meu peito
       e a sangria de minhas mãos à mostra.

E que não me venham dizer que não é tempo
       de falar de flores e que
       passou-se o tempo de falar de amores.
Eu, do meu lado, não me cansei ainda
       de amar com meu amor desesperado.
       (Mesmo não havendo intervalo
       no calendário de minhas dores).

Mesmo que me digam: “Não é tempo de falar de amores”,
       eu viro as costas e não me importo
       e abro as portas dos meus tumores.

Tudo que habita na retina do meu olhar
       são os passos largos do barco fundo
       no mar imenso do procurar.

Esta noite, sob o manto das estrelas,
        erguerei o incêndio das palavras!
        Venham todos assistir o grande espetáculo:
        não vês, na vidraça dos meus olhos,
        uma colméia de abelhas? Uma centelha
        desesperada, debulhando raios de luz?

Eis o prenúncio de um grande acontecimento.
        (Não haverá gozo nem sofrimento,
        mas a explosão da lucidez de um louco).

Venham todos! Vou incendiar o mundo
        com um só dos meus olhares.
        (Eu mesmo sou uma aldeia
        e o meu coração pode matar a sede
        de todos os mares).

Ah, eu peço pelo amor de Deus ou do demônio:
        abram as comportas do mundo.
        Façam silêncio por um segundo:
        aqui existe um homem incendiado de amor
        e um coração que vai saltar pela janela do peito!

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...