Adalgisa Nery - Poema

 
  Poema da Amante

 
    Eu te amo
    Em todos os ventos que cantam,
    Em todas as sombras que choram,
    Na extensão infinita dos tempos
    Até a região onde os silêncios moram.
    Eu te amo
    Em todas as transformações da vida,
    Em todos os caminhos do medo,
    Na angústia da vontade perdida
    E na dor que se veste em segredo.
    Eu te amo
    Em tudo que estás presente,
    No olhar dos astros que te alcançam
    E em tudo que ainda estás ausente.
    Eu te amo
    Desde a criação das águas,
    desde a idéia do fogo
    E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
    Eu te amo perdidamente
    Desde a grande nebulosa
    Até depois que o universo cair sobre mim
    Suavemente.



Imagem retirada da Internet: Adalgisa Nery

Pedro Nava - Poema


Rodrigo Melo Franco de Andrade

Poema para Rodrigo Melo Franco de Andrade



Os elevadores estacaram unanimemente
e sem transição vibraram todos os tímpanos.
Depois um choro desmedido
derramou-se pelo edifício.
Mas foi parando aos poucos,
até perder-se em soluços abafados
um a um.
E houve o silêncio.
 

Eu suspeitei sem a menor malícia
a presença terrível dos arcanjos...
Mas onde?
 

Todos tinham medo de se fitar,
tanto a verdade fazia esforços
para se manifestar nas fisionomias cor de cinza.
 

O momento era de uma gravidade infinita
e devia haver uma lucidez inusitada nos homens,
porque todos pressentiram a decepção irremediável...
— enorme como o sentido oculto das coisas inertes
(seu sentido poético!)
 

E a presença de Deus foi tão absoluta
nas almas retransidas de horror,
que os poetas se sumiram na noite,
tornados de repente inúteis.
 

1933


In: BANDEIRA, Manuel. Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos.
Fonte: Jornal de Poesia

Ronaldo Cagiano - Poema



Pórtico


Na velha ponte
de Cataguases,
belvedere entre montanhas

vislumbro uma lâmina mordaz
na incontida fugacidade das águas
do Rio Pomba.

O leito que escorre inexorável
diante dos meus olhos,
carrega histórias & cansaços
numa retroviagem sem tamanho
diante do menino perplexo
que a tudo esgarça
com inquirição ou pranto.

A cidade, as pessoas, o vário tempo
são remotas cintilações de antanho,
mas ainda perdura

no mofo das amuradas
nos vetustos oitizeiros da rua
nos trilhos da velha estação

a oficina de sonhos
que hiberna no rigor
de tantos (des)caminhos.

Imagem retirada da Internet: Cataguases

Cecília Meireles - Poema



Foto by Diego Iglésias


A BAILARINA 



Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os ohos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças

Imagem retirada da Internet: bailarina



As borboletas


Brancas 
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas


Borboletas brancas
São alegres e francas.


Borboletas azuis
Gostam muito de luz.


As amarelinhas
São tão bonitinhas!


E as pretas, então . . .
Oh, que escuridão!



Imagem retirada da Internet: borboleta azul
 

Bruno Tolentino - Poema


(Um poema de "A balada do cárcere")

Ao pé da letra agora, em minha vida
há a morte e uma mulher... E a letra dela,
a primeira, me busca e me martela
ouvido adentro a mesma despedida

outra vez e outra vez, sempre espremida
entre as vogais do amor... Mas como vê-la
sem exumar uma vez mais a estrela
que há anos-luz se esbate sem saída,

sem prazo de morrer na luz que treme?!
O mostro que eu matei deixou-me a marca
suas pernas abertas ante a Parca

aparecem-me em tudo: é a letra M
a da Medusa que eu amei, a barca
sem amarras, sem remos e sem leme...

Imagem retirada da Internet: Medusa


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