José Régio - Poema


Soneto de amor



Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!


Imagem retirada da Internet: seios

Vicente Franz Cecim - Poema



Foto: Anderson Coelho
Àquele que dorme sem sono




Os teus corpos, Um de Carne e Outro de Sombra,
envolve em óleos
pois são dois, e o segundo é mais real
É preciso ver num sonho
a paisagem das verdades
onde insetos vêm pousar em nossas mãos
Há palavras que os homens não dizem
Há águas tão amargas,
filho,
que se recusam a devolver às fontes
as antigas possibilidades musicais da espécie
Mas as luas da febre
estão passando
sobre os lugares onde a sombra humana ainda irá passar
Um longo caminho não é sinal de eternidade
Ninguém ainda foi ouvir o silêncio das estrelas
E não ter colhido o mel,
a um murmúrio de distância dos teus lábios,
salgou ainda mais as colméias eternas
É lenta a economia daqueles que aqui esquecem o sabor do sal
E há uns que temem a queda das unhas no inverno,
e há outros que pararam a vida
numa estação vazia
É preciso ir à paisagem das verdades: Insetos
pousariam
em nossas mãos: Os ouvidos humanos
são cavernas escuras
Agora nascerão raízes,
quando esperavas asas
E quem sabe um dia virão frutos
para te dar ao leite coagulado,
suficiente é ter nascido
Suficiente é ser a sede, pois só por isso se obteve
a dádiva
dos lagos e da gota de veneno
e um oceano de lágrimas
para encher os olhos de ternura
O que tu sabes de ti?
Somente que já vai começando a desaceleração do vento
em teus cabelos
A menos que desças no caminho, para colher as
imagens
que foram caindo da nossa memória,
estás perdido
A menos que subas, ao avistar uma montanha de
homens
que foram virados do avesso, os ossos por fora,
a carne por dentro,
e te prostres em adoração ao pó,
vem que esses homens se tornarão?
Chama o vento com o ar dos teus pulmões
por amor às cinzas
Estas perdido
Entre a festa para receber,
com festa humana,
e uma esperança de ferrugens
Sob os sons das estrelas,
uma esperança de ferrugens
é o que te fere a sombra
e estás perdido
A melhor coisa que fazes
e a pior, será parar a circulação contínua da máquina
Prova uma gota do nosso sangue,
e aceita, sorrindo,
que isso aconteceu,
que foram caindo da nossa memória
a polpa e a seiva, tingidas de vermelho
Um futuro de rodas que já não rodarão
para as colheitas do destino
Entrega o nosso trem ao delírio de uma floresta
virgem a cada dia
E a voz que te diz isso:
ao menos uma vez
teremos o ferro do nosso dispensável coração
Então, por que não semear de mãos vazias?

Vicente Franz Cecim - Poema



Vicente Franz Cecim - Foto by Jordi Burch/Kameraphoto


MÚSICA E MUSGOS



I



Não é a água
que jorra fora de nós,
das fontes, cantantes

É
A Água

que corre do Vaso de Sombras por dentro: Rumor
da carne em seu leito

                            O Corpo,

um estado de musgo
Demanda da paz vegetal

O Corpo,
uma flauta de osso,
e aquilo é a voz dos perfumes


II




para abolir a tentação do grito,
um Animal murmura um homem escuro
para beber sem trégua uma Lágrima da estrela
chovendo sobre ti

E se ainda desabrocham a Fenda e a Senda, através da tua Lenda?
É que aqui por cima está o Tanto insuportável que a te grita: Vê sem agonia
Ainda por trás vem a Sombra
A que protege

uma
a
uma

as Ramagens gotejantes dos teus dias


III




Tenta saudar as manhãs nascentes
Se isso abrisse um olho de luz na tua pele mais ausente

E se
pisca efêmera
a tua gota perdida de sua gema gêmea,

é que um oceano oscila num sonho

os repousos que antecipam: os crepúsculos
as auroras sem poentes

e o ruído cintilante de tua sede

e a entretecida Forma que te tece: ó a Irmã Obscura, em Sua rede


In. Antônio Miranda

Gerardo Melo Mourão - Poema



EVA


Adormecera à beira do riacho
e o sonho e a flor dessa maçã
da primeira saudade - do primeiro desejo do mundo
habitavam seu sono.

Despertara - e dela despertaram
um tato uns olhos um perfume - e o véu
dos cabelos cobria ancas
seios nunca vistos:

Eva bailava sobre chão de folhas

desde então
desde sono e sonho se incorpora sempre
ao homem sonhador o sortilégio
da primeira mulher
coisa e criatura e criadora
de seus tatos seus aromas - aflição e festa
de estrelas na pupila.

                  Copacabana - 29-7-98

In. Cânon & Fuga. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Imagem retirada da Internet: Eva Green

Affonso Romano de Sant'Anna - Poema



Intervalo amoroso


O que fazer entre um orgasmo e outro,
quando se abre um intervalo
sem teu corpo?

Onde estou, quando não estou
no teu gozo incluído?
Sou todo exílio?

Que imperfeita forma de ser é essa
quando de ti sou apartado?

Que neutra forma toco
quando não toco teus seios, coxas
e não recolho o sopro da vida de tua boca?

O que fazer entre um poema e outro
olhando a cama, a folha fria?


Imagem retirada da Internet: fenda

Ronald de Carvalho - Poema



Anoitece... 


Anoitece...
Venho sofrer contigo a hora dolente que erra,
Sob a lâmpada amiga, entre um vaso com rosas,
Um festão de jasmins, e a penumbra que desce...
Hora em que há mais distância e mágoa pela terra;
Quando, sobre os chorões e as águas silenciosas,
Redonda, a lua calma e sutil, aparece...


O rumor de uma voz sobe no espaço, ecoando,
Mais um dia se foi, menos uma ilusão!
E assim corre, igualmente, a ampulheta da vida.
Senhor! depois de mim, como folhas em bando,
Num crepúsculo triste, outros homens virão
Para recomeçar a rota interrompida,
E a amargura sem fim de um mesmo sonho vão...


Nos dormentes jardins bolem asas incautas,
Sobre os campos a bruma ondeia, devagar.
Estremecem no céu estrelas sonolentas
E os rebanhos, que vão na neblina lunar,
Agitam molemente, ao longe, as curvas lentas
Das estradas de esmalte, ao rudo som das frautas.


Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...





Publicado no livro Poemas e Sonetos (1919).
In: MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 2.ed. Brasília: INL, 1973. v.2, p.1056. (Literatura brasileira, 12)- Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: vaso com rosas

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