Vicente Franz Cecim - Poema



Vicente Franz Cecim - Foto by Jordi Burch/Kameraphoto


MÚSICA E MUSGOS



I



Não é a água
que jorra fora de nós,
das fontes, cantantes

É
A Água

que corre do Vaso de Sombras por dentro: Rumor
da carne em seu leito

                            O Corpo,

um estado de musgo
Demanda da paz vegetal

O Corpo,
uma flauta de osso,
e aquilo é a voz dos perfumes


II




para abolir a tentação do grito,
um Animal murmura um homem escuro
para beber sem trégua uma Lágrima da estrela
chovendo sobre ti

E se ainda desabrocham a Fenda e a Senda, através da tua Lenda?
É que aqui por cima está o Tanto insuportável que a te grita: Vê sem agonia
Ainda por trás vem a Sombra
A que protege

uma
a
uma

as Ramagens gotejantes dos teus dias


III




Tenta saudar as manhãs nascentes
Se isso abrisse um olho de luz na tua pele mais ausente

E se
pisca efêmera
a tua gota perdida de sua gema gêmea,

é que um oceano oscila num sonho

os repousos que antecipam: os crepúsculos
as auroras sem poentes

e o ruído cintilante de tua sede

e a entretecida Forma que te tece: ó a Irmã Obscura, em Sua rede


In. Antônio Miranda

Gerardo Melo Mourão - Poema



EVA


Adormecera à beira do riacho
e o sonho e a flor dessa maçã
da primeira saudade - do primeiro desejo do mundo
habitavam seu sono.

Despertara - e dela despertaram
um tato uns olhos um perfume - e o véu
dos cabelos cobria ancas
seios nunca vistos:

Eva bailava sobre chão de folhas

desde então
desde sono e sonho se incorpora sempre
ao homem sonhador o sortilégio
da primeira mulher
coisa e criatura e criadora
de seus tatos seus aromas - aflição e festa
de estrelas na pupila.

                  Copacabana - 29-7-98

In. Cânon & Fuga. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Imagem retirada da Internet: Eva Green

Affonso Romano de Sant'Anna - Poema



Intervalo amoroso


O que fazer entre um orgasmo e outro,
quando se abre um intervalo
sem teu corpo?

Onde estou, quando não estou
no teu gozo incluído?
Sou todo exílio?

Que imperfeita forma de ser é essa
quando de ti sou apartado?

Que neutra forma toco
quando não toco teus seios, coxas
e não recolho o sopro da vida de tua boca?

O que fazer entre um poema e outro
olhando a cama, a folha fria?


Imagem retirada da Internet: fenda

Ronald de Carvalho - Poema



Anoitece... 


Anoitece...
Venho sofrer contigo a hora dolente que erra,
Sob a lâmpada amiga, entre um vaso com rosas,
Um festão de jasmins, e a penumbra que desce...
Hora em que há mais distância e mágoa pela terra;
Quando, sobre os chorões e as águas silenciosas,
Redonda, a lua calma e sutil, aparece...


O rumor de uma voz sobe no espaço, ecoando,
Mais um dia se foi, menos uma ilusão!
E assim corre, igualmente, a ampulheta da vida.
Senhor! depois de mim, como folhas em bando,
Num crepúsculo triste, outros homens virão
Para recomeçar a rota interrompida,
E a amargura sem fim de um mesmo sonho vão...


Nos dormentes jardins bolem asas incautas,
Sobre os campos a bruma ondeia, devagar.
Estremecem no céu estrelas sonolentas
E os rebanhos, que vão na neblina lunar,
Agitam molemente, ao longe, as curvas lentas
Das estradas de esmalte, ao rudo som das frautas.


Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...





Publicado no livro Poemas e Sonetos (1919).
In: MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 2.ed. Brasília: INL, 1973. v.2, p.1056. (Literatura brasileira, 12)- Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: vaso com rosas

Miguel Jorge - Veias e Vinhos - Lançamento

Francisco Perna Filho - Poema

   Flor de pequi - Foto by Francisco Perna Filho

Sob os olhos de Deus



Colho cores nesta manhã:
azuis, ocres, cinzas e amarelos.
são feixes de luz
emergindo da primavera.

Colho pássaros em arribação,
em voos tímidos,
planando sob os olhos de Deus.

Sirvo-me de um pedaço de cada coisa,
silenciadas no meu coração,
quando volto para casa.

Alberto da Cunha Melo - Poema



CANTO DOS EMIGRANTES



Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos            
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.

De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.

Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram.



In. Imagem retirada da Internet: emigrante
In. Jornal de Poesia

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