Mário Chamie - Poema


PEDREGOSA ROSA


A mão sorridente
sobre a boca
vertiginosa
põe os dedos efusivos
sobre a pétala
desta rosa pedregosa.

Não é a faca florida
a faca que mais corta
a cauda dessa rosa
rancorosa.

O não indecente
da hora
suspira e se afoga
no fofo dessa toca,
a cálida areia rósea
desta porosa pedra
vaporosa.

Por obra da hora
a mão insolvente
da pétala
floresce e afaga
a boca rochosa
de arestas na pedra
desta pétrea raivosa
rosa.


In. Caravana Contrária. São Paulo: Geração Editorial, 1998.
Imagem retirada da Internet: Lírio do campo

Mário Chamie - Poema



QUEDA INTERIOR


Se a queda é livre
o medo da queda
é preso.

Livre é a queda
sem embaraço
defeso.

A queda
de um homem
tenso
não é a guerra
do Peloponeso
pelo estreito
de um coração
perverso.

A queda
livre
é o próprio peso
de um coração
suspenso.

Toda queda
é o menosprezo
de quem cai
sobre si mesmo.


Fonte: Antônio Miranda
Imagem retirada da Internet: Chámie

Mário Chamie - Poema

 
AUTO-ESTIMA


Sou Chamie,
venho de Damasco.
Franco-egípcio
é o meu passado.
Sírio sou helenizado.

De Damasco
ao meu legado,
sou católico
e islâmico,
copta apostólico
catequizado.

No pórtico
mediterrânico,
sou ático e arábico.
Vou contra o deserto
de desafetos contrários.

Sem custo nem preço
que se meça,
em nome de meu gênio
atlântico e adriático,
desprezo a cabeça
e a sentença
de meus adversários,
adversos e vicários.

Sou Chamie, Mário.
Franco-egípcio
é o meu passado.
Por onde entro,
venho de Damasco
pela porta
do apóstolo Paulo.
Sírio sou helenizado.
Venho de Damasco,
por onde saio.



In.Caravana Contrária. São Paulo: Geração Editorial,1998. (Fonte Antônio Miranda)
Imagem retirada da Internet: Chámie

Francisco Perna Filho - Poema


Show de graça



O ser, capenga,
capina.
A mata, em riste,
resiste.
Na lâmina cega,
o reflexo de mais um capítulo
de devastação.

Tão desolado,
do outro lado,
o homem fica.
Sentenciado,
brinca de ser humano.

A lua olha
o cambaleante homem,
que perfila tombos pela avenida.
Numa igreja à vista,
uma placa indica:
Show de graça!


Sem pagar ingresso,
ele entra,
senta-se,
chora,
morre de rir.




In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001
Imagem retirada da Internet: Palhaço

Francisco Perna Filho - Poema




                                               
MONTANHA



A palavra pesada
persegue a pedra,
revela o austero pulsar do silêncio
e, com ele, inaugura um olhar de montanha.
Do alto, a alma encanta-se
e o olhar precipita-se em direção ao luzir da cidade.
Do baixo, o corpo, enfermo, claudica
e os braços perdem-se na impotência primordial
de uma escalada.
A montanha é sentida
e nela diviso o inferno e o paraíso
da Babel recriada.
Estando no centro,
a minha alma assesta a caverna
na recomposição do paraíso Dantesco.
Dessa forma,
a montanha enternece o poeta
e a palavra mais leve
revela a montanha/palavra
Refletida no olhar.


In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem retirada da Internet: Montanha

Francisco Perna Filho - Poema


Duplo 





Faz frio,
fina a pele fica,
o filho dorme.
Há calma,
são secretos os sonhos.
A mulher suspira,
liberta de tudo revela esperança
nos graciosos gestos.
O sono não vem,
invento palavras.
Meus olhos coalhados secam a noite.
Barcos invadem minha sala,
Aviões-de-guerra sobrevoam a minha cabeça.
caminhos me levam para fora de mim,
viajo.
Não há como entender.
Pessoas conversam,
olho,
nada vejo.
Pássaros libertam-se-lhes os cantos.
Vôo.
O filho chora,
faz frio.
Há uma escuridão perpetuada.
Manhã pesada.
Sou pura distração:
afastado de toda racionalidade
observo os pés do sofá.
Alguns passos, passo pela porta do quarto
e contemplo o meu corpo
petrificado no espelho da sala.
Reflito um abraço e vou dormir.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem retirada da Internet: Magritte

Francisco Perna Filho - Poema

Transformação



Peixe na linha,
rima de pescador.
Encontro de águas e arco-íris.
Rio quebrado nas voltas dos olhos,
no piscar dos barcos,
na manga de chuva.
Perpetuado no mormaço da existência.
Os olhos observam o ritmo:
na rima quebrada de peixe fugido,
na desalegria de morte escapada,
na deselegância de mesa-objeto, sem pão.
O rio continua
no riso pálido do pescador extático,
no hiato das culturas,
na incontinência dos jovens poetas.
Linha, água.
Peixe, anzol.
Pescador.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem retirada da Internet: peixe

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