Olavo Bilac - Poema




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 Foto by Jaime Brum




Deixa o olhar do mundo


X

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.



Olavo Bilac - Poema

e


Tenho frio e ardo em febre!


"E tremo à mezza state, ardendo inverno"
Petrarca




Tenho frio e ardo em febre!
O amor me acalma e endouda! O amor me eleva e abate!
Quem há que os laços, que me prendem, quebre?
Que singular, que desigual combate!

Não sei que ervada flecha
Mão certeira e falaz me cravou com tal jeito,
Que, sem que eu a sentisse, a estreita brecha
Abriu, por onde o amor entrou meu peito.

O amor me entrou tão cauto
O incauto coração, que eu nem cuidei que estava,
Ao recebê-lo, recebendo o arauto
Desta loucura desvairada e brava.

Entrou. E, apenas dentro,
Deu-me a calma do céu e a agitação do inferno...
E hoje... ai de mim!, que dentro em mim concentro
Dores e gostos num lutar eterno!


In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: rosa

Olavo Bilac - Poema




Remorso







Às vezes uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando !

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse !











In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet:φθινόπωρο 

Olavo Bilac - Poema




A um poeta



Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.







In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Mosteiro de São Bento - SP

Olavo Bilac - Poema

AEROPLANO AA34501 CORGI ESCALA 1/32

"Benedicite"






Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano...

Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!









In. Jornal de Poesia
Imagemretirada da Internet: aeroplano

Brasigóis Felício - Ensaio curto


Bomba

A burrice da bomba
                                                                                              



Cada um sabe onde é mar ou onde é sertão na paisagem da sua solidão. A memória de ter sido é a mais recôndita e difícil lembrança. O fato de esquecermos passagens de nossa vida tem uma explicação: é que, quando as vivemos, não estivemos conscientes, ou estávamos mergulhados em sono profundo, a dormir pesadamente.

O homem só sabe que não sabia depois que aprendeu. Mas quase nunca aprendemos, pelo simples fato de não saber que não sabemos, ou de não querer saber. Pensar que se tem consciência é o caminho certo para não tê-la. Toda ilusão de nossas vidas se baseia na certeza de que sabemos, podemos fazer tudo o que quisermos, e que temos controle sobre nossos atos, pensamentos e palavras.

Se não fosse tão profundo o sono em que vivemos, poderíamos não ser tão mecânicos, e querer despertar. Mas, não tendo consciência de que estamos adormecidos, precisamos ser despertados por alguém que esteja (ou seja) acordado. Assim como, para sair de uma prisão, primeiro teríamos que ter consciência de que ali estamos como prisioneiros. O que nos mantém prisioneiros dentro de nós mesmos é não saber que não há liberdade sem consciência, nem consciência sem liberdade.
Sair sozinhos seria quase impossível. Teríamos de contar com ferramentas que só poderiam vir de fora. E também da ajuda de outros prisioneiros, que desejassem se libertar.
Sem falar no imprescindível auxílio dos que, tendo sido prisioneiros, quiseram se libertar, e o conseguiram. Conhecem, portanto, os caminhos que tornam possível (mas não certa) a libertação.
*
Distorcemos o princípio mental a ponto de chamar uma bomba de inteligente. Ou de considerar santa uma guerra insana, ou que o acúmulo de bens materiais define a felicidade e a qualidade de vida de um povo, observou Sérgio Moraes. Associamos a felicidade a um determinado estado mental ou emocional, não sabendo que tudo faz o seu caminho e ascensão e de queda. Como bem diz o samba: “O que dá pra rir/dá pra chorar/ Questão só de peso e medida/Problema de hora e lugar/”.
 A visão que compreende é o pensamento (ou a ação) que transforma o sonho em realidade não a que proclama à praça ser dona da verdade, e gerente de consciências. Afinal, uma pandemia acadêmica seria aquela em que a vaidade tomasse de assalto uma cidade, e contaminasse todas as suas possíveis verdades. 

Brasigóis Felício é Poeta e Jornalista, Membro da Academia Goiana de Letras. 



Foto retirada da Internet: Bomba

Castro Alves - Poema



                                                                  Foto by Maldivas




A Tarde




Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas...
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.

Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas...
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... falam... cantam seus amores!

Hora meiga da Tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
,Tu és do céu a pálida donzela ...
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela,
Que te rola da espádua refulgente...
E, — prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!...

Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...

Mas não m'esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenufar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha!...
E os abraços fogosos da baunilha!...

E te amei tanto — cheia de harmonias
A murmurar os cantos da serrana, —
A lustrar o broquel das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto — à flor das águas frias —
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!...

Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
,Para então, — do relâmpago aos livores ...
Que descobrem do espaço a larga fronte, —
Contemplando o infinito..., na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra!!!

In. Domínio Público

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