Francisco Soares Feitosa - Poema


Foto by Gustavo Penteado

O que digo entre as flores?


Meus olhos se consomem pela tua promessa"
(Salmo 119, 82)
 
 
O resto foi travo e mel  
que não se disse mais nada —  
em um   
ali: 
rubro o tempo, as faces.
      — Seu Francisco — indagou, aflito,   mestre Antônio (vaqueiro): —  o senhor mandou matar todos os novilhos,  foi assim mesmo que entendi,   e botar a melhor veste nos caminhos?  — Como ficará então esta fazenda?  Sem os bois que morrerem,  o que digo entre as flores? 
Diga nada não, mestre Antônio,  
os novilhos ressurgirão  da terra,  
nos passos largos das minhas sandálias.
E os caminhos ficarão de perfume,  
diga nada não, mestre Antônio,  
que ela estava morta,  
as flores sabem, outra vez,  
agora vive.
 
                                 Salvador, mormaço da tarde, 13.03.96
 
Nota: 
O novilho: in Lucas, 15,23: 
Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos


In. Jornal de Poesia

JJ Leandro - Poema


O tempo produz poesia 




Se o tempo parasse,
Teria início um inquestionável
Dilema.
O poeta se transformaria em estátua
E nunca terminaria o poema.

Isso jamais acontecerá.
É verdade que o poeta
Reclama do tempo todo dia,
Mas somente para transformar
Seu lamento
Em imorredoura poesia.



Imagem retirada da Internet: Dali

Lygia Fagundes Teles - Conto



As Cerejas 




Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, "vocês não viram onde deixei meus óculos?" A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, "esta receita é nova..." Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, "fico exausta no calor..." Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. "Você levou as velas à tia Olívia?", perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se. E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando no chão.

A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como que suspensas na poeira do ar - desapareceu tudo sem deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas.

Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o recado do chefe da estação pedindo a charrete para a visita que acabara de desembarcar.

- É Olívia! - exclamou Madrinha. - É a prima! Alberto escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando, ficou de avisar. Eu ia mudar as cortinas, bordar umas fronhas e agora!... Justo Olívia. Vocês não podem fazer idéia, ela é de tanto luxo e a casa aqui é tão simples, não estou preparada, meus céus! O que é que eu faço, Dionísia, me diga agora o que é que eu faço!

Dionísia folheava tranqüilamente um livro de receitas. Tirou um lápis da carapinha tosada e marcou a página com uma cruz.

- Como se já não bastasse esse menino que também chegou sem aviso...

O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.

- Um calor na viagem! - gemeu tia Olívia em meio de uma onda de perfumes e malas. - E quem é este rapazinho?

- Pois este é o Marcelo, filho do Romeu - disse Madrinha. - Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do Alberto...

Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formado de pêra. O galho de cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco.

- Ah, minha querida, Alberto tem tantos parentes, uma família enorme! Imagine se vou me lembrar de todos com esta minha memória. Ele veio passar as férias aqui?

Por um breve instante Marcelo deteve em tia Olívia o olhar frio. Chegou a esboçar um sorriso, aquele mesmo sorriso que tivera quando Madrinha, na sua ingênua excitação, nos apresentou a ambos, "pronto, Marcelo, aí está sua priminha, agora vocês poderão brincar juntos". Ele então apertou um pouco os olhos. E sorriu.

- Não estranhe, Olívia, que ele é por demais arisco - segredou Madrinha ao ver que Marcelo saía abruptamente da sala. - Se trocou comigo meia dúzia de palavras, foi muito. Aliás, toda a gente de Romeu é assim mesmo, são todos muito esquisitos. Esquisitíssimos!

Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua.

- Tem charme...

Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de verde e com aquele decote assim fundo.

- É de cera? - perguntei tocando-lhe uma das cerejas.

Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído. Senti bem de perto seu perfume.

- Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu cerejas?

- Só na folhinha.

Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo brilho das cerejas.

- Na Europa são tão carnudas, tão frescas.

Marcelo também tinha estado na Europa com o avô. Seria isso? Seria isso que os fazia infinitamente superiores a nós? Pareciam feitos de outra carne e pertencer a um outro mundo tão acima do nosso, ah! como éramos pobres e feios. Diante de Marcelo e tia Olívia, só diante dos dois é que eu pude avaliar como éramos pequenos: eu, de unhas roídas e vestidos feitos por Dionísia, vestidos que pareciam as camisolas das bonecas de jornal que Simão recortava com a tesoura do jardim. Madrinha, completamente estrábica e tonta em meio das suas rendas e crochês. Dionísia, tão preta quanto enfatuada com as tais receitas secretas.

- Não quero é dar trabalho - murmurou tia Olívia dirigindo-se ao quarto. Falava devagar, andava devagar. Sua voz foi se afastando com a mansidão de um gato subindo a escada. - Cansei-me muito, querida. Preciso apenas de um pouco de sossego...

Agora só se ouvia a voz de Madrinha que tagarelava sem parar: a chácara era modesta, modestíssima, mas ela haveria de gostar, por que não? O clima era uma maravilha e o pomar nessa época do ano estava coalhado de mangas. Ela não gostava de mangas? Não?... Tinha também bons cavalos se quisesse montar, Marcelo poderia acompanhá-la, era um ótimo cavaleiro, vivia galopando dia e noite. Ah, o médico proibira? Bem, os passeios a pé também eram lindos, havia no fim do caminho dos bambus um lugar ideal para piqueniques, ela não achava graça num piquenique?

Fui para a varanda e fiquei vendo as estrelas por entre a folhagem da paineira. Tia Olívia devia estar sorrindo, a umedecer com a ponta da língua os lábios brilhantes. Na Europa eram tão carnudas... Na Europa.

Abri a caixa de sabonete escondida sob o tufo de samambaia. O escorpião foi saindo penosamente de dentro. Deixei-o caminhar um bom pedaço e só quando ele atingiu o centro da varanda é que me decidi a despejar a gasolina. Acendi o fósforo. As chamas azuis subiram num círculo fechado. O escorpião rodou sobre si mesmo, erguendo-se nas patas traseiras, procurando uma saída. A cauda contraiu-se desesperadamente. Encolheu-se. Investiu e recuou em meio das chamas que se apertavam mais.

- Será que você não se envergonha de fazer uma maldade dessas?

Voltei-me. Marcelo cravou em mim o olhar feroz. Em seguida, avançando para o fogo, esmagou o escorpião no tacão da bota.

- Diz que ele se suicida, Marcelo...

- Era capaz mesmo quando descobrisse que o mundo está cheio de gente como você.

Tive vontade de atirar-lhe a gasolina na cara. Tapei o vidro.

- E não adianta ficar furiosa, vamos, olhe para mim! Sua boba. Pare de chorar e prometa que não vai mais judiar dos bichos.

Encarei-o. Através das lágrimas ele pareceu-me naquele instante tão belo quanto um deus, um deus de cabelos dourados e botas, todo banhado de luar. Fechei os olhos. Já não me envergonhava das lágrimas, já não me envergonhava de mais nada. Um dia ele iria embora do mesmo modo imprevisto como chegara, um dia ele sairia sem se despedir e desapareceria para sempre. Mas isso também já não tinha importância. Marcelo, Marcelo! chamei. E só meu coração ouviu.

Quando ele me tomou pelo braço e entrou comigo na sala, parecia completamente esquecido do escorpião e do meu pranto. Voltou-lhe o sorriso.

- Então é essa a famosa tia Olívia? Ah, ah, ah.

Enxuguei depressa os olhos na barra da saia.

- Ela é bonita, não?

Ele bocejou.

- Usa um perfume muito forte. E aquele galho de cerejas dependurado no peito. Tão vulgar.

- Vulgar?

Fiquei chocada. E contestei mas em meio da paixão com que a defendi, senti uma obscura alegria ao perceber que estava sendo derrotada.

- E, além do mais, não é meu tipo - concluiu ele voltando o olhar indiferente para o trabalho de crochê que Madrinha deixara desdobrado na cadeira. Apontou para o anjinho esvoaçando entre grinaldas. - Um anjinho cego.

- Por que cego? - protestou Madrinha descendo a escada. Foi nessa noite que perdeu os óculos. - Cada idéia, Marcelo!

Ele debruçara-se na janela e parecia agora pensar em outra coisa.

- Tem dois buracos em lugar dos olhos.

- Mas crochê é assim mesmo, menino! No lugar de cada olho deve ficar uma casa vazia - esclareceu ela sem muita convicção. Examinou o trabalho. E voltou-se nervosamente para mim. - Por que não vai buscar o dominó para vocês jogarem uma partida? E vê se encontra meus óculos que deixei por aí.

Quando voltei com o dominó, Marcelo já não estava na sala. Fiz um castelo com as pedras. E soprei-o com força. Perdia-o sempre, sempre. Passava as manhãs galopando como louco. Almoçava rapidamente e mal terminava o almoço, fechava-se no quarto e só reaparecia no lanche, pronto para sair outra vez. Restava-me correr ao alpendre para vê-lo seguir em direção à estrada, cavalo e cavaleiro tão colados um ao outro que pareciam formar um corpo só.

Como um só corpo os dois tombaram no divã, tão rápido o relâmpago e tão longa a imagem, ele tão grande, tão poderoso, com aquela mesma expressão com que galopava como que agarrado à crina do cavalo, arfando doloridamente na reta final.

Foram dias de calor atroz os que antecederam à tempestade. A ansiedade estava no ar. Dionísia ficou mais casmurra. Madrinha ficou mais falante, procurando disfarçadamente os óculos nas latas de biscoitos ou nos potes de folhagens, esgotada a busca em gavetas e armários. Marcelo pareceu-me mais esquivo, mais crispado. Só tia Olívia continuava igual, sonolenta e lânguida no seu negligê branco. Estendia-se na rede. Desatava a cabeleira. E com um movimento brando ia se abanando com a ventarola. Às vezes vinha com as cerejas que se esparramavam no colo polvilhado de talco. Uma ou outra cereja resvalava por entre o rego dos seios e era então engolida pelo decote.

- Sofro tanto com o calor...

Madrinha tentava animá-la.

- Chovendo, Olívia, chovendo você verá como vai refrescar.

Ela sorria umedecendo os lábios com a ponta da língua.

- Você acha que vai chover?

- Mas claro, as nuvens estão baixando, a chuva já está aí. E vai ser um temporal daqueles, só tenho medo é que apanhe esse menino lá fora. Você já viu menino mais esquisito, Olívia? Tão fechado, não? E sempre com aquele arzinho de desprezo.

- É da idade, querida. É da idade.

- Parecido com o pai. Romeu também tinha essa mesma mania com cavalo.

- Ele monta tão bem. Tão elegante.

Defendia-o sempre enquanto ele a atacava, mordaz, implacável: "É afetada, esnobe. E como representa, parece que está sempre no palco". Eu contestava, mas de tal forma que o incitava a prosseguir atacando.

Lembro-me de que as primeiras gotas de chuva caíram ao entardecer, mas a tempestade continuava ainda em suspenso, fazendo com que o jantar se desenrolasse numa atmosfera abafada. Densa. Pretextando dor de cabeça, tia Olívia recolheu-se mais cedo. Marcelo, silencioso como de costume, comeu de cabeça baixa. Duas vezes deixou cair o garfo.

- Vou ler um pouco - despediu-se assim que nos levantamos.

Fui com Madrinha para a saleta. Um raio estalou de repente. Como se esperasse por esse sinal, a casa ficou completamente às escuras enquanto a tempestade desabava.

- Queimou o fusível! - gemeu Madrinha. - Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas, mas leva primeiro ao quarto de tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos!

Subi a escada. A escuridão era tão viscosa, que se eu estendesse a mão poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto. E em meio do relâmpago que rasgou a treva, vi os dois corpos completamente azuis, tombando enlaçados no divã.

Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas se despencavam sonoras como enormes bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania.

- Levou as velas para a tia Olívia? - perguntou Madrinha.

Desabei num canto, fugindo da luz do castiçal aceso em cima da mesa.

- Ninguém respondeu, ela deve estar dormindo.

- E Marcelo?

- Não sei, deve estar dormindo também.

Madrinha aproximou-se com o castiçal.

- Mas que é que você tem, menina? Está doente? Não está com febre? Hem?! Sua testa está queimando... Dionísia, traga uma aspirina, esta menina está com um febrão, olha aí!

Até hoje não sei quantos dias me debati esbraseada, a cara vermelha, os olhos vermelhos, escondendo-me debaixo das cobertas para não ver por entre clarões de fogo milhares de cerejas e escorpiões em brasa, estourando no chão.

- Foi um sarampo tão forte - disse Madrinha ao entrar certa manhã no quarto. - E como você chorava, dava pena ver como você chorava! Nunca vi um sarampo doer tanto assim.

Sentei-me na cama e fiquei olhando uma borboleta branca pousada no pote de avencas da janela. Voltei-me em seguida para o céu limpo. Havia um passarinho cantando na paineira. Madrinha então disse:

- Marcelo foi-se embora ontem à noite, quando vi, já estava de mala pronta, sabe como ele é. Veio até aqui se despedir, mas você estava dormindo tão profundamente.

Dois dias depois, tia Olívia partia também. Trazia o costume preto e o chapeuzinho com os alfinetes de pérola espetados no feltro. Na blusa branca, bem no vértice do decote, o galho de cerejas.

Sentou-se na beirada da minha cama.

- Que susto você nos deu, querida - começou com sua voz pesada. - Pensei que fosse alguma doença grave. Agora está boazinha, não está?

Prendi a respiração para não sentir seu perfume.

- Estou.

- Ótimo! Não te beijo porque ainda não tive sarampo - disse ela calçando as luvas. Riu o risinho cascateante. - E tem graça eu pegar nesta altura doença de criança?

Cravei o olhar nas cerejas que se entrechocavam sonoras, rindo também entre os seios. Ela desprendeu-as rapidamente.

- Já vi que você gosta, pronto, uma lembrança minha.

- Mas ficam tão lindas aí - lamentou Madrinha. - Ela nem vai poder usar, bobagem, Olívia, leve suas cerejas!

- Comprarei outras.

Durante o dia seu perfume ainda pairou pelo quarto. Ao anoitecer, Dionísia abriu as janelas. E só ficou o perfume delicado da noite.

- Tão encantadora a Olívia - suspirou Madrinha sentando-se ao meu lado com sua cesta de costura. - Vou sentir falta dela, um encanto de criatura. O mesmo já não posso dizer daquele menino. Romeu também era assim mesmo, o filho saiu igual. E só às voltas com cavalos, montando em pêlo, feito índio. Eu quase tinha um enfarte quando via ele galopar.

Exatamente um ano depois ela repetiria, num outro tom, esse mesmo comentário ao receber a carta onde Romeu comunicava que Marcelo tinha morrido de uma queda de cavalo.

- Anjinho cego, que ideia! - prosseguiu ela desdobrando o crochê nos joelhos. - Já estou com saudades de Olívia, mas dele?

Sorriu alisando o crochê com as pontas dos dedos. Tinha encontrado os óculos.




In. Oito contos de amor.
Imagem retirada da Internet: cerejas


Dora Ferreira da Silva - Poema




Elegia dos Golfinhos





Viu (porque só ver podia)
sem interferir: eles feriam
o cardume denso dos golfinhos, armadura azulada
protegendo atuns. Eram estes o alvo cobiçado
para as latarias de consumo. Tudo servia
aos velhacos: matemática, um navio branco
— noivo da Morte —, redes atiradas
em círculo perfeito e nefasto perto do cardume.
Tiros ecoavam no ar, encapelando
a ordem bela dos golfinhos no caos turbilhonante.
Aprisionados, eles se contorciam em desespero.

Lamentem-se os coros sagrados de Netuno
acorram Nereidas, Anfitrite em lágrimas com
seus cavalos marinhos em torno das malévolas mandalas
de redes sobre o mar. Ó Nova Idade, não vês tantas
formas desfeitas, não vês que o rei Midas
tudo transforma agora no ouro do negócio?
Os golfinhos tranqüilos começam a morder.
Ah, cascata iridiscente no limiar da morte
em dança fúnebre! É o anti-Cristo no coração dos homens,
o usurpador, o peixe voltado para a esquerda, involutivo.

Mercância vil contaminando cabeças
e corações! Vociferem as pitonisas
de cabelos soltos, pálpebras emaciadas!
São os golfinhos os novos educadores
com sua graça natural, com sua dança
que a morte não detém. Eles propõem música.


Imagem retirada da Internet: Golfinhos 

Francisco Perna Filho - Poema




Comida Caseira




Cansado
de aventuras
extraconjugais,
lembrou-se da mulher
e voltou para casa.


Imagem retirada da Internet: Cinta-liga

Francisco Perna Filho - Poema




Criação



Na quarta,
eu recolho as cinzas,
dissipo as cismas,
enceto a rima,
sem olhar para
trás.

Na quarta,
retomo a messe,
componho a prece,
celebro a vida.


Imagem: Michelângelo: A Criação de Adão

Pio Vargas Abadio Rodrigues - Poema







Aviário de Naus


Nunca fui de vigiar espantos.
Sobrevivo ante a urgência
de cada mínima coisa
imaginando o que pode advir
quando o semáforo
sorrir
O verde e o corpo em disparada
romper o ritmo:
oceano a morrer de sede.


Pequeno
eu inventava demônios
só pelo prazer de os ter
a povoar neurônio.

Pequeno ainda
imaginava abismos
sob os cabelos
penhascos
planícies
novelos
só para vestir
os lugares mais distantes
onde armo duelos
com espelhos.

Hoje
o inquilino que me habita
cintila nos relógios
de praça e pulso
sem reparar no corpo
o dédalo tempero
de um oceano avulso.
sem descobrir
que o equilíbrio
supera o efeito
e se fantasma ou glândula
isso que limita o peito.

Eu sempre soube
que um pedaço de gelo
carrega o fogo
que não lhe coube.

E cresci sem planos
como vão crescendo
os fantasmas
pela noite dos anos.

Agora
fico a moldurar delírios
como se inventasse mundos
planetas
galáxias inteiras
em mínimas letras.

Sei-me de fato
a geração de suicidas
que optou por adiar o ato.
Tenho razões indizíveis
para acreditar em nada
e apenas ficar por perto
por perto, apenas,
como se a vontade
fosse descartável
e isso de insônia
tivesse pouco a ver
com a didática da fome
de memória inadiável.

As gaiolas de agora
Ao meio dia a vida é outra
mas não se encontra jamais
a ilusória porta inicial:

Vive-se muito pelo pouco
já que nascer
foi a mera aula inaugural.

Por isso
dei de sequestrar manhãs
só para modelar os relógios
e tecer
fio a fio
as horas vãs
lás
a costurar vazios pelos cômodos divãs

Aprendi que a vida grassa
mas não passa de rima fácil.

Velho

acho que valho
a idade dos espelhos
o tempero dos sais
a metafísica do cais
e mais
um aviário de naus
que pediu concordatas
e passou pelas datas
usuário do caos.



Poema vencedor do Gremi de 1989, 1º lugar.



In.Historiografia Goiana.
Imagem retirada da Internet: Naus

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