As dores
Dia vem e o labutar diário dos espasmos a caminhar leitos e corredores largos. Investigar os óbvios para atender aos obscuros, eis a luta mais desigual que conheço. Assim como tentar curar saudade com antiálgicos, como tratar insônias com ópio. O plantão segue suas horas num ranger silêncioso, onde a ciência não aceita só ciência, exige zelo e afeto. Pedir zelo parece perto, mas alcançar afeto é pura arte. Quantas dores necessitam ser invertidas todos os dias?
Pois bem, são 5 horas da madrugada. Um ancião a confessar-me: - Tenho uma agonia no peito, é forte! Parece que tudo por dentro está fechando... a agonia sobe no pescoço, como fosse sufocar... daí minha mão esfria... parece dor mas não sei onde começa, nem onde termina, sei que não estou aguentando! Mas se o dia for amanhecer e o galo cantar, passa (...) Parece uma morrência! A ciência me chama para um estreito. A dor do ancião permanece. Minhas mãos, olhos, ouvidos, nariz e o artifício dos exames não logram esclarecer a agonia em chamas. Alguns paliativos imediatos e recorro aos tratados, aos protocolos, nada... a memória não encontra os atalhos certos para aquela dor.
Volto a procurar os olhos agora fechados do ancião no leito. Dorme. Lembro do galo que teceu um canto e não ouvi. Outras dores me encontram, inclusive as minhas. Resolvo voltar para uma conversa com o ancião já acordado. Está morando só. Não deseja mais as janelas, mantém a porta encostada para não ter o trabalho de abrir ou fechar, o apetite é miúdo, diz. Uma melancolia farta habita meus olhos. Conta mais, peço. É assim desde que, há sete meses, minha companheira de vida se foi... Um silêncio branco nos vestiu. Outra vez procurei o glossário do compêndio e não encontrei a palavra que procurava: Saudade! Levo o ancião para meus passos.
Célio Pedreira é Médico e Poeta, pertence a Academia Tocantinense de Letras. E-mail: Dr.celiopedreira@gmail.com
Imagem retirada da Internet: Busto-Ancião