Paul Verlaine - Poema







Paul Verlaine 











Canção do Outono

         


Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono

Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...


Tradução: Alphonsus de Guimaraens


Imagem retirada da Internet: Verlaine

Francisco Perna Filho - Conto

Com a aproximação da Copa do Mundo de Futebol, resolvi republicar o conto Plenilúnio.



PLENILÚNIO




Francisco Perna Filho

                                               
Uma bola de fogo cruzou o céu da fazenda e, rodopiante, acompanhou os mesmos movimentos de Natinho em volta da fogueira de São João, por um momento, pareceu coalhada no firmamento, todos a observavam, ao passo que se voltavam para o menino, que também inerte se perdia no pesadelo do esquecimento. A bola saiu do seu descanso aparente, zigzagueou por sete vezes, descendo em disparada de encontro ao peito de Natinho, que se desfez em cinzas. Naquela noite.

Um menino, um rádio e a ilusão do futebol. Foi assim que muitos disseram, anos depois, quando Natinho já não estava mais entre nós. Era Copa do Mundo de Futebol, México, 1970, estávamos reunidos em volta de uma mesinha de centro, no alpendre da minha casa, ouvindo um rádio à válvula, quando ele chegou. Tinha os olhos tristes e distantes e uma palidez de ausências. Viera com a sua mãe e dela não se desgrudara por nenhum instante até o apito final, quando o Brasil venceu a Itália por 4 a 1 no estádio Azteca.

Durante a narração do jogo, num dado momento, começou a girar em torno de si mesmo, até cair desfalecido. Foi um alvoroço. Trouxeram álcool, esfregaram nos seus pulsos. Jogaram água na sua cabeça, e nada. Quando já pensavam em chamar o médico, ele começou a se mexer e, como se nada tivesse acontecido, abriu os olhos e levantou-se tranqüilamente. A mãe, sem se pronunciar, o pegou pelo braço e o levou para fora da casa. O jogo já estava no fim. Ouviu-se uma gritaria, foguetes e muito riso. O Brasil sagrara-se tricampeão do Mundo.

Alguns dias se passaram, e eu, ao voltar do trabalho, deparei-me com o menino, com os olhos arregalados, um cabo de vassoura na mão, e o rádio à válvula todo destruído. Sem saber o que fazer, pedi que chamassem a mãe dele, na casa ao lado. Quando ela veio, o menino começou a berrar e a pular repetidas vezes. Ela o pegou pela orelha, pediu-me desculpas, prometendo arcar com o prejuízo, e o levou embora. Mais tarde vim a saber o porquê daquela destruição. Por insistência de um garoto, filho da dona da casa na qual ele estava hospedado, resolvera procurar, por entre as válvulas, os homens que narravam o jogo com a promessa de ganhar - deles - uma bola.

Desde cedo, Natinho demonstrou uma predileção pela forma circular, arredondada. Ainda no meu colo teve a sua primeira experiência com essa forma, quando, na Lua Cheia de Áries, gritou descontroladamente e pinoteou, como querendo se soltar dos meus braços, para depois adormecer profundamente. E foi assim durante muito tempo, por doze ou treze vezes ao ano, repetia o ritual do plenilúnio, postava-se no batente da porta, que dava para o pátio, e ali, após um longo momento de contemplação, começava falar em uma língua estranha e rodopiar em volta de si mesmo, até cair inconsciente. 

Cresceu contando as luas, e, naqueles dias que antecediam ao espetáculo celeste, ele se transformava, ficava quieto, silencioso e isolado. Gostava de refugiar-se na Grota, um riacho de água gelada, que passava atrás do sítio da fazenda. Sentava-se na sua ribanceira, e de lá atirava pedras na água. Encantava-se com os círculos que iam se formando, crescendo e indo embora. Entre uma pedra e outra, aproveitava para fazer rolar, ladeira abaixo, as laranjas que trazia consigo, num misto de gozo e felicidade.

Natinho cresceu e, aos dez anos, ficou extasiado ao se deparar com um repolho, sobre a mesa da cozinha, aquela lua verde esbranquiçada, todo fundido em camadas, como ele viria a chamá-lo. Depois do susto, ficou andando por uma hora em volta da mesa, numa contemplação circunferencial, sem saber o porquê daquele sentimento. Durante toda aquela semana pensou no repolho, chegou até sonhar que ele tinha vida e eles eram amigos. Jamais aceitou comê-lo e repreendia, enfurecido, quem o fizesse na sua frente.

Desde a primeira vez que vira uma bola, nunca mais tivera sossego. Foi num exemplar da revista Cruzeiro, esquecida por um visitante na varanda da nossa casa. Naquele dia, algo mágico aconteceu. Ficou transtornado, deu cambalhotas, chorou. Até então só conhecia as bolinhas de meia que eu confeccionava para ele brincar. Depois disso, não quis mais comer, não saia do quarto, sempre trazia consigo a fotografia da bola, comprimida no peito nu e esguio. Uma paixão avassaladora.

O tempo passava e Natinho parecia mais esquisito, mais só, redondo nas suas elucubrações, nos seus pensamentos e visões, como a que ele tivera no momento que estava no curral ajudando o pai na ordenha do gado, como ele mesmo me dissera, e uma Lobeira, dessas bem grandes e verdes, desprendeu-se não se sabe de onde e começou a levitar, movendo-se em círculos, depois caiu e quicou inúmeras vezes, até desaparecer por detrás do curral. Seu pai nada percebera, mas jamais acreditou que o nosso filho estivesse predestinado ao encantamento, como os fatos viriam a se confirmar, anos depois. Na noite em que comemorámos o Pentacampeonato, uma bola de fogo cruzou o céu da fazenda. À primeira vista, pensávamos que fosse fogos de artifício, algo a mais na comemoração da vitória do Brasil sobre a Alemanha, apenas pensamos, porque ela parecia repetir os movimentos do nosso filho. Ao sair do seu descanso aparente, zigzagueou por sete vezes, descendo em disparada de encontro ao peito dele, que se desfez em cinzas.

Guillaume Apollinaire - Poema


Guillaume Apollinaire


Guillaume Apollinaire - grafismo de m. almeida e sousa


Nasceu em Roma, em 1880, filho de uma nobre polaca e de pai desconhecido (possivelmente um oficial italiano com quem a mãe vivia na época do seu nascimento). A infância e adolescência de Guillaume e do seu irmão, Albert, repartiram-se por várias cidades, obedecendo à errância amorosa da mãe: Roma, Paris, Mónaco, Cannes e Nice.Aos 20 anos, instalado em Paris, interessou-se por literatura e política, revelando simpatias anarquistas. Começou a procurar emprego. Também nessa altura, inicia a escrita novelas eróticas para sobreviver. Nos anos seguintes, viajou até à Áustria, Alemanha e Inglaterra. Por volta de 1901, quando trabalhava como perceptor de uma família alemã, conheceu e apaixonou-se por Annie Playden, a governanta inglesa. Este amor não correspondido inspirou-o a escrever «A canção do mal amado».

Entre 1902 e 1907 publicou contos e poemas em várias revistas (incluindo a portuguesa O Portugal Futurista). Entre os seus amigos de Paris dessa altura, contam-se Picasso, Rousseau e Delaunay, entre outros.Em 1911, foi preso por suspeita de roubo de umas estatuetas fenícias do Louvre. Em 1913, publicou Alcools, uma recolha do seu trabalho poético desde 1898.Alistou-se no exército francês em 1914, e partiu para a guerra (uma ocasião que lhe serviu para se declarar «francês genuíno» e servir a sua pátria). Combateu na Cavalaria, e mais tarde passou à Infantaria. Para não perder a veia poética, trocava abundante correspondência com os amigos e a mais recente paixão não correspondida, Louise de Coligny-Châtillon (ou «Lou», como lhe chamava nos poemas). Acabou por ser ferido na cabeça pela explosão de um obus.

Depois de recuperar, e já em Paris, voltou ao trabalho: levou à cena a peça Les Mamelles de Tirésias e publicou Calligrammes. Em 1918, casou com Jacqueline Kolb (a «linda ruiva» do último poema de Calligrammes), mas enfraquecido pela ferida de combate, morreu em Novembro desse ano, de gripe espanhola. Tinha 38 anos. Foi enterrado no cemitério de Père Lachaise, enquanto pelas ruas de Paris se festejava o fim da guerra. (Fonte: Assírio & Alvim)


TIVE A CORAGEM DE OLHAR



Tive a coragem de olhar para trás

Os cadáveres dos meus dias

Assinalam o meu caminho e eu choro-os

Uns apodrecendo nas igrejas italianas

Ou entre os limoeiros

Que dão ao mesmo tempo e em qualquer estação

A flor e o fruto

Outros dias choraram antes de morrerem nas tabernas

Fustigados por ardentes ramos

Sob o olhar duma mulata que inventava a poesia

E as rosas da electricidade abrem-se ainda

Nos jardins da minha memória.


In. O Século das Nuvens, trad. Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, 2007

Francisco Perna Filho - ensaio curto

sonhar.jpg image by Marota

AETERNUM


Por Francisco Perna Filho



Ruidosos de tempo e prisioneiros das próprias sentenças, ao dispararem os seus ponteiros irrefletidamente e se repetirem em realidades tão diversas, os relógios nos dizem muito do embaraço da nossa existência.

O tempo explica tudo, a despeito de qualquer pacto ou sentimento; de qualquer nobreza ou oligarquia. Às vezes é preciso aquietar-se para ouvir os seus murmúrios, os seus sinais, embora muitos não se mostrem sensíveis a isso ou, de outro modo, não durem o suficiente para testemunhá-lo.

O agora está estampado - neste exato momento - tão óbvio quanto esta afirmação, e é por ele que comprovamos o que antes se nos apresentava como improvável, absurdo, irrealizável. Tudo às claras, medonhamente plausível: a materialização da nossa insuportável espera, da constatação da nossa perecibilidade.

Talvez com os anos tenhamos a certeza de que o futuro é uma invenção, não chegaremos nunca a ele. O presente é o que somos, modelados à forma do nosso passado, das nossas recordações. Tão somente existimos, e existimos porque lembramos, porque somos capazes de nos convencer da unicidade do tempo, da fluência de suas teias a enredar a nossa ilusão, a magia da nossa permanência.

Nada passa incólume ao tempo, nada dele se esconde, muito embora tantos tentem provar o contrário: que os digam os potes de Renew, Cronos, Neutrogena, substâncias retardadoras do envelhecimento, abrandadoras das rachaduras da pele, restauradoras das nossas ilusões. Nada disso cicatriza as erosões da alma.

O que sabemos da vida, a não ser que a possuímos até perdê-la. Melhor dizendo, como encaramos o nosso dia-a-dia e refletimos o nosso modo de existir? Não estaríamos distantes demais daquilo que seria considerado ideal para um ser humano?

Se a morte é a única certeza que nós temos com relação ao futuro, o que nos parece óbvio, a ausência que ela provoca pode ser relativa, ou melhor, o que se supõe como fim, pode ser apenas o começo de uma perpetuação.

O ápice do amor é a morte, diz George Bataille, no seu livro O Erotismo, já que, para que se tenha vida, é preciso que outros seres morram, e isso só se dá no paroxismo do amor, aqui entendido como a força de Eros: vida, em oposição a Thanatos, morte.

Tudo o que temos ou fazemos agora, sem sombra de dúvida, amanhã será lembrança, e seremos lembrados na mesma proporção das nossas ações, dos nossos acordos, dos nossos desatinos. O que diferencia uma manhã de sol de uma manhã de chuva é apenas a forma como elas se mostram, as manhãs continuarão sempre manhãs, até que anoiteça, e elas serão apenas lembranças, como o são: O 11 de setembro, O massacre no Iraque, O acidente de Chernobyl, a desencapsulação do Césio 137. Numa linguagem mais moderna, o passado nos forMATA.

Tudo o que vemos e assistimos, talvez nos permita sonhar. Sonhar com um tempo de paz e consciência, quando os homens não mais brigarão pelo poder. Quando a força da grana, das imposições religiosas, das ideologias opressoras, não mais nos afrontará. Quando os homens, libertos de qualquer opressão, passearão livres pelas palavras e com elas comporão os seus países, as suas cidades, os seus jardins, sorverão o perfume das dálias, madressilvas, hibiscos e jasmins.


Imagem retirada da Internet: tempo

Visgo Ilusório

Inicial

LITERATURA

Lembranças de uma infância em versos

Obra Visgo ilusório será lançada hoje pelo escritor Francisco Perna Filho

Shara Rezende
Palmas

Uma das coisas mais difíceis na vida é encontrar a palavra certa para aquilo que queremos expressar. “Pois bem, escritores, poetas, compositores, todos eles de alguma forma já trataram desse assunto, falaram da luta diária pelo verbo preciso, pelo vocábulo não corrompido, pela palavra ideal para traduzir um estado de espírito, um sentimento vivido, ou para, simplesmente, relatar as impressões do cotidiano.” É partindo dessa ideia que o escritor Francisco Perna Filho escreveu o livro Visgo ilusório a ser lançado nesta quinta-feira, às 20 horas, na Cantina Boa Massa, em Palmas.

A obra faz parte da coletânea Goiânia em Prosa e Verso, uma parceria entre a Prefeitura da Capital goiana, editora Kelps e a Universidade Católica de Goiás. “Se trata de um livro de poesia, onde conta lembranças da minha infância, daí veio o nome visgo, que era uma pasta colante feita com substâncias extraídas de uma jaqueira utilizada para aprisionar pássaros. Partindo disso, eu fiz essa analogia para o texto e poesia, porque a palavra é uma convenção humana, nós nos convencionamos a chamar as coisas por um determinado nome sendo que aquilo é arbitrário, tentamos nos aproximar ao máximo, mas às vezes aquela palavra ainda não consegue expressar o que queremos”, diz o escirtor ao explicar o motivo do nome do livro. “Porque a palavra está presa ao seu significante e significado, na verdade, é apenas um ilusão e o poeta luta contra isso.”

O livro é dividido em cinco partes que retrata as poesias da infância do escritor. “Eu começo com O olhar, em que eu trago poesias da minha infância, do meu pai e uma autobiografia. Depois vem o Voo onde eu falo da poesia e do ofício do poeta, tem o Mergulho que é mais voltado aos sentimentos, e depois tem o Revoo onde eu reflito sobre o homem que está preso sob as mazelas da humanidade. Por último tem o visgo que trata da modernidade, do trânsito, do caos diário”, finaliza.

Coletânea

A coletânea é composta por 100 obras de diferentes autores que falam da capital goiana em verso ou prosa. Cada livro terá mil exemplares, sendo que 700 serão distribuídos em escolas, bibliotecas e universidades de Goiás. Os números restantes serão entregues aos autores, como forma de pagamento autoral, e poderão ser vendidos.

A ideia da coletânea é reunir o trabalho de um escritor com o de um artista plástico. Visgo ilusório está acompanhado da pintura Rio vermelho, do pintor goiano Amaury Menezes. Perna Filho já faz um trabalho semelhante em seu blog pessoal Banzeiro - a poesia em movimento, que pode ser acessado pelo link http://banzeirotextual.blogspot.com/.

Saiba mais
Autor

Francisco Perna Filho nasceu em Miracema do Tocantins, onde teve os primeiros contatos com a literatura. É mestre em Letras e Linguística - estudos literários, pela Universidade Federal de Goiás. Tem três livros publicados: Refeição, de poesia, lançado em 2001 pela editora Kelps; As mobílias da tarde, poesia, publicado pela Perna e Leite Editores, em 2006; e Criação e vanguarda: Bopp e Barros, crítica literária publicada pelo projeto Goiânia em prosa e verso, em 2008.


Prêmio Literário

LiteraCidade


poemas, contos e crônicas – tema livre / 2010/1 - tema livre



Os professores Abilio Pacheco e Deurilene Sousa – organizadores da Antologia Literária Cidade – promovem este prêmio literário nacional com o intuito de incentivar novos talentos literários, valorizar produtores literários já existentes e trazer a lume para o público da Região Norte estes nomes, de modo a valorizar, incentivar e promover a leitura.

Mais informações, clique aqui


Damário Dacruz - Poema


DAMÁRIO DACRUZ
(27/07/1953 - 21/05/2010)




Gran Finale



Avise aos amigos
que preparo o último verso

A vida
dura menos que um poema

E no alvorecer mais próximo
saio de cena.




Poema enviado pelo amigo/poeta José Inácio Vieira
Foto by Sinésio Dioliveira

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