Lançamento do meu livro - Poemas

Darcy França Denófrio - Poema












ALGA MARINHA


Alga marinha lançada ao mar aberto,

navego à deriva — não estou presa a nada.

Quero achar o meu caminho — o do começo —
mas me instalaram nesse arremesso
e não conheço a maré do princípio
que me jogou nesse permanente risco.

Alga marinha nesse amaro mar,
sem pontos cardeais, mapa-múndi
ou estrela-guia, vivo à deriva.

Não conheço meu porto (asseguro)
e um dia só serei verdes cabelos
envolvendo corpos destroçados

que viajaram na maré montante
e chegaram afogados de aurora
à praia maior - de todos os oceanos.


(In.Amaro mar, pág. 37, 1988

Imagem retirada da Internet: Alga marinha

Miguel Jorge - Poema


Coração



Há que se entender o homem
e seu devoto coração
sobre as poeiras das emoções
alquimia de peles ardentes
película de ouro soprando cinzas: jogo do fogo
ou um pobre diamante
que se corta e se fere
um espinho entreaberto
incerto.
Há que se entender o homem
e seu coração acrobata
no silêncio de suas mágicas
e que ninguém perceba suas taras
suas tiaras seus truques
seus gorjeios e perigos
seus sussurros seu exasperado
esforço de polvo.
Há que se entender esse devoto coração
de cada noite de cada dia
colhendo em seus roubos e arroubos
(em sua oficina torta)
uma reflexão quase morta:
Ah, esse chacal enjaulado
camuflado com armadura
de muitas armadilhas
em sua tessitura
tem um toque de ouro na rede de couro
esse senhor dos reclames comerciais
da Coca-Cola ou dos chicletes
das bananas espaciais
move-se em liberdade pequena.
Ah, esse coração
flor universal
é nervo aveludado
em todos os tempos enlaçado.
Ah, esse coração plantado com rosas mecanizadas
é talvez um sonho
ou uma fábula mal contada
com figuras quebradas
mais tarde reencontradas
ASSASSINADAS.


Poemas do livro Profugus, Goiânia - 1990.
Imagem retirada da Internet: balões

Fausto Rodrigues Valle - Poema


O Banzeiro Textual presta uma homenagem ao amigo e confrade Fausto Rodrigues Valle, falecido ontem, 12/05/2010, em Goiânia. Nascido em Araxá, MG, no dia 22 de agosto de 1930. Filho de Delvo e Artemira, 1o. filho de 13, veio com a família para Goiás em 1931. É médico formado pela UFMG. Ex-professor da UFG, no Departamento de Pediatria, exercendo funções administrativas, como Vice-Diretor da Faculdade de Medicina, Pró-Reitor de Graduação e outras. Seu nome literário passou a ser Fausto Valle, estampado na capa dos últimos livros.Durante quase 10 anos, foi diretor do jornal Voz do Oriente, órgão oficial do Grande Oriente de Goiás, no qual publicava meus artigos maçônicos. Ao mesmo tempo, coordenei durante 6 ou 7 anos, pela Maçonaria, o Concurso de Contos: Professor Venerando de Freitas Borges, em homenagem ao maçom e primeiro prefeito de Goiânia. Escreveu uma peça mística para a Ordem Rosacruz, encenada em Brasilia, Escreveu vários textos para teatro de bonecos (mamulengos) e algumas monografias para a Ordem Juvenil. A AMORC tem os direitos autorais de todos esses trabalhos. Participação em Antologias: A Fonte do Sal (1988). Livros de Poesia: Cravos Sobre a Mesa (1992), livro este que recebeu menção honrosa no extinto Concurso José Décio Filho. Relógio de Areia (1998),prêmio Bolsa de Publicações Wilson Cavalcanti Nogueira, da Fundação Cultural de Pires do Rio - 1997. Aldeia Absurda (1999) e Poemas Dispersos (2005). Livros de Contos:Confraria dos Marimbondos (2001); Um Boi no Telhado (2005); Além do Vão da Janela (2009). Prêmios Literários:Troféu Goyazes, concedido pela Academia Goiana de Letras, 2004; Troféu Tiokô, Literatura, concedido pela UBE 2009; dois prêmios de Melhor Texto, em duas oportunidades, no Concurso de Poesia falada, da Fundação Cultural de Pires do Rio - GO. Diploma honorífico de Cidadão Goianiense, conferido pela Câmara Municipal de Goiânia.


Flagrante


Pela rua vazia
o homem curvado
Ao próprio peso,

para de súbito,
olha atentamente
o céu de chumbo,

abre o guarda-chuva,
à pressa, some
de meus olhos

sem que eu saiba
seu pensamento,

que eu saiba dele
alguma coisa.


Imagem retirada da Internet: Fausto Rodrigues Valle

Milton Nascimento e Lô Borges - Show

Valdivino Braz - Poema

OS DESAMORADOS



Penso na mulher que amei

com o meu amor distanciado.

O tempo e a distância fizeram-nos frios,

mesmo quando juntos,

com os abraços do constrangimento.


Ah, foram difíceis nossos abraços,

carentes, mas desamorados!

Incômoda a compaixão por uma estranha

que me deixava, em seus braços, deslocado.


E assim minha mãe se foi embora deste mundo,

sem que eu aprendesse a amá-la como devia,

nem nunca me sentir por ela amado.

Ó mãe, amamo-nos ao nosso modo,

um do outro que fomos sempre separados?


Muito me bateram na vida,

menos minha mãe com suas mãos ausentes.

Minha mãe completamente

analfabeta e falta de filhos;

pariu quatro — eu vazio dela,

falto me fiz.


Foi ao morrer que ela me bateu pela única vez.

Foi.

E quem disse que palmada de mãe não dói?

——

Poema extraído do livro Arabescos num chão de giz — Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos (Goiânia, 1988); Menção Honrosa, sob o título Cantos do Carbono, na 1ª Bienal Ímpar de Poesia Estância Itanhangá (Goiânia, 1987/1988).


Imagem retirada da Internet: mãe

Carlos Drummond de Andrade - Poema



Maternidade



Seu desejo não era desejo
corporal.
Era desejo de ter filho,
um só filho que fosse, mas um filho.


Procurou, procurou pai para seu filho.
Ninguém se interessava por ser pai.
O filho desejado, concebido
longo tempo na mente, e era tão lindo,
nasceu do acaso, o pai era acaso.


O acaso nem é pai, isso que importa?
O filho, obra materna,
é sua criação, de mais ninguém.
Mas lhe falta um detalhe,
o detalhe do pai.


Então ela é mãe e pai de seu garoto,
a quem, por acaso,
falta um lobo de orelha, a orelha esquerda.



In. O Corpo.

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