Miguel Jorge - Poema
Fausto Rodrigues Valle - Poema
Valdivino Braz - Poema
OS DESAMORADOS
Penso na mulher que amei
com o meu amor distanciado.
O tempo e a distância fizeram-nos frios,
mesmo quando juntos,
com os abraços do constrangimento.
Ah, foram difíceis nossos abraços,
carentes, mas desamorados!
Incômoda a compaixão por uma estranha
que me deixava, em seus braços, deslocado.
E assim minha mãe se foi embora deste mundo,
sem que eu aprendesse a amá-la como devia,
nem nunca me sentir por ela amado.
Ó mãe, amamo-nos ao nosso modo,
um do outro que fomos sempre separados?
Muito me bateram na vida,
menos minha mãe com suas mãos ausentes.
Minha mãe completamente
analfabeta e falta de filhos;
pariu quatro — eu vazio dela,
falto me fiz.
Foi ao morrer que ela me bateu pela única vez.
Foi.
E quem disse que palmada de mãe não dói?
——
Poema extraído do livro Arabescos num chão de giz — Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos (Goiânia, 1988); Menção Honrosa, sob o título Cantos do Carbono, na 1ª Bienal Ímpar de Poesia Estância Itanhangá (Goiânia, 1987/1988).
Imagem retirada da Internet: mãe
Carlos Drummond de Andrade - Poema
Maternidade
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Vinícius de Moraes - Poema
Minha Mãe
In.Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, pág. 186.Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.
Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
Imagem retirada da Internet: Mãe
Affonso Romano de Sant 'Anna - Crítica
Dito isto, tenho que me demorar ainda mais um pouco sobre a questão do necrológio já que a autora do interessante ensaio "O sapateiro Silva" insiste em sapatear sobre a sepultura de Wilson Martins. Consideremos o sentido do necrológio tanto na sociedade primitiva quanto na civilizada. Diga-se logo, que ao negar aos outros que façam o necrológico afetivo ou intelectual de Wilson Martins, talvez Flora esteja escrevendo um epitáfio para si mesma enquanto crítica, além de promover uma desleitura do que significam os necrológios na antropologia e na sociologia.
A celebração, a evocação dos mortos não é uma aberração nem pode ser abolida pela pretensa racionalidade de alguém, pois são exigência do imaginário humano. As sociedades recorrem a esses rituais para elaborar sentimentos, remorsos, fantasias e até dialogar com a morte. Diz L.V.Thomas que "o homem é um animal que enterra seus mortos". Acrescenta Françoise Charpentier que "nenhum grupo humano se desinteressa de seus cadáveres". E Michel Ragon ("L'espace de la mort") arrola umas 15 maneiras que as diversas culturas elaboraram de lidar com seus mortos: fazendo tumbas, incinerando, praticando o canibalismo, expondo-os às bestas ferozes, jogando ao mar, lançando ao fogo, colocando em urnas, árvores, nichos, etc.
Na tragédia "Antígona", Sófocles narra a patética estória da heroína procurando enterrar seu irmão Polinice, ao qual o rei Creonte negava o direito de sepultura. Antígona enfrenta o poder e enterra o irmão. Negar a sepultura e o ritual necrológio a Polinice foi o principio crítico da decadência de Creonte, como advertiu o sábio Tirésias.
Só nos regimes e mentalidades autoritários destroem-se cemitérios, apaga-se a história, faz-se tabula rasa do passado. Os familiares dos mortos na última ditadura que tivemos (e eu vivi este período) ainda clamam pelo direito de enterrar seus "desaparecidos". De resto, neste caso, é bom lembrar aquele imperador chinês, que mandou não só matar todos os sábios da corte, mas queimar seus livros, e decretou que a história começasse com ele mesmo.
Por sua vez, a cultura barroca, refazendo os costumes arcaicos, elaborou uma oratória, um elogio fúnebre que era um gênero literário dos mais considerados e com uma função social específica. Phillippe Ariès nota que uma das características da sociedade industrial "contemporânea" (e Flora se quer "contemporânea), é perverter, disfarçar e até interditar o sentimento de morte. No entanto, mesmo modernamente, o necrológio, sobre ser um fato sócio-antropológico, é também um gênero jornalístico e literário cultivado com singularidade pelo "The Times" e "The New York Times", que têm redatores especializados no assunto.
Lembro essas coisas, mas me dou conta que o incômodo que a figura de Wilson Martins provoca em Flora é de tal ordem, que ela esta execrando até mesmo os necrológios feitos sobre cadáver recente.
Talvez se devesse lhe dizer: Flora, você não tem que levar flores à tumba de Wilson Martins. Mas também não tem que dar chutes nem tentar destruir sua lápide.
2. O MITO DO HERÓI SOLITÁRIO
No processo de decomposição da imagem de Wilson Martins Flora Sussekind refere-se, por duas vezes, ao fato que alguns o consideram um "herói solitário". Ela ironiza essa expressão ou idéia que estaria expressa ou subentendida nos textos escritos sobre ele.
Aqui a questão torna-se constrangedora e pode-se supor que ela desconhece não só a obra como a própria vida desse anti-herói. É querer ignorar que ele abriu mão de agremiações literárias, abriu mão de grupelhos e de partidos e centrou-se desde sempre no seu fazer critico. É não saber que por ter as opiniões criticas que tinha, foi despedido de vários jornais. E no último jornal em que trabalhou, ou não recebia pagamento ou tinha que se esforçar para tal. É querer negar o que há de solitário e heróico em realizar, sozinho, uma obra complexa como "História da Inteligência Brasileira", em 7 volumes . É querer invalidar além dos 2 vols de "A crítica literária no Brasil" os 17 volumes de críticas jornalísticas. É querer negar que é o único historiador e crítico que fez uma leitura abrangente de nossa cultura de 1500 até 2010. Ninguém fez isto entre nós. E noutras literatura não sei de nada semelhante. Durante sua trajetória alguns críticos evidentemente surgiram, mas trabalharam apenas alguns anos e pararam ou foram desestimulados. Ele persistiu desde 1942 até 2010, portanto, quase 70 anos. E é isto que a autora de "Até segunda ordem não risquem nada", com meia dúzia de argumentos mal alinhavados, quer jogar no lixo.
Alguém pode até dizer malevolamente: melhor se Wilson Martins tivesse lido menos e pensado mais. Como tirada tem lá sua graça momentânea, mas não se ajusta a ele. Quem pretende ser crítico e historiador tem mesmo que ler “tudo” e não pode resumir-se a elogiar seus confrades e a operar pela exclusão (coisa que é muito familiar à autora de "Papéis colados"). E Wilson Martins, crítico semanal, estava na "linha de fogo" opinando sobre obras ainda não canonizadas. Como escrevi em outra ocasião ao longo de cinco décadas de atividade critica ele pode ter feito um inimigo por semana, ou seja, uns 2.600 ao longo de 50 anos. E certamente Flora é um deles, pois Wilson Martins mostrou o que ele chama de "falácias" de seu livro - "O Brasil não é longe daqui".
Lembremos, por outro lado, que essa obra extensiva e intensiva que Wilson Martins produziu, ele a elaborou não com uma equipe, mas individualmente, só, solitariamente, num tempo em que não havia Google ou internet. E mais, a executou apesar das suas deficiências físicas, movendo-se com dificuldade para chegar aos locais de trabalho e fazer suas pesquisas. Por isto, embora eu possa discordar dele quanto à leitura ou o julgamento de um autor ou outro, ou de uma idéia ou outra, diria que ele com sua deficiência física é mais imprescindível à cultura brasileira que outros com sua deficiência intelectual.
Uma das coisas mais irônicas, paradoxais, senão patéticas, que se pode constatar no texto de Flora é que ela, em alguns aspectos, está defendendo as mesmas teses de Wilson Martins, sem o saber. Em 1996, numa entrevista dada a José Castelo o crítico já assinalava a "morte da critica literária no Brasil". Dizia, com a autoridade que tinha, que "nos jornais propagou-se com rapidez a ideia de que a critica literária não tem mais importância". Portanto, Flora está atrasadíssima no seu diagnóstico.
Garcia Marquez tem o conhecido romance, "Crônica de uma morte anunciada" e vários autores têm livros onde falam da segunda morte de seus personagens. Isto me ocorre enquanto analiso o que está sucedendo nessa tentativa de novo assassinato de Wilson Martins. Na verdade a "morte" de Wilson Martins já havia sido anunciada há muito. Ele mesmo se encarregou de divulgar isto, quando naquela entrevista em 1996 disse que a morte da critica literária estava em curso com as mudanças ocorridas na imprensa e na vida social. Neste sentido, o texto de Flora está atrasado 14 anos em relação ao de Wilson ao vir falar agora sobre "a perda de lugar social da crítica". E mais: torna-se repetitivo. Quando Wilson assinalava com tristeza e ironia que a crítica literária estava sendo assassinada, havia um toque autobiográfico nisto, porque ele era critico e estava portanto falando de seu próprio extermínio social. E essa que seria simbolicamente a morte de um gênero literário tornou-se algo mais concreto e físico quando o próprio Wilson foi demitido do jornal que agora, sem crítico de literatura, alardeia o artigo de Flora sobre a morte da crítica literária.
Portanto, com a proposta de novo assassinato de Wilson Martins e diante desse desejo de "matar uma vez mais" o critico, estamos diante de uma terceira morte. Mas como nas regras onde o mais é menos e o menos é mais, está ocorrendo um renascimento da obra do crítico, as pessoas estão procurando os seus volumes para entender a razão de tanto desejo de morte em relação a ele. A virulência despejada sobre seu nome está provocando interesse em torno de sua obra, para o tormento dos que querem autoritariamente controlar a vida e o sistema literário.
A republicação deste texto foi gentilmente autorizada pelo Poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
Foto by Aniele Nascimento
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