Vinícius de Moraes - Poema


Receita de mulher





As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da [aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior
A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ele não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.



In. Poesia Completa & Prosa. Editora Nova Aguilar - 1985

Imagem retirada da Internet: Catherine Zeta Jones

Vinícius de Moraes - Poema




A morte de madrugada


Uma certa madrugada
Eu por um caminho andava
Não sei bem se estava bêbedo
Ou se tinha a morte n’alma
Não sei também se o caminho
Me perdia ou encaminhava
Só sei que a sede queimava-me
A boca desidratada.
Era uma terra estrangeira
Que me recordava algo
Com sua argila cor de sangue
E seu ar desesperado.
Lembro que havia uma estrela
Morrendo no céu vazio
De uma outra coisa me lembro:
... Un horizonte de perros
Ladra muy lejos del río...
De repente reconheço:
Eram campos de Granada!
Estava em terras de Espanha
Em sua terra ensangüentada
Por que estranha providência
Não sei... não sabia nada...
Só sei da nuvem de pó
Caminhando sobre a estrada
E um duro passo de marcha
Que eu meu sentido avançava.
Como uma mancha de sangue
Abria-se a madrugada
Enquanto a estrela morria
Numa tremura de lágrima
Sobre as colinas vermelhas
Os galhos também choravam
Aumentando a fria angústia
Que de mim transverberava.

Era um grupo de soldados
Que pela estrada marchava
Trazendo fuzis ao ombro
E impiedade na cara
Entre eles andava um moço
De face morena e cálida
Cabelos soltos ao vento
Camisa desabotoada.
Diante de um velho muro
O tenente gritou: Alto!
E à frente conduz o moço
De fisionomia pálida.
Sem ser visto me aproximo
Daquela cena macabra
Ao tempo em que o pelotão
Se punha horizontal.

Súbito um raio de sol
Ao moço ilumina a face
E eu à boca levo as mãos
Para evitar que gritasse.
Era ele, era Federico
O poeta meu muito amado
A um muro de pedra-seca
Colado, como um fantasma.
Chamei-o: Garcia Lorca!
Mas já não ouvia nada
O horror da morte imatura
Sobre a expressão estampada...
Mas que me via, me via
Porque eu seus olhos havia
Uma luz mal-disfarçada.

Com o peito de dor rompido
Me quedei, paralisado
Enquanto os soldados miram
A cabeça delicada.

Assim vi a Federico
Entre dois canos de arma
A fitar-me estranhamente
Como querendo falar-me
Hoje sei que teve medo
Diante do inesperado
E foi maior seu martírio
Do que a tortura da carne.
Hoje sei que teve medo
Mas sei que não foi covarde
Pela curiosa maneira
Com que de longe me olhava
Como quem me diz: a morte
É sempre desagradável
Mas antes morrer ciente
Do que viver enganado.

Atiraram-lhe na cara
Os vendilhões de sua pátria
Nos seus olhos andaluzes
Em sua boca de palavras.
Muerto cayó Federico
Sobre a terra de Granada
La tierra del inocente
No la tierra del culpable.
Nos olhos que tinha abertos
Numa infinita mirada
Em meio a flores de sangue
A expressão se conservava
Como a segredar-me: A morte
É simples, de madrugada...


Imagem retirada da Internet: Federico Garcia Lorca

Francisco Perna Filho - Poema


Transformação



Peixe na linha,
rima de pescador.
Encontro de águas e arco-íris.
Rio quebrado nas voltas dos olhos,
no piscar dos barcos,
na manga de chuva.
Perpetuado no mormaço da existência.
Os olhos observam o ritmo:
na rima quebrada de peixe fugido,
na desalegria de morte escapada,
na deselegância de mesa-objeto, sem pão.
O rio continua
no riso pálido do pescador extático,
no hiato das culturas,
na incontinência dos jovens poetas.
Linha, água.
Peixe, anzol.
Pescador.


In.Refeição. Francisco Perna Filho. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem by Murilo Vicentin peixe

Brasigóis Felício - Poema




A ÍNTIMA PÁTRIA



“A pátria é o embaixo das roupas”: (1)

nas personas que a levam

nos dentros das partes pudendas

é sentida como ruas conflagradas,

ocultas à visão do público.


Em nações amedrontadas do íntimo

nos escondemos das duras verdades

que, por cruéis, são negadas,

em nossa recusa em suportá-las.


Se a pátria é o que vai

entre os refolhos das roupas,

serve de consolo saber:

“Não há uma força universal

entre as pernas, a não ser a que

nos habita entre as pernas”. (2)




(1) Pio Vargas

(2) José Ângelo Gaiarsa


Imagem retirada da Internet: Sísifo

José Inácio Vieira Melo - Entrevista


José Inácio Vieira de Melo acaba de lançar seu quinto livro de poesia: Roseiral. Cantado por Myriam Fraga, Astrid Cabral, Maria da Conceição Paranhos e Eliana Mara Chiossi nos textos da contracapa, orelha e posfácio, o poeta faz de seu universo um imenso jardim. Vermelho. E lança pedras como se fossem pétalas. Com a mesma disposição de Davi frente ao gigante, alça sua voz singular sobre os telhados do mundo. Nesta entrevista, ele nos fala de suas influências, processo criativo, sonhos, sertões, inveja e muitos outros assuntos ligados à arte de escrever e viver. Paremos para ouvi-lo.

MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Seu novo livro, Roseiral, seguindo a trilha de sua obra, é um diálogo entre o moderno e o arcaico. O que esperar de novo nesta conversa já tão antiga?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Embora compreenda “que o novo sempre vem”, os anseios por novidades a qualquer custo não me atraem. Ainda mais quando me lembro dos versos de Sierguei Iessiênin, que dizem “Se morrer, nesta vida, não é novo,/ Tampouco há novidade em estar vivo”. O que me faz recordar também de um velho adágio popular: “Abaixo do céu e acima da terra, não há nada de novo”.
O que busco é dizer as coisas de uma forma que ao menos soe pessoal. Busco expressar meus sentimentos de uma maneira que possam despertar emoções no outro, mas quando o faço, não penso no outro. Faço poesia por uma necessidade vital. Claro que existe uma preocupação estética. E nesse aspecto, como você já observou, dialogo com a tradição. Penso que ninguém cria uma obra do nada. Por mais inovadora que ela seja, sempre apresentará pontos de convergências com outras preexistentes. Acredito mesmo que as referências sejam salutares para que se possa criar algo valoroso. Quanta ‘obra de vanguarda’ não perdura mais que uma semana? A cada esquina aparece um poeta que se intitula ‘inventor’. Isso só acontece porque esses vanguardosos, que buscam a novidade desesperadamente, não leem. Uns porque não gostam de ler, outros para não verem suas ‘obras’ serem influenciadas. E, por conta dessa ignorância, apresentam pastiches de quinta categoria do que já foi feito a cem ou duzentos anos.
Eu, particularmente, não acredito em escritor que não lê literatura. Vanguarda para mim tem que ser como
Dom Quixote. E foi dessa conversa tão antiga entre Cervantes e José Lins do Rêgo que surgiu o Capitão Vitorino. Foi da conversa antiga de Lima Barreto com Cervantes que surgiu Policarpo Quaresma. E foi assim, sem querer inventar a rosa, que surgiu o meu Roseiral. Em um diálogo com os poetas que admiro e com os que vou conhecendo na minha caminhada pela existência. Ah, nada como uma prosa boa para despertar a poesia da vida!

LIMA TRINDADE – Você não inventa a rosa, mas anuncia, desde a epígrafe de Gertrude Stein, que a rosa vive e respira independente de nossas vontades, e que podemos, sim, olhar a rosa, sentir o seu odor e colher, por meio de nossos sentidos, seus múltiplos significados. Poderíamos afirmar, então, que você re-inventa a rosa? Que sua rosa é uma e nenhuma mulher, é começo e fim, amor e morte, matéria e sonho, paraíso e danação?

JIVM – Embora tudo – nos tempos e pelos tempos – seja tão semelhante, cada momento é singular. A cada instante construímos relações que vão compondo o que somos. Somos uma invenção que está constantemente a se reinventar. Nesse sentido, o Roseiral é invenção e re-invenção. A epígrafe inicial do livro, como você bem observa, aponta para isso, que uma rosa é tão-somente uma rosa, mas é também toda a possibilidade de criação. É o Jardim do Éden, do qual nos fala a Bíblia, é o Jardim das Delícias, de Bosch, oJardim das Acácias, do Zé Ramalho, são meus jardins dos Mandacarus e das Algarobeiras e, finalmente, é Roseiral – o jardim da imensidão. Eu me invento dentro desse Roseiral. Suas rosas são brasas. Suas pétalas, pedras que jogo na cabeça de Deus e de quem estiver pela frente, para que jorre a seiva escarlate e assim eu possa ver o mundo encarnado. Para além de uma elegância asséptica, busco colocar em meus versos a força do animal humano, persigo os aromas e os matizes do barro em que foi moldado.
Há um poema no livro, intitulado “Invenção da poesia”, que explicita bem as proporções do
Roseiral, a partir da estrofe inicial, que diz “Pele vestida, distribuída e refeita,/ parto para o princípio do labirinto”. Mas, logo em seguida, afirma: “Parto e principio o labirinto”. O Roseiral é um jardim, porém o seu elemento ordenador não é a plenitude, é a inquietação. É a busca da origem, da Rosa Mística, que inicia quando partimos à procura do princípio do labirinto. Acontece que, quando partimos, damos início ao nosso labirinto. O meu Roseiral é um labirinto. E, como não preciso de justificativa, “parto,/ que a peripécia não é chegar,/ que o coração só tem um fim:/ ao som do coro das sereias/ cantar o ciclo da origem”.

Astrid Cabral e Eliana Mara Chiossi avaliam
esteticamente o mais novo livro de Vieira de Melo

VITOR NASCIMENTO SÁ – A leitura de Roseiral deixa evidente uma preocupação em concatenar os poemas de um modo que a obra se torne uma espécie de organismo coeso, ou pelo menos se assemelhe a isso. Essa impressão nos é transmitida tanto no campo formal como no temático. Certamente, é luta árdua – e vã – ter controle exato sobre o que se escreve e impor-lhe uma linha coerente, uma espinha dorsal, por assim dizer. Coube a você decidir que rumo a escritura tomaria durante todo o processo ou os poemas se impuseram, um a um, ordenando-se acidentalmente? Até que ponto, essa seleção e ordenamento foram intencionais e conscientes?

JIVM – Sua pergunta é curiosa, porque o Roseiral surgiu de um sonho, de um lance de pétalas. Os ventos dadaístas, anunciados no poema “A casa dos meus quarenta anos”, visitaram-me numa certa noite, lá na Pedra Só, minha roça, e me vi como um condenado a fazer versos bem diferentes dos que estão presentes na minha produção anterior. E, logo de cara, o nome se impôs: Roseiral (Ah, quantas críticas sofri por causa desse título!). E os poemas só falavam em rosas, em mulheres, em sangue, em pedras. Logo em seguida, soube que um amigo, dos tempos de adolescência, havia cometido suicídio com um tiro, de revólver calibre 38, na cabeça. Na hora veio a imagem de uma rosa de sangue brotando violentamente da sua face. E pensava num belo roseiral escarlate nascendo em cima de um lajedo. Era uma loucura e eu não sabia que rumo daria para essa produção. O engraçado é que boa parte desses poemas foi feita com versos medidos, visitando desde as redondilhas até o alexandrino e, principalmente, o decassílabo.
No capítulo “Roseiral” há seis sonetos brancos. Mas, se algum purista – defensor rigoroso da predominância do decassílabo heróico e perseguidor das rimas raras – pegar esses poemas para ler, vai ficar apavorado, porque, além de colocar simultaneamente no mesmo soneto o decassílabo heróico, o decassílabo de gaita galega, o de arte maior, o sáfico e o de inclinação provençal, evito os preciosismos professorais. Dialogo com a tradição, mas não pretendo ser Olavo Bilac. Ao invés de ficar queimando as pestanas para fazer pastiche de quinta categoria dos poetas que me antecederam, estou explorando e experimentando. Estou fazendo meu caminho.
Paralelo a esse acontecimento das rosas, surgiram uns poemas extremamente agressivos, despudorados e violentos, que tinham endereço certo: o patriarcalismo que sempre esteve de sentinela, a massacrar as diferenças e moldá-las à sua imagem e semelhança. Na mesma linha do despudor, surgiram uns poemas eróticos que eu jamais imaginei que teria coragem de publicar.
Como pode perceber, no começo não houve nenhuma possibilidade de ordenação, pois os poemas surgiram em grupos e aos borbotões. Com o passar do tempo – meses e meses – é que fui percebendo que determinado poema não cabia naquele conjunto, mas se adequava ao outro. E a arrumação ficou de tal maneira que os capítulos desenvolvem um andamento, como se estivesse fazendo um percurso, que começa no terreiro de pedras e que leva ao jardim, labirinto escarlate por onde se faz a travessia para alcançar a calçada da juventude e, finalmente, chegar à casa da maturidade. Mas acho também que cada capítulo, ou mesmo cada poema, pode ser lido separadamente, sem que haja necessidade de traçar um roteiro.

MARIANA IANELLI – Vejo que o poeta que anunciava a calmaria, emA infância do Centauro, agora se descobre, em Roseiral, no centro de uma vertigem. Nesse magma de criação, destruição, recriação, o poema, ainda que muitas vezes assuma o tom imprecatório, ainda assim, é uma rosa, uma revanche da vida. Não será este o grande desafio do poeta, hoje, transmudar pedras em pétalas, fazendo prevalecer o amor e a beleza sobre o golpe de violência?


JIVM – O segredo que a rosa preserva alimenta a minha fome de descoberta, a minha sede de beleza. Há algum tempo, afirmei em uma entrevista que poesia para mim é salvação. É nisso que acredito. Além de uma questão de fé, é também uma constatação, pois sem a poesia eu não conseguiria sobreviver. Também professo a beleza, mas nem sempre os aspectos positivos de um determinado assunto, sejam a grandeza, a novidade e a beleza, conseguem emoldurar a expressão que se originou no eu poético. O que me leva a pensar que não existem assuntos poéticos e assuntos não poéticos. Tudo cabe na poesia, do preço do feijão até as tragédias que assolam a humanidade. O triste fim de Heitor, dedicado pai de família e guerreiro ideal, pelas mãos do implacável e furioso Aquiles, não tira a beleza dessa passagem da epopéia de Homero.
Por falar em beleza, lembrei-me de Rainer Maria Rilke, quando diz nas
Elegias de Duíno: “Pois o belo não é/ Senão o início do terrível”. E quantas vezes nos deparamos perplexos e assustados diante de uma situação, ou mesmo depois de ler um poema ou depois de ver um filme, e dizemos: Que coisa terrível! E é como se disséssemos: Que beleza! O Raimundo Fagner cantava para a minha adolescência uns versos de Antonio Brandão que me marcaram muito: “Beleza só depois de uma sangria desatada”. Não que seja masoquista, mas o sofrimento chega e entra sem pedir licença. Mesmo assim, é preciso reagir e abraçar a tarefa de transformar pedras em pétalas. Só que os olhares estão presos na vitrine, as pernas correndo atrás do carro novo, o pensamento está se especializando em conhecer cada vez mais sobre cada vez menos. E aí não há espaço para essa discussão. Então, só uma pedrada certeira para despertar a aurora das ideias.

IGOR FAGUNDES – Tanto em seus poemas quanto na entrevista, nestas suas respostas que jamais deixam de trazer o calor e o sol de um poema, como se também o fossem, ouvimos a voz dos deuses a saltar de sua boca. Em geral, quando um poeta dialoga vigorosamente com os mitos gregos, e assumindo que seria o seu caso, de imediato a crítica apressada o qualificaria (depreciativa ou elogiosamente) como erudito – poeta para poetas e não para o povo. Mas, de repente, temos um José Inácio Vieira de Melo entre algarobeiras da roça, entre o sertão e o agreste brasileiros, a chamar palavras como quem chama a seus bois, tão capaz de abraçar e comover um não-letrado quanto uma fazenda de gado o é. Um José Inácio Vieira de Melo a lembrar-nos que falar em gregos nada tem de impopular e letrado, se ali, entre os rapsodos e cantores da Grécia, tudo é corpo e oralidade, palpitando entre os homens comuns, ou melhor, incomuns. Já lhe perguntaram, aqui, acerca da convergência entre o moderno e o arcaico; contudo, penso que toda esta mitologia não apenas desfaça tal dicotomia ao derrubar a linearidade do tempo na revelação do que permanece contemporâneo, isto é, um presente jamais ultrapassável. Para além dessa dimensão temporal, imagino que, em seus versos, punge também a dimensão espacial desta mítica que entrevê na terra particular e brasileira, a terra universal. No lugar específico, o sem-lugar que abisma todas as terras. Quero, com tudo isso, chegar a uma questão: à sua habilidade de tornar o José Inácio particular e distinto em um Vieira de Melo universal, indistinto, abismal, de maneira que a história de vida do indivíduo que escreve se apresente em seus poemas com tal força, que ela mesma se torna um mito, uma mitologia para nós e em nós, seus leitores. O homem que escreve não se transforma apenas em um eu lírico que o transfigura ou dele diverge. O eu lírico também transforma este homem em certa divindade – no sentido grego e, portanto, originário. Afinal, tanto “A casa de meus quarenta anos” quanto “A calçada dos meus quinze anos” parece valer como oráculo para todos os que com seu Delfos se consultam. Diante disso, gostaria de saber se acredita que, em toda arte, o biográfico, para ser poesia, precisa deixar de sê-lo e, a partir daí, que discutisse até que ponto a potencialização, ou a superlativação, ou a transmutação de uma biografia contribuem para a mitificação da figura não do poeta, mas do homem que se lhe antecipa e nele se eleva.

JIVM – Rapaz, você foi longe... Mas eu estou aqui bem pertinho de uma algarobeira, sentido a brisa do sertão. Confesso que para mim é um tanto difícil explicar por qual mecanismo minha vida se apresenta na minha poesia. Mas, por outro lado, fica bem fácil quando sei que, para mim, não existe um José Inácio das obrigações cotidianas e, em separado, um Vieira de Melo poeta. Eu sou José Inácio Vieira de Melo por inteiro. Sou completamente poeta, embora saiba que não seja um poeta completo, pois sempre há searas a conhecer. Sinto que sou poeta 25 horas por dia. Não consigo dissociar minha vida da minha poesia. Sei que existem poetas bem mais competentes que eu, com uma obra mais consolidada que a minha, que não fazem o estardalhaço que eu faço. Ficam ali, recolhidos na tranquilidade, para lembrar de Wordsworth, e poucos sabem do seu ofício de poeta. Eu não. Por onde passo, deixo o rastro do poeta. E mesmo os que não entendem bem do que se trata dizem logo: “ele é poeta”, sem que haja nenhuma intenção de valoração.
Vivo pensando a poesia que me é possível o tempo inteiro. Mas, por mais intensa que seja essa relação, por mais próxima que seja do que sou, ainda assim, não é o que sou. Esse sujeito que está o tempo todo dentro da minha poesia, que se parece tanto comigo, sou eu mesmo tentando me autenticar dentro do poema, dentro da arte. Mas, ainda assim é uma representação. É um eu lírico idealizado, que vai pedir bênção aos mitos, sobretudo os gregos e hebraicos, para se perpetuar dentro de uma tradição. Não que o biográfico não esteja presente, mas há um somatório de referências, há enxertos de ficção que superlativizam o biográfico e potencializam o mito. A partir daí, a figura humana é investida por uma couraça do imaginário, pelo poder da criação, que pode lhe conferir heroísmo e até mesmo o deificar. O homem que sou, e que se diz poeta o tempo inteiro, não consegue acompanhar o eu poeta na escalada rumo às esferas do delírio, por maior que seja a sua vigília. No entanto, as pedras que são atiradas no poeta, essas recebo todas. Em dobro, até.
No que se refere aos mitos, sempre achei que são coisas do povo. De um lugar para outro, de uma época para outra, mudam-se os nomes, mas são as mesmas figuras mágicas que vêm atender as necessidades de milagres e de punições das tribos, dos povos. Apesar do diálogo com os mitos gregos, sinto-me um poeta de inclinação bíblica, um pastor de nuvens e de versos. Os meus livros anteriores devem tributo ao poeta Davi, o salmista. Já neste
Roseiral, os Cânticos dos Cânticos de Salomão são uma referência mais próxima. A seiva das rosas escarlates do Roseiral trouxe um novo tônus para minha poesia.

MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Tenho uma visão até óbvia de sua poesia: a forte presença da terra, do semear. E isso é um jeito meio esquecido pelos poetas contemporâneos, tão urbanos e violentos. Você é sertão, só que se conhece uma infinidade de sertões metafóricos – Zé Limeira, João Rosa, Zé de Alencar, Rachel, Mestre Graça, Cabral –, enfim, onde se localiza sua geografia íntima?

JIVM – Pois é, o sertão é o mundo, como nos ensina o Mestre Rosa. Por outro lado, o bardo cantador Elomar traz notícias de um sertão profundo, de dentro. A minha geolírica situa-se nessas plagas das quais falam João Guimarães Rosa e Elomar Figueira Mello. Um sertão íntimo, de dentro, tão intenso, que faz com que para onde eu olhe vislumbre o sertão planetário do poeta Gerardo Mello Mourão, a roça de estrelas de José Chagas e de Jorge de Lima. O sertão cósmico de Roberval Pereyr e de Antonio Brasileiro.
A minha geografia íntima é abismal e localiza-se no terreiro do meu ser – bem longe da balbúrdia dos modismos. Deitado nas relvas de Whitman, de dia pastoreio nuvens – de Pessoa e de Davi – no curral da imensidão azul. À noite, do balanço da rede, cultivo as estrelas nos labirintos de Borges, que trazem brilho, inquietação, suspiro, inspiração. O sopro lírico de Drummond e de Ruy Espinheira Filho. Cada estrela tem nome de poeta – Bandeira, Lorca, Kaváfis, Rilke, Murilo – e faz parte de uma constelação. Misturam-se e renovam-se. Morrem e renascem. E continuam. Tantas e tantas. Os que citamos e mais Herberto Helder, Cecília Meireles, Alberto da Cunha Melo, Maria da Conceição Paranhos, Francisco Carvalho, Myriam Fraga, Wilmar Silva, Mariana Ianelli, José Alcides Pinto, Astrid Cabral, Alexandre Bonafim e vários outros.

LIMA TRINDADE – Sinto que a ocupação desses diversos topos – como no caso do sertão (interior e exterior) e do urbano, da mistura de matizes eruditas e populares, da influência da cultura de massa em todas as esferas, do surgimento de novas configurações políticas e comportamentais – marca a literatura contemporânea e também a sua poética, que não escolhe um único ponto de vista, mas múltiplos. Você concorda com essa afirmação? Enxerga singularidade na produção dos poetas desse início de século?

Nietzsche: “Somente quem tiver o caos dentro de si
Poderá dar luz à grande estrela bailarina”.

JIVM – A contemporaneidade jogou o ser no cerne do caos. Vivemos num globalitarismo que coloca todos em um suposto pé de igualdade, que relativiza as culturas em nome de uma cultura global. Mas sabemos que isso tudo é uma falácia. O que se percebe mesmo é a imposição de uma cultura dominante que determina comportamentos e estabelece padrões.
A poesia, como toda arte, questiona, subverte, mostra possibilidades para novos caminhos. E não é de se estranhar que, nesses tempos de indagação, o paradoxo seja a melhor afirmação a se oferecer. Não há muito que filosofar. Ninguém vai ficar se perguntando “quem sou eu?” no momento em que perde um braço. Mas o pior de tudo é que a maioria dos poetas – tão intrincados nos estudos culturais – está sem caminhos. Então, esses poetas, preferem ficar usando palavras soltas, mecânicas. Assemelham-se tanto aos robôs que os computadores parecem mais sensíveis. Seria preferível que se jogassem no abismo e bradassem humanamente. Talvez aí houvesse algum indício de liberdade para criar uma poesia que desperte emoção no leitor.
Mas nem tudo está perdido. Apesar de achar que é muito cedo para se falar em singularidade, existem poetas aflorando no alvorecer desse novo milênio que são avatares (para usar uma palavra que está em circulação). Poetas que não mataram a criança e que preservam suas humanidades. Não pense que sou apocalíptico. Apesar do momento caótico em que vivemos, comungo com Nietzsche quando afirma que “somente quem tiver o caos dentro de si, poderá dar luz a grande estrela bailarina”.

VITOR NASCIMENTO SÁ
– Entre as pedras que são atiradas no poeta, obviamente, há a crítica negativa daqueles que resolveram se colocar na vida como seus adversários poéticos, se é que isso faz algum sentido. Quem acompanha de perto sua produção – seja a publicação dos cinco livros (incluindo Roseiral), seja a realização dos eventos literários e culturais ou a sua atuação na internet – sabe que há aqueles que vivem espreitando seus passos e fazendo um esforço tremendo para negar tudo, infamar ao máximo. Por outro lado, se levarmos em conta a idade de sua poética (aproximadamente uma década) sua fortuna crítica é imensa e chove comentários elogiosos de nomes consolidados. Como é viver, poeticamente, assim, entre a simpatia de tantos e a extrema ojeriza de alguns? O que você aguarda desses opostos com o lançamento de Roseiral?

JIVM – Olha, não tenho do que me queixar. Minha poesia tem merecido a atenção de nomes significativos da literatura brasileira, das mais diversas vertentes e de diferentes gerações, como você bem observou. Vai longe o tempo em que eu tinha uma preocupação em conseguir uma editora para publicar meus livros. Hoje em dia, os convites são vários. Na verdade, tenho aberto portas para outros poetas publicarem seus livros por editoras que garantem, ao menos, uma boa distribuição. E é bom lembrar que estamos falando de poesia, gênero que não desperta o interesse da grande maioria das editoras, por conta da falta de leitores e, consequentemente, pela falta de consumidores.
Existe, no estado da Bahia, meia dúzia de pobres diabos que, movidos por uma inveja corrosiva, estão empenhados em difamar a minha pessoa e de desmerecer a minha produção poética. Esquecem de trabalhar (e passam a roubar), esquecem de suas famílias (que, por sua vez, procuram alento em outros braços), esquecem de si próprios (alguns têm até o álibi de serem loucos) e se dedicam completamente ao José Inácio Vieira de Melo. Não sabem, coitados, o quanto contribuem para que, cada vez mais, meus versos ganhem espaço.
Para o
Roseiral não aguardo nada. Não sou de esperar. Gosto do movimento, do ritmo, de andar, de fazer as coisas acontecerem. Por enquanto, há oito lançamentos marcados: Aracaju, Belo Horizonte, Salvador e cinco cidades do Vale do Jiquiriçá. De modo que não tenho tempo para desperdiçar com as bobagens dessa meia dúzia de delinquentes.

Rainer Maria Rilke: uma referência para o autor de Roseiral

MARIANA IANELLI – No poema "Fuga", um dos primeiros do livro, você fala do momento em que "o homem chega dentro da criança" e aparecem os "sonhos - fuzilados no horizonte". O poeta, aí, não apenas antecipa sua fuga, mas anuncia, creio eu, todo um processo de enfrentamento e assimilação de forças contrárias que viremos a acompanhar ao longo de todo o livro. Esse conflito com um "patriarcalismo", como você mesmo disse, poderia ser compreendido, a meu ver, como uma batalha que se passa internamente, uma batalha que, por ser sanguínea, abrasadora, desperta também seu correlato subversivo de erotismo e paixão. Sob esse ponto de vista, pode ser que nesta "odisseia", título, aliás, de uma das seções do volume, o poeta se transmude não em Ulisses mas em Telêmaco, em busca do pai, para enfrentá-lo, numa viagem poética rumo às origens que põe a salvo a criança dentro do homem. Na seção "A calçada dos meus quinze anos", que concentra os poemas talvez mais significativos dessa batalha, a representação do banquete ocorre em três poemas, um deles intitulado "Canibal", o que me faz pensar novamente em um processo de assimilação poética, e por que não dizer, de transubstanciação, como indicam os versos do poema "Vampiro": "Sim, beberei teu sangue / quão saboroso é o vinho / que corre em tuas veias". Isto me lembra o que dizia Nikos Kazantzakis, emCarta a El Greco, sobre o dever de "reconciliar os irreconciliáveis" e arrancar do fundo de si mesmo "as espessas trevas ancestrais para delas fazer luz". Kazantzakis se referia aos antepassados que combatiam dentro dele, a terra e o fogo: "bons camponeses" por parte de mãe, "corsários sanguinários" por parte de pai. Gostaria, na verdade, que você comentasse um pouco sobre esse conflito interno, se ele existe, e como você o reavalia, agora, tendo cumprido mais este "ciclo da origem" que sua voz, já desde os primeiros poemas de Roseiral, profetizava.

JIVM – Eu cresci marcado pelo signo da diferença. Somos cinco irmãos. Todos homens. Sou o terceiro. Na verdade, sou o sétimo, visto que minha mãe teve nove filhos. Cinco vingaram. Pois bem, a partir de meus sete anos, o refrão que mais escutei, e que perdurou até os 20 anos, quando vim morar na Bahia, foi: “– Esse menino é todo diferente dos outros!” E foi com sete anos que tive de descer do fusca e ficar sozinho na entrada da fazenda, que distava uns três quilômetros da sede. Eu até hoje me lembro do meu pasmo e do imenso abandono que senti. Meu avô Moisés, quando soube, saiu correndo ao meu encontro...
Na adolescência, quando estudava em Maceió e passava os finais de semana e as férias no interior, o fato de gostar de usar cabelos grandes – ah, como sinto saudades dos caracóis dos meus cabelos – distanciou-me ainda mais de meu pai, uma vez que fiquei impossibilitado de sentar à mesa na sua presença durante alguns anos. É aquela coisa lá do poema “Banquete”. Não é muito fácil falar dessas coisas. Pois é! Mas, para tentar limpar o sentimento, só enfrentando tudo isso. E o
Roseiral veio na medida, passando o passado na lâmina.
Quero deixar bem claro que meu pai é um referencial de inteligência e de conquistas. O que ele queria era que eu o acompanhasse na sua luta desenfreada para vencer na vida. Se a minha história parece difícil, a sua é muito mais: criado por uma tia desde os dois anos, começou a trabalhar na infância, frequentou escola por menos de um ano em sua vida, casou aos 18 com uma menina de 14 que, desde os 11, era órfã de mãe. E me ofereceram do que tiveram – o abandono – e muito mais do que não tiveram: a possibilidade de estudar e muito afeto também. Esclareço que, nesse ínterim, comecei a ter problemas com bebidas alcoólicas. E durante duas décadas (dos 13 aos 33 anos) a barra foi pesadíssima, e causei muitos problemas.
Você, Mariana, além de poeta brilhante, é uma leitora extraordinária. Mostra o compasso certo desse
Roseiral: "reconciliar os irreconciliáveis". Eu, revestido por você do mito de Telêmaco, combato a tirania patriarcal que subjuga as diferenças, que massacra suas crias e, tal qual Procusto, molda o outro às suas medidas. Desse modo, a figura do Pai – que pode ser entendida como o deus, como o pai, o patrão, o governante – recebe de volta a coroa de espinhos que impõe ao filho. Depois de cumprir a travessia das rosas escarlates e de suas inúmeras pedras, sinto-me aceitando cada vez mais a minha condição de poeta. Em relação à família, pais e irmãos, estou muito distante. Parece-me que é a melhor maneira de sentir saudade e de ser tratado com respeito. No mais, tenho dois filhos – Moisés e Gabriel – que são luz em minha vida. Que alegria despertam em meu ser! E com que facilidade alimentam a criança que existe em mim!

Foto: Ricardo PradoJIVM: "Há algo de perdição nessa busca, porque sei que nunca vou estar satisfeito, sei que o que procuro estará sempre se escondendo detrás da árvore seguinte, do prédio seguinte e até mesmo na minha sombra"


IGOR FAGUNDES
– Disseste que, para o Roseiral, não aguarda nada, que não é de esperar. No entanto, muitos leitores esperavam um novo livro seu. Para além do que o inspirou a escrever e das elucubrações críticas que aqui fizemos, o que, em suma, afinal, podemos todos – os que já o leram e os que ainda não o leram – esperar de sua poesia? E será que José Inácio não espera nem por mais poesia em sua vida? Será que já não está chocando outros livros antes mesmo de este novo circular pelo Brasil? Tu nos deixa querendo mais poemas, mais livros, José Inácio...

JIVM – Quando falei que não aguardo nada para o Roseiral, quis dizer que não sou de ficar criando expectativas. Gosto de sair por aí, espalhando minha poesia. Não publico um livro e fico com ele dentro de casa, velando-o, esperando que algum crítico extraordinário venha descobrir o gênio que sou. Não acredito nisso. Nem tampouco fico na esperança de ganhar aquele prêmio tão desejado pela maioria. Eu corro atrás. Mesmo parado, dentro de casa, estou sempre pensando numa maneira de levar meus versos ao outro, através do mundo virtual.
Quanto aos que apreciam minha poesia, só posso dar garantia de que estarei sempre buscando... Buscando o verso que esteja afinado com meu sentimento, buscando a poesia de cada momento. Há algo de perdição nessa busca, porque sei que nunca vou estar satisfeito, sei que o que procuro estará sempre se escondendo detrás da árvore seguinte, do prédio da esquina e até mesmo na minha sombra. Eu vivo a poesia. Sinto que, a cada momento, ela apresenta-me uma nova face, ela inventa uma nova paisagem, ela me tira do chão e me conduz pelas esferas do delírio. Sinto que tenho um sorriso triste, mas a poesia me tira do sério, me deixa bobo, me deixa desse jeito que estou agora, fora do tempo, fora de mim. Completamente eu. E isto é o que há de melhor.
Escrevo pouco, uma média de 25 poemas por ano. O
Roseiral saiu e já tenho no meu matulão umas três dezenas de poemas inéditos. Claro que outros livros virão. E vai ser assim até o último dia de minha existência. Sinto que a poesia é minha vida.


MAURÍCIO MELO JÚNIOR é escritor, crítico literário e jornalista. Apresenta o programa Leituras na TV Senado. Escreve para o jornal literário O Rascunho. Autor de vários livros, entre eles No país dos Caralâmpios (história, 2006) eAndarilhos (novelas, 2007).


LIMA TRINDADE é editor da revista eletrônica Verbo21 (www.verbo21.com.br) e escritor. Publicou os livrosSupermercado da Solidão (novela, 2005), Todo Sol mais o Espírito Santo (contos, 2005) e Corações Blues e Serpentinas (contos, 2007). É mestre em Teoria da Literatura pela UFBA.

VITOR NASCIMENTO SÁ é poeta e professor de Literatura. É um dos criadores e dirigentes do Grupo Concriz (http://www.grupoconcriz.blogspot.com/), equipe de poetas e recitadores da cidade de Maracás, na Bahia.



MARIANA IANELLI é formada em Jornalismo e mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Publicou os livros de poemas Trajetória de antes (1999), Duas chagas(2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005) e Almádena(2007), todos pela editora Iluminuras.


IGOR FAGUNDES é poeta, jornalista, ensaísta e ator. É mestre em Poética pela UFRJ. Escreve para o jornal literário O Rascunho. Publicou Os poetas estão vivos(ensaios, 2008) e os livros de poemas Transversais (2000),Sete mil tijolos e uma parede inacabada (2004), Por uma gênese do horizonte (2006) e Zero ponto zero (2010)


Esta entrevista foi publicada na revista Correio das Artes, Abril/2010, Ano LXI, na cidade de João Pessoa, na Paraíba. Foi distribuída nas bancas de revista como encarte do jornal A União, no dia 25 de abril de 2010.

Valdivino Braz - Poema












The Dance Of the Intellect among Words
(Os Brinquedos de Jó Zezinho) - Parte II



Em face do que se me oferece, passo
dois dedos de prosa da província
e suas diversas espécies de carrapatos,
algumas carcaças de tatu-ninja,
uma rima fácil e um verso fóssil:
troco pelo salto-mortal duma pipoca,
e um pouco de sal no algodão-doce.

Oh, me não tomem por pedante ou arrogante,
antes pela inquietude impertinente,
ou pertinência da arte.
Por cacos de bricabraque,
a louça de quem brinca, Mandrake,
e amiúde se corta.

O corte, que importa,
se a morte é a vida que nos brinca?
E como figurar-se, de resto,
num velório de moscas,
quando se trata de uma festa
que se começa onde acaba
e se acaba onde começa?

Riverrun, Dublin,
firinfinfinnegan

Se sabonete vale quanto pesa,
e vale uma grosa doze dúzias,
pese-me o que valha a grisalha glosa
- o gozo do ferro-gusa - ,
e me guarde o velho anjo da vanguarda,
ou valha-me zombeteira gralha:
bumerangue me não jogue grogue no ringue,
com a groselha de uma droga.

Oh, me não beba o sangue
nenhum sargento-buldogue,
a soldo de um dogma,
nem me afogue no mangue
uma guangue de dobermanns,
e me não comam as sobras
os açougues da vida.

Minha vida é um brinquedo,
meu nome é Jó Zezinho.
Brinco na dança do intelecto,
brinca o homem com o poeta,
e o menino se completa.
Depois, vira passarinho.


In.A Dança do Intelecto. (Coleção Caliandra). Valdivino Braz. Goiânia: Kelps/SMC,1996, p.28-29.

PRÊMIO OFF FLIP DE LITERATURA


Estão abertas até 31 de maio as inscrições para a quinta edição do Prêmio OFF FLIP de Literatura.

Criado em 2006 como parte da programação literária da OFF FLIP, o Prêmio oferecerá aos vencedores R$ 10 mil no total, além de estada em Paraty e ingressos para mesas de debate da FLIP. Os textos serão avaliados por escritores de expressão no cenário literário brasileiro e os 30 finalistas serão publicados em uma coletânea pelo Selo OFF FLIP.

O regulamento pode ser lido clicando aqui

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