Francisco Perna Filho - Poema









Destino de pedra


De quem são os meninos
que dormem ao relento,
que sonham grandiosidades,
e sucumbem nos esgotos da cidade grande
consumidos na fumaça da própria miséria
de uma existência precária?
De onde vêm esses meninos
que cumprem um destino de pedra,
pedras de crack que sempre carregam.
Sísifos da modernidade,
armados de inconsciência,
dormitando pelos esgotos
e sucumbindo na ilusão do transitório?
De que são feitos os seus dias,
os seus olhos medonhos,
as suas almas esvaídas
na maldade inocente da química
mortífera de uma breve existência?
Para onde caminham essas criaturas
silenciadas em mentiras,
em promessas e bofetadas,
em fome de existência,
em liberdade forjada?
São filhos da rua,
da lástima do mundo,
da indiferença dos homens.
Vêm dos restos do mundo,
da miséria urbana,
das crateras da incompreensão.
São feitos do lodo da existência,
das sobras de ideologias,
do sexo barato das ruas.
Caminham em círculo,
emperdenidos apóstolos,
com suas gotas,
com suas pedras,
com seus delírios,
sem destino.


Foto by Vitor Silva - foto retirada da Internet

Antônio Rezende - Poema


Antonio Rezende




Antonio Rezende nasceu em Araguaína, Tocantins, em 10 de abril de 1964. Edita o tablóide "devezenquandário" Opinião Popular e o blog Lorota Boa. É fotógrafo amador. Está documentando em textos e imagens peculiaridades do povo e dos lugares do Brasil para publicação em livro. Faz e declama versos por pura necessidade e teimosia.




PÁRIA



com força e gana faço
o poema que fede
ou cheira
- isso depende do nariz
é claro!

pária
simplesmente
tiro pela culatra do sistema

é por hábito
não nego:
nesta podridão me cego

fecho o poema
com alma entre dentes

coração sangrando
vinho e sangue



In. Acerto de contas. Antonio Rezende. Palmas: Kelps,2007, p.33.
Imagem retirada da Internet - Vinho.

Maria Hilda de Jesus Alão - Poema







Maria Hilda de Jesus Alão



Maria Hilda de Jesus Alão nasceu em Itabaiana (SE). Estudou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santos, formando-se em Letras. Ministrou aulas de Língua Portuguesa para alunos dos Ensinos Fundamental e Médio. Estudou francês na Aliança Francesa de Santos e espanhol no CNA. Participou de muitos concursos de Poesias e Antologias, tendo conquistado vários prêmios.



REMEXENDO OS GUARDADOS


Entre as páginas amareladas
Dum velho romance de amor
Guardei a carta perfumada
Vinda de além-mar.

Não tive coragem de abri-la
Por medo de encontrar
O monstro de cinco braços,
Assombração dos amantes,

A dançar na folha branca,
E com mefistofélica gargalhada
Tirar a máscara e expor a verdade.
“Não tem volta: eu sou o ADEUS”.



13/10/07.


Foto by Sinésio Dioliveira - Rosa - todos os Direitos reservados.

José Gomes Sobrinho - Poema


JOSÉ GOMES SOBRINHO
(1935-2004)





Remexendo os guardados, deparei-me com este poema do amigo/poeta José Gomes Sobrinho, dedicado a mim, escrito num pedaço de envelope (amarelo), no primeiro dia de 1998, em Miracema do Tocantins, minha terra natal. José Gomes (Seo Gomes, como eu o chamava) nasceu em 1935, em Garanhuns (PE), filho de Luis Melchides Gomes, chegou ao Tocantins em 1989. Presidente do Conselho Estadual de Cultura, José Gomes Sobrinho era acadêmico da ATL- Academia Tocantinense de Letras, ocupante da cadeira nº 28, e da Academia Palmense de Letras, cadeira nº 09. Autor de 13 livros publicados, presidia também o Fórum Nacional de Conselheiros Estaduais de Cultura.





Reconhecimento segundo Chico Perna*



Descomeço noites
de um tempo que não há

Talvez porque já não estejam
a portos todos os guardas
de há muito esperados

Se descomeço ou não
importa-me pouco
a existência dos pássaros.



Miracema do Tocantins, 01/01/ 1998.




*O Chico do manuscrito fora grafado com "X", como eu assinava antigamente.
Foto by Victoria Shelton - Crow - Todos os Direitos reservados.

Francisco Perna Filho - Poema








Francisco Perna Filho





Errabundo


Eis meu corpo,
não vos ofereço.
Santificado não fora,
tornara-se errabundo e fértil.
Feito de todos os metais,

fora navegante sempre,
conquistador.
Buscou n’alma o outro;
na alegria, a estrada;

na gruta, o vício.
A vós, nada pode ofertar.
Livre de toda vestimenta,
sempre foi sombra
e com as sobras do mundo
fez sua última ceia.
De vós nada quer.
Em mim, somente em mim,
celebra o ócio.
Desconhece qualquer outra sorte
que não o vício.
Com ele celebro o mundo e sou.
De vós nada quero.


In.Refeição.Francisco Perna Filho. Goiânia:Kelps, 2001.
Imagem retirada da Internet: Lobo.

Francisco Perna Filho - Poema





Francisco Perna Filho











Para lá do sem-sentido


Mar,

simplesmente o Mar,

envolto de homens

tão prenhes de si mesmos,

confortáveis nos seus assentos,

nas suas calamidades imperceptíveis,

no olhar por cima que singra o sem-sentido,

o invisível ocaso dos objetos.

Somos todos náufragos,

pálidos senhores do Agora.

Só a Arte nos tira da calamidade

de sermos tão humanos e brutos,

brocados como as velhas tabocas,

abandonados nas barrocas da nossa imaginação.

Navegar será sempre possível,

mesmo que nos tirem as rédeas,

porquanto o nosso norte está para

lá dos oceanos,

dos angicos,

dos pau d'arcos,

das sarãs.

O nosso Norte será sempre a palavra.



Foto by Sinésio Dioliveira - Todos os Direitos reservados

FEDERICO GARCÍA LORCA - POEMA


Federico García Lorca
(1898-1936)


Federico García Lorca (Fuente Vaqueros, 5 de junho de 1898 — Granada, 19 de agosto de 1936) foi um poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola devido ao seus a linhamento político com a República Espanhola e por ser abertamente homossexual. Nascido numa pequena localidade da Andaluzia, García Lorca ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, e cinco anos depois transfere-se para Madri, onde ficou amigo de artistas como Luis Buñuel e Salvador Dali e publicou seus primeiros poemas. Grande parte dos seus primeiros trabalhos se baseiam em temas relativos à Andaluzia (Impressões e Paisagens, 1918), à música e ao folclore regionais (Poemas do Canto Fundo, 1921-1922) e aos ciganos (Romancero Gitano, 1928) Concluído o curso, foi para os Estados Unidos da América e para Cuba, período de seus poemas surrealistas, manifestando seu desprezo pelo modus vivendi estadunidense. Expressou seu horror com a brutalidade da civilização mecanizada nas chocantes imagens de Poeta em Nova Iorque, publicado em 1940. Voltando à Espanha, criou um grupo de teatro chamado La Barraca. Não ocultava suas idéias socialistas e, com fortes tendências homossexuais, foi certamente um dos alvos mais visados pelo conservadorismo espanhol que, sob forte influência católica, ensaiava a tomada do poder, dando início a uma das mais sangrentas guerras fratricidas do século XX. Intimidado, Lorca retornou para Granada, na Andaluzia, na esperança de encontrar um refúgio. Ali, porém, teve sua prisão determinada por um deputado católico, sob o argumento (que tornou-se célebre) de que ele seria "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver". Assim, num dia de agosto de 1936, sem julgamento, o grande poeta foi executado com um tiro na nuca pelos nacionalistas, e seu corpo foi jogado num ponto da Serra Nevada. Segundo algumas versões, ele teria sido fuzilado de costas, em alusão a sua homossexualidade. A caneta se calava, mas a Poesia nascia para a eternidade - e o crime teve repercussão em todo o mundo, despertando por todas as partes um sentimento de que o que ocorria na Espanha dizia respeito a todo o planeta... foi um prenúncio da Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Wikipédia.)



TRES RETRATOS CON SOMBRAS




VERLAINE


LA canción,
que nunca diré,
se há dormido en mis labios.
a canción,
que nunca diré.

Sobre las madreselvas
había una luciérnaga,
y la luna picaba
con un rayo en el agua.

Entonces yo soñé,
la canción,
que nunca diré.

Canción llena de labios
y de cauces lejanos.

Canción llena de horas
perdidas en la sombra.

Canción de estrella viva
sobre un perpetuo día.
















BACO


VERDE rumor intacto.
La higuera me tiende sus brazos.

Como uma pantera, su sombra,
acecha mi lírica sombra.

La luna cuenta los perros.
Se equivoca y empieza de nuevo.

Ayer, mañana, negro y verde,
rondas mi cerco de laureles.

Quién te quería como yo,
si me cambiaras el corazón?

...Y la higuera me grita y avanza
terrible y multiplicada.

























JUAN RAMÓN JIMÉNEZ


En el blanco infinito,
nieve, nardo y salina,
perdió su fantasía.

El color blanco, anda,
sobre una muda alfombra
de plumas de paloma.

Sin ojos ni ademán
inmóvil sufre un sueño.
Pero tiembla por dentro.

En el blanco infinito,
qué pura y larga herida
dejó su fantasía!

En el blanco infinito.
Nieve. Nardo. Salina.



In. Canciones (1921-1924). Obra Poética Completa Federico García Lorca . São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.298-301.

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