José Gomes Sobrinho - Poema


JOSÉ GOMES SOBRINHO
(1935-2004)





Remexendo os guardados, deparei-me com este poema do amigo/poeta José Gomes Sobrinho, dedicado a mim, escrito num pedaço de envelope (amarelo), no primeiro dia de 1998, em Miracema do Tocantins, minha terra natal. José Gomes (Seo Gomes, como eu o chamava) nasceu em 1935, em Garanhuns (PE), filho de Luis Melchides Gomes, chegou ao Tocantins em 1989. Presidente do Conselho Estadual de Cultura, José Gomes Sobrinho era acadêmico da ATL- Academia Tocantinense de Letras, ocupante da cadeira nº 28, e da Academia Palmense de Letras, cadeira nº 09. Autor de 13 livros publicados, presidia também o Fórum Nacional de Conselheiros Estaduais de Cultura.





Reconhecimento segundo Chico Perna*



Descomeço noites
de um tempo que não há

Talvez porque já não estejam
a portos todos os guardas
de há muito esperados

Se descomeço ou não
importa-me pouco
a existência dos pássaros.



Miracema do Tocantins, 01/01/ 1998.




*O Chico do manuscrito fora grafado com "X", como eu assinava antigamente.
Foto by Victoria Shelton - Crow - Todos os Direitos reservados.

Francisco Perna Filho - Poema








Francisco Perna Filho





Errabundo


Eis meu corpo,
não vos ofereço.
Santificado não fora,
tornara-se errabundo e fértil.
Feito de todos os metais,

fora navegante sempre,
conquistador.
Buscou n’alma o outro;
na alegria, a estrada;

na gruta, o vício.
A vós, nada pode ofertar.
Livre de toda vestimenta,
sempre foi sombra
e com as sobras do mundo
fez sua última ceia.
De vós nada quer.
Em mim, somente em mim,
celebra o ócio.
Desconhece qualquer outra sorte
que não o vício.
Com ele celebro o mundo e sou.
De vós nada quero.


In.Refeição.Francisco Perna Filho. Goiânia:Kelps, 2001.
Imagem retirada da Internet: Lobo.

Francisco Perna Filho - Poema





Francisco Perna Filho











Para lá do sem-sentido


Mar,

simplesmente o Mar,

envolto de homens

tão prenhes de si mesmos,

confortáveis nos seus assentos,

nas suas calamidades imperceptíveis,

no olhar por cima que singra o sem-sentido,

o invisível ocaso dos objetos.

Somos todos náufragos,

pálidos senhores do Agora.

Só a Arte nos tira da calamidade

de sermos tão humanos e brutos,

brocados como as velhas tabocas,

abandonados nas barrocas da nossa imaginação.

Navegar será sempre possível,

mesmo que nos tirem as rédeas,

porquanto o nosso norte está para

lá dos oceanos,

dos angicos,

dos pau d'arcos,

das sarãs.

O nosso Norte será sempre a palavra.



Foto by Sinésio Dioliveira - Todos os Direitos reservados

FEDERICO GARCÍA LORCA - POEMA


Federico García Lorca
(1898-1936)


Federico García Lorca (Fuente Vaqueros, 5 de junho de 1898 — Granada, 19 de agosto de 1936) foi um poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola devido ao seus a linhamento político com a República Espanhola e por ser abertamente homossexual. Nascido numa pequena localidade da Andaluzia, García Lorca ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, e cinco anos depois transfere-se para Madri, onde ficou amigo de artistas como Luis Buñuel e Salvador Dali e publicou seus primeiros poemas. Grande parte dos seus primeiros trabalhos se baseiam em temas relativos à Andaluzia (Impressões e Paisagens, 1918), à música e ao folclore regionais (Poemas do Canto Fundo, 1921-1922) e aos ciganos (Romancero Gitano, 1928) Concluído o curso, foi para os Estados Unidos da América e para Cuba, período de seus poemas surrealistas, manifestando seu desprezo pelo modus vivendi estadunidense. Expressou seu horror com a brutalidade da civilização mecanizada nas chocantes imagens de Poeta em Nova Iorque, publicado em 1940. Voltando à Espanha, criou um grupo de teatro chamado La Barraca. Não ocultava suas idéias socialistas e, com fortes tendências homossexuais, foi certamente um dos alvos mais visados pelo conservadorismo espanhol que, sob forte influência católica, ensaiava a tomada do poder, dando início a uma das mais sangrentas guerras fratricidas do século XX. Intimidado, Lorca retornou para Granada, na Andaluzia, na esperança de encontrar um refúgio. Ali, porém, teve sua prisão determinada por um deputado católico, sob o argumento (que tornou-se célebre) de que ele seria "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver". Assim, num dia de agosto de 1936, sem julgamento, o grande poeta foi executado com um tiro na nuca pelos nacionalistas, e seu corpo foi jogado num ponto da Serra Nevada. Segundo algumas versões, ele teria sido fuzilado de costas, em alusão a sua homossexualidade. A caneta se calava, mas a Poesia nascia para a eternidade - e o crime teve repercussão em todo o mundo, despertando por todas as partes um sentimento de que o que ocorria na Espanha dizia respeito a todo o planeta... foi um prenúncio da Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Wikipédia.)



TRES RETRATOS CON SOMBRAS




VERLAINE


LA canción,
que nunca diré,
se há dormido en mis labios.
a canción,
que nunca diré.

Sobre las madreselvas
había una luciérnaga,
y la luna picaba
con un rayo en el agua.

Entonces yo soñé,
la canción,
que nunca diré.

Canción llena de labios
y de cauces lejanos.

Canción llena de horas
perdidas en la sombra.

Canción de estrella viva
sobre un perpetuo día.
















BACO


VERDE rumor intacto.
La higuera me tiende sus brazos.

Como uma pantera, su sombra,
acecha mi lírica sombra.

La luna cuenta los perros.
Se equivoca y empieza de nuevo.

Ayer, mañana, negro y verde,
rondas mi cerco de laureles.

Quién te quería como yo,
si me cambiaras el corazón?

...Y la higuera me grita y avanza
terrible y multiplicada.

























JUAN RAMÓN JIMÉNEZ


En el blanco infinito,
nieve, nardo y salina,
perdió su fantasía.

El color blanco, anda,
sobre una muda alfombra
de plumas de paloma.

Sin ojos ni ademán
inmóvil sufre un sueño.
Pero tiembla por dentro.

En el blanco infinito,
qué pura y larga herida
dejó su fantasía!

En el blanco infinito.
Nieve. Nardo. Salina.



In. Canciones (1921-1924). Obra Poética Completa Federico García Lorca . São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.298-301.

Cida Almeida


Cida Almeida




Cida Almeida nasceu em Jandaia, interior de Goiás, em 28 de setembro de 1961. É formada em Comunicação Social - Jornalismo e Direito pela Universidade Federal de Goiás. Jornalista com mais de 20 anos de profissão, Cida Almeida foi repórter dos jornais Diário da Manhã e Correio Brasiliense (Sucursal de Goiânia) e do Gabinete de Imprensa da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Atualmente dedica-se à assessoria de imprensa. Ela escreve sobre literatura para sites de cultura. Mantém os blogs Caixinha de Alfazema, Cartas do Paraíso e Diálogos da Esfinge, onde publica fotografias, crônicas, poesias e outras invencionices. Cida Almeida é autora do livro Flor de Pedra (poesia).




A FONTE



Viver é beber da misteriosa fonte
Esgotá-la com gosto
Gota a gota, conta a gota, contra a gota
Viver é irrevogável entrega à fonte
De exauri-la emcada pingo que jorra
A montante e a jusante
Enchentes e vazantes do eu-leito
O que se cava tenro, quase terno por dentro
E vivo as chuvas sabendo-me água
Vibro o fluir, o marulhar, o murmurar
Ribanceiras do tempo
Corredeiras bravias escalavrando
O que faço de mim na pedra dos dias
O que verga naturalmente
O que dobra
O som do sino das águas
Cantiga para ninar meu esquecimento
Passamentos
Horas minguadas de um eterno relógio quebrado
Esse correr do rio da vida que me entorna
Enquanto ainda transbordo, alagadiça e fértil
E torno-me mais que nunca rio
Mesmo que tenha esperanças
E as ofereça às brevidades
De espuma dos meus sonhos rentes ao chão
Vertente, sei bem, e não me iludiria
Sei que vou água mole
Sei que volto pedra bruta
Tambor-lirando
Nas pedras dormentes
Tamborilando
No fundo escuro que toco
E que vibra de humanidade
A música
Ah, a música das águas é velhaca entorpecente!
Erijo, enquanto posso, intento de escultura
Eu mesma a pedra bruta
Eu mesma a lavrada matéria
Esses rabiscos atritados no escorregadio vão
A mensagem decifrada no espelho fugidio das águas
Na superfície sempre lisa
Das pedras que dormem o meu sono de pedra
Presságios das águas
A claridade de um corpo que flui
E que beijará humildemente a terra úmida
Deixando a alma entregue ao rio
Que brota no eterno da misteriosa fonte.


In.Flor da Pedra. Cida Almeida.Goiânia: Kelps, 2008,p.129-130
Imagem: Fortaleza de Sacsayhuaman. Foto by Victoria Shelton - Todos os Direitos reservados.

Florbela Espanca - Poema



Florbela Espanca




Poetisa de linhagem dos grandes torturados da época do Simbolismo (Antônio Nobre, Camilo Pessanha, Sá-Carneiro), Florbela apareceu tardiamente, pois na altura de 1920 chegava ao fim a geração a que se filiara; e só depois de sua morte começou a crítica mais autorizada (Jorge de Sena, José Régio) a valorizá-la como uma das maiores figuras da poesia portuguesa. Em sua obra, relativamente pequena, está a confissão da pungente dor de quem ansiou sempre, mas em vão, pela felicidade.
Antônio Soares Amora



EU


Eu sou a que no mundo anda perdida.
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


In. Presença da Literatura Portuguesa: Simbolismo. Antônio Soares Amora. 5ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, s/d, p.99
Imagem: Temple of the Sun, Cusco, Peru. Foto by Victoria Shelton - Todos os Direitos reservados.

Florbela Espanca - Poema


FLORBELA ESPANCA
(1895-1930)


Florbela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo. Muito cedo definiu-se-lhe o temperamento e a sensibilidade poética, de início em confessado parentesco com Antônio Nobre (Juvenilla, 1916). Terminado o liceu em Évora (1917), transferiu-se para Lisboa, (1918), onde inaugurou na Faculdade de Direito e onde publicou o primeiro livro de poemas (Livro de Mágoas, 1919), que passou despercebido à crítica, embora já fosse a afirmação de uma excepcional poetisa, cuja vida foi um crescendo de ansiedades e de amarguras, confessadas com veemência e invulgar poder de expressão literária em outro livro, de que mais uma vez não deram conta os contemporâneos (Livro de Soror Saudade, 1923). Bastante deprimida, com o consolo da amizade e do entusiasmo de apenas poucos amigos, entre os quais Guido Batelli, que lhe preparou a edição do último livro (Charneca em Flor, 1931), morreu, com trinta e seis anos, em Matozinhos, para onde fora em busca de saúde.
Antônio Soares Amora



NIHIL NOVUM


Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos clautros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...

Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca de nácar e brocado...

Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
E o coração - a mesma chaga aberta!


In. Sonetos Completos. 9ª ed. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1952.
Imagem retirada da Internet - Mulheres.



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