Otto Maria Carpeaux - Madame Bovary
SELO/PRÊMIO
Agradeço a Ângela do blog Entremeios http://entremeios-angela.blogspot.com/ o selo/premio Blog de Ouro, vou guardá-lo com carinho e indico dois dos muitos blogs que o merecem:
1-Essa Realidade Inatingível
2-JJLeandro
Regras:
1-Exibir a imagem do selo; 2-Postar o link de quem indicou; 3-Indicar alguns blogs de s/preferência; 4-Publicar as regras.
Otto Maria Carpeaux - Madame Bovary
Otto Maria Carpeaux - Madame Bovary
Otto Maria Carpeaux - Madame Bovary
Encontrou –se, muito mais tarde, entre os papéis de Flaubert, um caderno de notas intitulado Madame Ludovica, que faz pensar em outras fontes. Modelo de Emma Bovary teria sido Louise d’Arcet, que se casou com James Pradier, escultor famoso nos anos 1840, autor das estátuas das deusas da vitória em torno do túmulo de Napoleão. Louise traiu o marido. Teve inúmeros amantes. Acabou separada do marido e na miséria. – é difícil aceitar essa história como fonte do romance. Os adeptos dessa teoria têm de afirmar que Flaubert condensou as muitas aventuras de Louise em apenas duas. Pradier foi homem fraco, mas não tinha, contudo, a menor semelhança com Charles Bovary. E Louise Pradier não acabou suicidando-se. Preferimos a hipótese de o caderno intitulado Madame Ludovica ter sido o esboço de um outro romance, que nunca foi escrito, e, em vez do qual Flaubert escreveu, baseando-se em elementos parcialmente diferentes, Madame Bovary. Não é impossível descobrir no caráter de Emma traços de duas amigas de Flaubert: Louise Colet e Edme de Genettes. Mas a verdade é que esse pseudo-romantismo, alimentado por falsos princípios de educação feminina, é mesmo fenômeno permanente em certo tipo de mulheres. Nem todos os homens são Dom Quixotes, Hamlets ou Faustos, mas sempre existem representantes desses protótipos. Nem todas as mulheres se parecem com Emma Bovary mas as Emmas existem sempre; e, mesmo que nunca houvesse existido na Normandia de 1840 uma mulher que experimentasse o destino de Emma Bovary – então ela, personagem de ficção – é no entanto mais verdadeira que seus hipotéticos modelos que viviam realmente. Emma Bovary “c’est La réalité”.
Mas por que insiste tanto a posteridade em procurar o modelo? Por que se supõe com tanta teimosia que a história de Emma Bovary se teria passado na realidade? O motivo é a extraordinária clareza e “directness” com que Flaubert contou sua história: uma história tão simples que parece mesmo tirada da realidade mais comum e mais vulgar e que parece mesmo realidade.
Charles Bovary – a história começa com sua entrada na escola e com a hilaridade que provocou nos outros alunos seu chapéu ridículo – é rapaz estúpido, insensível de grande inabilidade; também incompetente e realizará operações desatrosas como no pé aleijado do pobre Hippolyte. Emma, por sua vez, é uma mocinha sonhadora, romântica, acreditando no que suas leituras medíocres lhe contam sobre felicidade pelo amor. Toda enganada, Emma casa com Chales Bovary, para fugir da estreiteza da casa paterna. A decepção é inevitável. Um baile no castelo do vizinho aristocrático reaviva os sonhos românticos, a que tão pouco corresponde o marido. Frontalmente, cai Emma na aventura adulterosa com Rodolphe, espécie de Don Juan rural, que a abandonará em breve. Agora, as paixões de Emma estão despertas. O jovem Léon, empregado de um advogado, é sua próxima vítima. Ela perde totalmente o equilíbrio. Toma emprestado dinheiro, mais do que poderá jamais devolver. Desespero. Suicídio. Depois da morte, Charles Bovary descobre a verdade. Fica pertubado sem saber o que pensar. E é só. Eis tudo. Uma história triste e, em parte, sórdida. Mas, atenção! Essa história não é simples como parece.
(...)
Até Amanhã!
In. Madame Bovary.Gustave Flaubert.Trad.:Sérgio Duarte. Ediouro, s/d, p.13-14.
Otto Maria Carpeaux - Madame Bovary
"Emma Bovary c’est moi"
(...)
Em qualquer história da literatura francesa se pode ler que Madame Bovary “é o primeiro romance realista”, pela observação meticulosa e representação impossível da realidade. Essa observação talvez seja injusta em relação a Balzac; não teria sido realista? O fato de que Flaubert eliminou os elementos românticos da arte balzaquiana não é decisivo, pois não eliminou a todos. Por outro lado, os contemporâneos sempre consideravam Flaubert como naturalista, como precursor imediato de Zola. Conforme os critérios de Lukács, Madame Bovary não poderia ser classificado como romance naturalista (e muito menos as outras obras de Flaubert). Mas é inegável que o autor adotara os princípios da “ficção experimental”, estabelecidos pelos irmãos Goncourt, isto é: realizando por meios de ficção uma experiência com fatos encontrados na realidade. Também é inegável que Flaubert usou primeiro o método que mais tarde seria o de Zola: baseando sua ficção em documentação autêntica e usando notas de fatos observados. Flaubert não teria propriamente inventado o enredo nem os personagens. É, portanto, lícito perguntar pelas fontes de Madame Bovary.
O próprio Flaubert respondeu: Emma Bovary c’est moi.” Essa resposta é bastante estranha. Está em contradição flagrante com o propósito proclamado realista de excluir da sua obra todos os elementos pessoais; está em contradição com o antiromantismo de Flaubert, que exclui a intenção autobiográfica. Mas Flaubert certamente não quis dizer que seu próprio destino poderia ter sido o de sua triste heroína (a diferença de sexos já proíbe tomar ao pé da letra a identificação). Só quis dizer que ele encontrara sua própria mentalidade de romântico fracassado em personagem e ambiente que ele conhecia, que lhe eram familiares: suas fontes. Mas quais são essas fonte?
Em vida de Flaubert já correram boatos em Ruão: Emma Bovary teria sido esta ou aquela senhora, nesta ou naquela das pequenas aldeias ou cidadezinhas em torno de Ruão. Mas, só depois da morte do escritor, publicou o jornalista Georges Duboch, no “Journal de Rouen”, em novembro de 1890, a história toda.
Yonville, a aldeia na qual se passa o enredo do romance, podia ser identificada como Ry, aldeia normanda que Flaubert conhecia bem; entre seus papéis encontrou-se mesmo um mapa de Ry, desenhado por ele próprio. Em Ry viveu, por volta de 1840, a bela e sonhadora Delphine Conturier, que casou com o estúpido e vulgar médico Delamare, assim como no romance a bela e sonhadora Emma casa com o estúpido e vulgar médico Charles Bovary. Delphine Delamare manteve relações eróticas com o fazendeiro Campion, muito parecido com Rodolphe, o primeiro amante de Emma. Em Ry, viveu nas mesma época o farmacêutico Jouenne, quase irmão gêmeo do farmacêutico Homais no romance. Enfim, Delphine encontrou em 1848 o mesmo fim de Emma: o suicídio. Tudo exato. As explicações de Duboch foram geralmente aceitas. Em Ry, desenvolveu-se verdadeira indústria de turismo: os lugares em que se teria passado a vida de Emma Bovary foram mostrados mediante ingresso pago. Venderam-se fotografias apócrifas de Delphine Delamare. Mas tudo isso foi. Pois Youville não é somente parecida com Ry, mas com dezenas de outras aldeias normandas; e as cenas mais importantes e mais características da vida de Emma, antes do suicídio, não foram vividas por Delphine. Teria Flaubert traído o método por ele próprio escolhido, ao ponto de inventá-los livremente?
In. Madame Bovary.Gustave Flaubert.Trad.:Sérgio Duarte. Ediouro, s/d, p.12-13.
Imagem: http://www.imgartists.com/resources/artists/madame_bovary.jpg
Otto Maria Carpeaux
Otto Maria Carpeaux (Otto Karpfen, de nascimento), filho de pai judeu e mãe católica, nasceu em Viena (Áustria), em 9 de Março de 1900, onde cursou o ginasial. Ingressou na faculdade de direito, por sugestão familiar, abandonando-a um ano depois. Estudou filosofia (doutorou-se em 1925), matemática (em Leipzig), sociologia (em Paris), literatura comparada(em Nápoles) e política (em Berlim); além de dedicar-se à música. Em 1930 casou-se com Helena Carpeaux. Dedica-se intensamente à literatura e ao jornalismo político. Converte-se à religião católica e torna-se homem de confiança de dois primeiros-ministros em Berlim, Engelbert Dollfuss e Kurt Schuschnigg, os últimos primeiro-ministros antes do Reich Alemão respectivamente. Com a queda deste último, foi obrigado a seguir para o exílio. Em princípios de 1938 foge com a mulher para Antuérpia (Bélgica), onde ainda trabalha como jornalista na Gaset Van Antwerpen, maior jornal belga de língua holandesa. Diante da escalada nazista, Carpeaux ainda sente-se inseguro e foge com a mulher, em fins de 1939, para o Brasil. Aqui trabalha com jornalista, crítico literário e crítico musical, além de desenvolver inúmeras atividades intelectuais. Em 3 de fevereiro de 1978, sexta-feira de Carnaval, morre no Rio de Janeiro, de ataque cardíaco.
Madame Bovary
Por Otto Maria Carpeaux
Dicionários modernos da língua portuguesa definem como “bovarismo” o pendor de certos espíritos românticos para emprestarem a si mesmos uma personalidade fictícia e a desempenharem um papel que não se coaduna com a sua verdadeira natureza. O termo significa, portanto, a intervenção desastrosa de idéias pseudo-românticas na vida real: destino próprio de pessoas educadas sob os auspícios de falsos ideais e, depois da decepção inevitável, roídos pelos ressentimentos. O pensador francês Jules Gautier acreditava descobrir o mesmo “bovarismo” em grupos inteiros da sociedade, como a classe média empobrecida, que se esforça para viver conforme critérios aristocráticos; e até em nações (pensava ele nos latino-americanos de então, que perderam a autenticidade por julgarem-se afrancesados). Diz-se “bovarismo” assim como se diz “quixotismo”, “hamletismo”, “donjuanismo”. Trata-se de um dos grandes tipos da natureza humana e seu protótipo é Emma Bovary, a triste heroína do romance de Gustave Flaubert.
Madame Bovary ocupa, por vários motivos, posição central na história do gênero romance. Durante séculos esse gênero passara por ser leitura indecente e corruptora, proibida às mocinhas. O processo de reabilitação foi vagaroso, interrompido por recidivas e uma delas foi, em 1857, o processo movido contra o autor de Madame Bovary perante a Sexta Corte Correcional do Tribunal do Sena. Flaubert foi absolvido pelos juízes, mas não pelos críticos puritanos, que não lhe perdoaram o tratamento cru do tema: adultério. Mesmo mais tarde houve quem opusesse à “indecência” de Madame Bovary a visão “mais sublime” de outro e quase contemporâneo romance de adultério: Anna Karenina. É que os russos (e os ingleses, e os alemães, etc.) são moralistas, mas, em francês, a palavra “moralista” tem outro sentido: significa um homem que observa insubornavelmente as fraquezas humanas. Flaubert foi um “moralista” assim: um observador insubornável da realidade. Por isso a história literária o define como realista, ocupando a posição intermediária entre Balzac e Zola.
Ao grande crítico marxista George Lukács devemos uma distinção engenhosa entre o realismo de Balzac e o naturalismo de Zola. Mas nenhuma das duas definições é aplicável a Flaubert. Não é naturalista nem é propriamente realista. É, unicamente artista. Madame Bovary é, simplesmente, uma obra de arte. É a primeira obra de arte, conscientemente criada, na história desse gênero sem regras e sem arte que é o gênero Romance.
Gustave Flaubert nasceu em 1821 em Ruão, filho de um médico, de família abastada e enraizada na vida de província. Cresceu, dedicado a leituras românticas e sonhos românticos, em companhia dos amigos de infância, Louis Bouillet, mais tarde poeta parnasiano, e Alfred Le Poittevin, cuja irmã Laure, foi seu primeiro amor (ela casará com Gustave de Maupassant e será mãe do grande contista). Como estudante em Paris. Flaubert é romântico; mas seu primeiro romance, Novembre (que ele nunca publicou), já trata de amores carnais e desilusões amorosas. Viagens à Córsega, Itália, Egito. Em 1856, Madame Bovary. Processo por “publicações de escritores obscenos”. Flaubert fixa residência em Croisset, perto de Ruão, vivendo de rendas. Correspondência com as amigas Louise Colet e Georges Sand, a célebre romancista. Publica, sucessivamente, as obras-primas: Salammbô, L’Éducation Sentimentale, La Tentation de St. Antoine. Amizade com os irmãos Goncourt, Zola, Turguniev. Papel importante na formação literária do jovem Maupassant. Pela falência do marido de sua sobrinha, sérias dificuldades financeiras. Flaubert morreu a 8 de maio de 1880.
Além dos romances já mencionados – dos quais hoje em dia, sobretudo L’Éducation Sentimentale é considerado como obra-prima, escreveu Flaubert Trois Contes, três contos magistrais, entre o quais se prefere Um Coeur Simple. O romance Bouvard et Pécuchet ficou incompleto. Mas, em primeira linha, é Flaubert o autor de Madame Bovary.
(...)
In.Madame Bovary. Gustave Flaubert. Trad.: Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Ediouro. s/dp.11-12
Fonte da biografia de Otto Maria Carpeau: http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_Maria_Carpeaux
Imagem:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8gbaEuYMiKl5Ne9GJc5_0QQHYEpnmr3YBtlvOTD2n_V7rmpy0brVgWKB6DdmyYoKEpARUQNwA7GwMh5fEIcRs4o9uyIC70_XwFL8ZjzTnsKHrBNAB_ug2_b1ubWYNOvdxZVaDVVDPy8Zm/s1600-h/CARPEAUX+1.jpg
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