New York



Francisco Perna Filho












O pássaro

vê a cidade

Lentamente/ letalmente

Mergulha.

O pássaro

É de metal

E só percebe o próprio vôo,

Desconsiderando as cores

E os sonhos que carrega.

O pássaro vê

Mas não ouve.

A cidade ouve

Mas não vê.

A vida imita a arte:

O pássaro explode

Em chamas,

A cidade

Chora escombros.




In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.

TRANSFORMAÇÃO


Francisco Perna Filho












Peixe na linha,

rima de pescador.

Encontro de águas e arco-íris.

Rio quebrado nas voltas dos olhos,

no piscar dos barcos,

na manga de chuva.

Perpetuado no mormaço da existência.

Os olhos observam o ritmo:

na rima quebrada do peixe fugido,

na desalegria de morte escapada,

na deselegância de mesa-objeto, sem pão.

O rio continua

no riso pálido do pescador extático,

no hiato das culturas,

na incontinência dos jovens poetas.

Linha, água.

Peixe, anzol.

Pescador.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.37.

AUTOBIOGRAFIA



Francisco Perna Filho


Nasci,

tomei conhecimento do mundo

e de mim.

Além dos outros,

somente eu:

UM.

Um a contabilizar os dias,

os goles e os livros,

a jurar amores

às cartomantes.

A correr sem medo,

sem dinheiro e sem rumo,

espantava a velhice escovando as horas.

Quando cresci,

fui jogado no mundo,

bati com a cabeça na vaidade alheia,

conheci mulheres

e espelhos,

e descobri-me sobrevivente

ao brindar com o inimigo.

Acumulei perdas

e desilusões.

Talvez, por ter nascido bem mais tarde,

não me calaram a voz.

Chorei.

Persegui amores,

como os cães do interior

perseguem carros:

uma luta vã.

Sobrevivi,

tive bem mais sorte

do que o Latim.

Historicamente me fizera,

na repetição dos dias

e dos filhos,

descobri o amor.



Foto by Tainá Corrêa

URBANO




Francisco Perna Filho









Rádios,

vozes,buzinas,

o cheiro dos cafés

e o dia refaz-se

nas palavras do homem

que denuncia o mundo

ao contemplar os seios

da mulher que passa.

Labirinto humano,

traçado e forjado

no livre arbítrio.

O homem,

cujos seios busca,

desmancha-se

em vozes,

luzes

e cansaço.

Também é morte,

Norte,

breve,

que se faz

noturno.



In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.63


SHOW DE GRAÇA


Francisco Perna Filho













O ser, capenga,
capina.
A mata, em riste,
resiste.
Na lâmina cega,
o reflexo de mais um capítulo
de devastação.

Tão desolado,
do outro lado,
o homem fica.
Setenciado,
brinca de ser humano.

A lua olha
o cambaleante homem,
que perfila tombos pela avenida.
Numa igreja à vista,
uma placa indica:
Show de graça!
Sem pagar ingresso,
ele entra,
senta-se,
chora,
morre de rir.




In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.91.

Imagem: Giorgio de Chirico. The archeologist, 1927. Óleo


ANOTAÇÕES


Francisco Perna Filho









Fundada em lonjura,
a saudade é áspera.
Farpado arame,
pintura descascada.

Turvo canto,
lânguido e impessoal
como a ausência,
sem defesa na hora que ataca,
como a fera que espreita e devora.


In.Refeição.Goiânia: Kelps, 2001, p.43.

MODERNIDADE


Francisco Perna Filho














Divisando o vazio

no espaço do grito,

na transgressão do interdito,

na instabilidade da perda,

no reflexo do eco.

Chorando os muros da modernidade,

com palavras parafusadas na alma

do fragmentado Ser,

a virgem cola sentimento

e clona o amor.





In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p. 55.

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...