Nazim Hikmet - Poema

 
NOSTALGIA
 Passaram cem anos sem eu ver o teu rosto,
prender a tua cintura,
passar o dia nos teus olhos,
questionar a tua sapiência,
e estar próximo do calor do teu ventre.

passaram cem anos que uma mulher me espera
numa bela cidade.

nós, nós estávamos na mesma rama,
nessa mesma rama.
caímos dessa mesma rama e separamo-nos.
e hoje cem anos nos afastam,
cem anos de caminho.

hoje faz cem anos que
por entre a escuridão
eu a procuro.

Tradução de Pedro Calouste

fonte: Clube de Leitores
Imagem retirada da Internet: nostalgie

Salomão Sousa - Poema

Foto by Francisco Perna Filho































Sobrevoou as barras 
dos desertos das cobras,
Sobrevoou as montanhas
dos seres esquivos.
Enjoou das carnes podrentas,
Enjoou dos miolos vazios.
Voou para a cidade deserta,
A cidade já quase sem cio.
Pousou nas muitas portas,
Pousou nas janelas sensíveis.
Estava o gavião com fome
de uma palavra carnívora.

Valdivino Braz - Poema



O mar dentro das palavras


O mar explode
na milenar solidez das rochas,
a onda se estilhaça com os seus cristais
e a louça de suas conchas.
Do limbo abissal do oceano,
emerge o carbono,
o espírito
infinito da escrita.

Uma voz vinda do mangue sangra
emaranhado de vocábulos.
Arrebentam-se no mar as ondas de algas
oriundas do fundo negro de tudo.
Surge do limbo das águas
o ser das palavras
que se abrem feito feridas.

O mar se atira
num jorro de espuma e calcário.
O barco espatifado aderna
ao modo de um aleijado,
ou manco de uma perna,
que se deita na praia
dos esquecidos.

O ser solitário contempla a fúria
das ondas fragmentárias
e murmura
ao sentir o mar dentro de si.
Um grão de areia
em sua mão é o mundo e o enigma de tudo.
Uma pedrinha de nada,
polida pelas águas.
O ser guarda a pedrinha na boca e se volta
para dentro das palavras.

Arabescos na areia são sinais de siri.
Albinos caranguejos se movem por ali.
As bromélias brotam e porejam a pele da noite,
com brotoejas.
Beijos bivalves e convexos
colocam acentos circunflexos
numa conversa de amêijoas.

Marulhos.
O ser a esmo perambula
com a memória das águas
nas cercanias de si mesmo.
O ser na praia vazia se toca
com a pedra marinha na boca.

O ser se sabe
na pedra de sua água.
Um nada de tudo
que é tudo e nada.
O mar, a vida, a onda
e o nada contidos na pedra.
Uma pedrinha de nada,
polida pelas águas.
Reluz nas trevas das palavras.

In. Revista Poesia Sempre. Nº 31. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2009, p.161-163.
Fonte da imagem: Icultgen

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