O mar dentro das palavras
O mar explode
na milenar solidez das rochas,
a onda se estilhaça com os seus cristais
e a louça de suas conchas.
Do limbo abissal do oceano,
emerge o carbono,
o espírito
infinito da escrita.
Uma voz vinda do mangue sangra
emaranhado de vocábulos.
Arrebentam-se no mar as ondas de algas
oriundas do fundo negro de tudo.
Surge do limbo das águas
o ser das palavras
que se abrem feito feridas.
O mar se atira
num jorro de espuma e calcário.
O barco espatifado aderna
ao modo de um aleijado,
ou manco de uma perna,
que se deita na praia
dos esquecidos.
O ser solitário contempla a fúria
das ondas fragmentárias
e murmura
ao sentir o mar dentro de si.
Um grão de areia
em sua mão é o mundo e o enigma de tudo.
Uma pedrinha de nada,
polida pelas águas.
O ser guarda a pedrinha na boca e se volta
para dentro das palavras.
Arabescos na areia são sinais de siri.
Albinos caranguejos se movem por ali.
As bromélias brotam e porejam a pele da noite,
com brotoejas.
Beijos bivalves e convexos
colocam acentos circunflexos
numa conversa de amêijoas.
Marulhos.
O ser a esmo perambula
com a memória das águas
nas cercanias de si mesmo.
O ser na praia vazia se toca
com a pedra marinha na boca.
O ser se sabe
na pedra de sua água.
Um nada de tudo
que é tudo e nada.
O mar, a vida, a onda
e o nada contidos na pedra.
Uma pedrinha de nada,
polida pelas águas.
Reluz nas trevas das palavras.
In. Revista Poesia Sempre. Nº 31. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2009, p.161-163.
Fonte da imagem: Icultgen
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