Goiamérico Felício - Poema







Brasigóis Felício










AÇOUGUE DAS ALMAS


A cidade planeja nossa morte:
máquina de nervos e ódio
a cidade nos tritura
do olho até os ossos.
O surdo ruído
de suas máquinas insones:
a cidade gane, executando
suas crianças.

A vida, presente nas coisas,
é de uma eternidade fragílima
e no tempo monetário foi transformada
em solidão e tédio.
A cidade, máquina de aço e ruídos
perfura a vida com seu ódio
até o fim dos ossos.


In. Hotel do Tempo.Brasigóis Felício.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Massao Ohno, 1981,p.82.
Imagem retirada da Internet: Indústria.

Murilo Mendes - Poema









Murilo Mendes








Corte transversal do poema



A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços.
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça,
fica com um braço de fora.
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos.
Um anjo cinzento bate as asas
em torno da lâmpada.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia,
um olho andando, com duas pernas.
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem.
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios.
Só tenho o outro lado da energia,
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
Imagem retirada da Internet: Anjo Safado

Alberto da Cunha Melo - Poema





Alberto da Cunha Melo








FORMAS DE ABENÇOAR




Fique aqui mesmo, morra antes
de mim, mas não vá para o mundo.
Repito: não vá para o mundo,
que o mundo tem gente, meu filho.


Por mais calado que você
seja, será crucificado.
Por mais sozinho que você
seja, será crucificado.


Há uma mentira por aí
chamada infância, você tem?
Mesmo sem a ter, vai pagar
essa viagem que não fez.


Grande, muito grande é a força
desta noite que vem de longe.
Somos treva, a vida é apenas
puro lampejo do carvão.


No início, todos o perdoam,
esperando que você cresça,
esperando que você cresça
para nunca mais perdoá-lo.


Imagem retirada da Internet - Criança.

Alberto da Cunha Melo - Poema





Alberto da Cunha Melo





Filho e neto de poetas, José Alberto Tavares da Cunha Melo nasceu na cidade de Jaboatão dos Guararapes, em 1942.Sociológo,jornalista e poeta integrante da Geração 65 da literatura pernambucana, publicou em 1966 o seu primeiro livro de poemas, Círculo cósmico. Como sociológo, atuou durante onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Como jornalista, foi editor do Commercio Cultural e da revista Pasárgada. Também colaborou com o Jornal da tarde, de São Paulo, onde publicou textos na seção Arte pela arte, e manteve a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural, do Recife.Foi vice-presidente da União Brasileira dos Escritores de Pernambuco, na sua primeira gestão, e Diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe.Em vida, publicou 16 livros, sendo 13 de poesias, e participou de 33 antologias poéticas, duas delas internacionais, com destaque para Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo jornalista e escritor José Nêumanne Pinto, e 100 anos de poesia. Um panorama da poesia brasileira no século XX, organizada por Claufe Rodrigues e Alexandre Maia.Na década de 1990, o livro Yacala é publicado em Portugal, pela Universidade de Évora, com prefácio do crítico literário e professor da Universidade de São Paulo, Alfredo Bosi.Em 2003, o seu livro Meditação sob os lajedos foi considerado um dos dez melhores livros publicados no Brasil, por um júri composto por 400 especialistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira.Em 2007, o livro O cão de olhos amarelos foi agraciado com o prêmio Poesia 2007 da Academia Brasileira de Letras.Em 2007, ainda, poucos meses antes de falecer, participou da Antologia Poética 2007, do grupo virtual Poetas Independentes, com cinco poemas, inclusive um inédito dedicado a Dom Hélder Câmara, Cancioneiro Para o Terceiro Mundo, sendo essa a sua última publicação em vida.Alberto da Cunha Melo faleceu aos 65 anos, às 19:35 horas do dia 13 de outubro de 2007, no Recife, sendo sepultado no Cemitério Morada da Paz, na cidade do Paulista.Segundo o Jornal do Commercio, do Recife, o poeta deixou uma vasta e consistente obra, de profunda preocupação com a existência humana.Fonte:Clóvis Campêlo




Especulação imobiliária



Os mais belos jardins do mundo
serão, para sempre, os baldios,
nos lotes, esperando preço,
e, de romantismo, vazios

onde nascem plantas estranhas,
ninguém sabe de quais entranhas:

as anti-rosas e anti-orquídeas
e as hastes verdes soluçantes,
entre trepadeiras ofídias,

todas, no esplendor do abandono,
e ameaçadas por seu dono.

(Abril de 2003)



In.O cão de olhos amarelos. São Paulo: A Girafa, 2006,p.104.
Imagem retirada da Internet: Lote Baldio

Francisco Perna Filho - Poema








Francisco Perna Filho






Meus olhos são enormes,
dão conta do mundo.
Para silenciar-me,
coloco-me dentro deles.





Imagens retiradas da Internet: 1 e 2

Fernando Pessoa (Ricardo Reis) - Poema






Fernando Pessoa








Deixemos, Lídia



Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.

Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre

E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas Dos agrados de Pã.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,

As ninfas não sossegam Na sua dança eterna.
E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã. Na atenção à sua flauta.

Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados.

Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.

Por isso as esqueçamos Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temêssemos.
Não nos vale pensarmos No futuro sabido

Que aos nossos olhos tirará Apolo E nos porá longe de
Ceres e onde Nenhum Pã cace à flauta
Nenhuma branca ninfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses Até sentir-lhe a calma.

Venha depois com as suas cãs caídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos deuses
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios
Nem precisam de crentes Os que de si o foram.


Imagem retirada da Internet: Flores Amarelas.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema











Fernando Pessoa








Olá, Guardador de Rebanhos


"Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"

"Que é, vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"

"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."

"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."


In Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.
Imagem retirada da Internet: www.olhares.com O Guardador de Rebanhos


Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) - Poema








Fernando Pessoa









Datilografia



Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra…

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.


Imagem retirada da Internet: Máquina de Escrever.

Ruy Espinheira Filho - Poema





Ruy Espinheira Filho

















Soneto do Quintal



para Matilde e Mario,
em Monte Gordo, março de 91





Ao recordar a moça, eu me comparo
ao cão que vejo a interrogar a brisa.
O que é mal comparar: bem mais precisa
é a mensagem de odores que o faro

decifra. E então medito sobre o claro
ser desse cão, e invejo essa precisa
vocação de existir. E ausculto a brisa
e nada nela encontro. Nada. E paro

de lembrar e pensar. Há mais profícuas
ocupações. Exemplo: só olhando
estar. Cão. Nuvens. Ramos. E, dormindo,

um gato. E essas formigas — três — conspícuas,
vestidas a rigor, deliberando
em torno de uma flor de tamarindo.




Imagem retirada da Internet: Tamarindo.

Memórias - Por Francisco Perna Filho




Francisco Perna Filho







O POETA E A CIDADE - MEMÓRIAS


(...)


Goiânia me traz belas lembranças, porque lá vivi uma boa parte, ou melhor, a maior parte da minha vida. Quem não se lembra do Hotel Presidente, do seu Cine Presidente, onde assisti pela primeira vez ao filme The Wall , Pink Floyd? Quem não se lembra da Galeria do Beto, no setor oeste, com seus barzinhos e lojas? Do Saloon, na República do Líbano. Do Hotel Bandeirante, com seu Piano Bar, palco de grandes acontecimentos sociais? Umuarama Hotel, Samambaia Hotel, Hotel Araguaia, Lord Hotel, todos fazendo parte desta bonita história? Momentos de uma vida, olhares vários de um tempo de encantamento, os belos bailes do Jóquei e do Jaó. Talvez pela distância, fato normal nas nossas fantasias de perpetuação do que é bom.

E a Praça Universitária? coisa igual não havia, ali embalei os meus sonhos, meus amores, a minha boêmia, quando comecei o meu curso de Letras na UCG, agosto de 1984, Época de D. Fernando. Vivíamos ainda a efervescência dos movimentos políticos, participei de algumas passeatas do DCE, juntamente com Denise Carvalho, Donizete, Edvirgens, Claudinho, Sinésio Dioliveira, e tantos outros irmão de luta. Participei do Festival Interno da Universidade Católica – I FIUC, fazendo parte de um pequeno caderno das músicas classificadas, na Gestão Águas de Março. Vivemos as Diretas, Já! Esta cidade sempre acolhedora e efervescente.

Em 1985, estávamos em Brasília ensaiando os primeiros passos de uma Democracia, mas não vimos Tancredo Neves no Poder, voltamos frustrados eu e mais uma centena de colegas da juventude socialista, que, durante dias, no DCE da UFG, nos preparamos para tão magnífico evento: confeccionamos faixas e cartazes. Bons tempos aqueles, apesar da repressão, da covardia e da humilhação.

Não só os ruídos de um belo tempo permanecem, mas a alegria, alguns sinais de uma alegria significativa que ainda resiste a todo o progresso material dos nossos dias. Sempre voltei o meu olhar para estas duas cidades: Miracema e Goiânia, um olhar que perscruta o sentido dos acontecimentos, que, além do barulho ensurdecedor das máquinas, consegue ouvir o longínquo assobiar do vento e o rouco latido do cão abandonado. Um ser que se volta para as marcas do tempo e, com elas, redescobre sua ancestralidade, sonhos e percalços, com elas revive as longas conversas e madrugadas que nunca se repetiam, mas que traziam vontades e transformações.


Imagem retirada da Internet - Viaduto da T-63

Memórias - Por Francisco Perna Filho




Francisco Perna Filho









O POETA E A CIDADE - MEMÓRIAS



(...)


Na década de oitenta, mudei-me para Goiânia. Cheguei lá, em 1981, e fui morar na Rua 03 com Assis Chateaubriand, no Setor Oeste, vizinho da Praça Tamandaré: a explosão jovem daquele tempo. O Setor Oeste era um Bairro Nobre, e continua sendo, mas trazia a doçura de uma cidade pequena, o encanto de suas praças, a tranquilidade de suas ruas, ainda com poucos edifícios. O Fórum e o Palácio da justiça eram apenas armações de concreto, seres do abandono. Bairros como o Jardim América começavam a despontar. Nova Suíça, timidamente se escondia para lá da 85, só depois, com a abertura da T-63, é que ganhou ares de nobreza.

O tempo passou, nasceu o Flamboyant: uma revolução arquitetônica e conceitual. A cidade já não era a mesma, começava tomar feição de uma cidade do mundo. Bem mais tarde vieram os outros shoppings, enquanto isso, os bares fervilhavam de gente: D. Quixote, Beb’s, Jotas, Trem Azul, Flor da Pele, na Assis Chateubriand, com o canto de Gilberto Correia e a voz e o toque preciso dos violões do Valtinho e do João Bolívar. O velho Trem Azul, sem falar na Praça da Cirrose, palco de boêmios e paqueras, com destaque para o Bar do Seu Marconi: o Canindé, com seus vendedores de rosas e amendoins, com as curvas modernas das moças e das cervejas, geladas em pé, nos 16 freezers incansáveis. Andando um pouquinho mais, podia-se ouvir a flauta afinada de Gilson Mundin, e, à noite, já bem mais leve, um encontro marcado no Latidude 2000, embalado pela voz do Pádua.

Aquele foi um tempo maravilhoso. De lá para cá, muita coisa mudou, a cidade tomou um ar de Grande Cidade, foi absorvida pelo progresso, pela cobiça. Perdeu a inocência e deixou-se seduzir pelos que vinham de fora e prometiam transformá-la em um lugar mais aprazível. Prometeram urbanizá-la e, por pouco, não a destruíram.

continua amanhã



Goiânia: vista noturna. Imagem retirada da Internet.

Memórias - Por Francisco Perna Filho




Francisco Perna Filho





O POETA E A CIDADE – MEMÓRIAS


As cidades sempre me fascinaram, desde muito cedo, eu tenho um certo encantamento com relação a elas, não importa o tamanho, a simplicidade, o povo que nelas vive. Sendo cidade, já está no meu gosto, e como gosto de ser urbano, sem desprezar, é claro, a vida tranquila do campo.

A cidade da nossa infância sempre nos marca, positiva ou negativamente, dependendo do que ali foi vivido, conquistado ou perdido, das pessoas com as quais convivemos, como fomos ambientados. A minha cidade foi-me muito significativa: Miracema do Norte, na década de 60, era um lugar de mais ou menos 6.000 habitantes, mas, para mim, era uma metrópole, gigantesca: suas ruas longas, intermináveis, estirões no centro do mundo. Os seus becos, os seus postes de madeira: dois fios esticados e uma lâmpada não muito potente, faziam as noites mais amenas e diluíam o olhar brilhante dos vaga-lumes. A luz era gerada num velho motor a óleo dísel que, por horas a fio, mastigava a escuridão, prolongando o ilusório dia das nossas infâncias.

O tempo passou, acostumei-me com os dias longos e tristes: um dia uma festa, noutro, o sino seco da matriz carpia a ausência de mais um que partia, os martelos cadenciados desenhavam os caixões durante toda noite, já que não tínhamos funerárias. A cidade atravessava as estações, o Rio Tocantins banhava a cidade, muitas vezes exagerava no banho e a cidade, quase submersa, chorava escombros e doenças, até recompor-se e firmar-se com seus ventos gerais, no mês de julho.

E ali eu cresci, corri descalço pela piçarra que cobria as ruas, brinquei com barquinhos de papel na enxurrada, colhi frutos silvestres pelo Correntinho e Bica, andei de bicicleta pelas ruas esburacadas, chupei manga e caju no pé, andei por quintas e nadei muitas vezes nas águas imensas do Tocantins. Descobri o sexo com as meninas no fundo quintal, até ser descoberto e levar uma surra de palmatória, ritos de passagem, como a minha primeira comunhão, tudo por curiosidade para experimentar o sabor de uma hóstia. Sempre a cidade como palco.

Fiz o meu primeiro grau na Escola Paroquial Santa Terezinha, dirigida pelos Padres Redentoristas, que mais tarde passou a se chamar Escola Estadual Santa Terezinha, e o segundo grau no Colégio Tocantins, sob a coordenação das irmãs da Assunção.

Continua amanhã


Imagem: Cidade do interior à noite - óleo sobre tela - by Eduardo Cambuí Junior (pintor baiano, auto-didata)

Manuel Bandeira - Poema







Manuel Bandeira







O ÚLTIMO POEMA




Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



In.Manuel Bandeira — São Paulo: Cosac Naify, 2006, pág. 35.
Foto by Sinésio Dioliveira - Zínia - Todos os direitos reservados.

Gregório de Matos Guerra - Poema




Gregório de Matos Guerra
(1633 - 1696)






Gregório de Matos e Guerra (Salvador, 23 de dezembro de 1636 — Recife, 26 de novembro de 1695), alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, foi um advogado e poeta do Brasil Colônia. É considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período.Gregório nasceu numa família com o poder financeiro alto em comparação a época, empreiteiros de obras e funcionários administrativos (seu pai era português, natural de Guimarães). Legalmente, a nacionalidade de Gregório de Matos era portuguesa, já que o Brasil só se tornaria independente no século XIX. Em 1642 estudou no Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Em 1650 continua os seus estudos em Lisboa e, em 1652, na Universidade de Coimbra onde se forma em Cânones, em 1661. Em 1663 é nomeado juiz de fora de Alcácer do Sal, não sem antes atestar que é "puro de sangue", como determinavam as normas jurídicas da época. Em 27 de Janeiro de 1668 teve a função de representar a Bahia nas cortes de Lisboa. Em 1672, o Senado da Câmara da Bahia outorga-lhe o cargo de procurador. A 20 de Janeiro de 1674 é, novamente, representante da Bahia nas cortes. É, contudo, destituído do cargo de procurador. Em 1679 é nomeado pelo arcebispo Gaspar Barata de Mendonça para Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia. D. Pedro II, rei de Portugal, nomeia-o em 1682 tesoureiro-mor da Sé, um ano depois de ter tomado ordens menores. Em 1683 volta ao Brasil. Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos. O novo arcebispo, frei João da Madre de Deus destitui-o dos seus cargos por não querer usar batina nem aceitar a imposição das ordens maiores, de forma a estar apto para as funções de que o tinham incumbido. Começa, então, a satirizar os costumes do povo de todas as classes sociais baianas (a que chamará "canalha infernal"). Desenvolve uma poesia corrosiva, erótica (quase ou mesmo pornográfica), apesar de também ter andado por caminhos mais líricos e, mesmo, sagrados. Entre os seus amigos encontraremos, por exemplo, o poeta português Tomás Pinto Brandão. Em 1685, o promotor eclesiástico da Bahia denuncia os seus costumes livres ao tribunal da Inquisição (acusa-o, por exemplo, de difamar Jesus Cristo e de não mostrar reverência, tirando o barrete da cabeça quando passa uma procissão). A acusação não tem seguimento.Entretanto, as inimizades vão crescendo em relação direta com os poemas que vai concebendo. Em 1694, acusado por vários lados (principalmente por parte do Governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho), e correndo o risco de ser assassinado é deportado para Angola. Como recompensa de ter ajudado o governo local a combater uma conspiração militar, recebe a permissão de voltar ao Brasil, ainda que não possa voltar à Bahia. Morre em Recife, com uma febre contraída em Angola. Porém, minutos antes de morrer, pede que dois padres venham à sua casa e fiquem cada um de um lado de seu corpo e, representando a si mesmo como Jesus Cristo, alega "estar morrendo entre dois ladrões, tal como Cristo ao ser crucificado".


SONETO LÍRICO


Quem viu mal como o meu, sem meio ativo?
Pois no que me sustenta e me maltrata,
É fero quando a morte me dilata,
Quando a Vida me tira é compassivo!

Oh! do meu padecer alto motivo!
Mas oh! do meu martírio pena ingrata!
Uma vez inconstante, pois me mata;
Muitas vezes cruel, pois me tem vivo!

Já não há, não, remédio, confianças;
Que a Morte a destruir não tem alentos,
Quando a Vida em penar não tem mudanças:

E quer meu mal, dobrando os meus tormentos
Que esteja morto para as esperanças,
E que ande vivo para os sentimentos.




In.Lírica, 1923, p. 21,por FB/CL, p. 463. (Antologia das Antologias. Gonçalves, Maria Magaly Trindade. São Paulo: Musa, 1995, p.58).
Imagem retirada da Internet - by Charlie Waite - Lucca, Tuscany Italy

Delermando Vieira - Poema





Delermando Vieira




Nasceu em Caldas Novas, GO, no dia 15 de fevereiro de 1950. Fez os estudos no Grupo Damiana da Cunha, Colégio Estadual Professor Pedro Gomes e Escola Técnica de Comércio de Campinas. Cursou Direito na Universidade Federal de Goiás. Professor de Literatura, é formado em Língua Espanhola pela Universidade Católica de Goiás. Membro da Academia Goiana de Letras e da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas. Possui inúmeras premiações literárias. Fez cursos e pesquisas no campo da Cabala e Demonologia, que acabaram influenciando a sua poesia, dando ao seu estilo uma “inclinação metafísica”, na análise de Darcy França Denófrio. Seus primeiros livros foram apresentados por Bernardo Élis e José Mendonça Teles. Em correspondência ao autor, José J. Veiga diz que seus “poemas atingem um tom compatível ao de grandes nomes de nossa poesia”. Bibliografia: Corpungido, Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 1982; A Sinfonia dos Peixes, Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, Goiânia: Unigraf, 1982; Opus, Prêmio Secretaria da Cultura e Desporto de Goiás, Goiânia: Graf. O Popular, 1982; A Flauta do Cão Abigail, Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, Goiânia: CERNE, 1984; Como Pássaros Suspensos no Jardim do Tempo, Prêmio Nacional de Poesia, Academia Goiana de Letras, Goiânia: Gráfica e Editora Líder, 1988; A Luz das Velas de Sebo, Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, Goiânia: Secretaria de Cultura da Prefeitura de Goiânia, 1990; Queda & Ascensão, segundo a Visão dos Pássaros, Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, Goiânia: Gráfica Print, 1991; Iluminada Ausência da Luz, Prêmio Bolsa de Publicações José Décio Filho, 1992 e prêmio Calandra. Goiânia, 1996; A Dor de Amar Demônios, contos. Prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina. Goiânia, 1997. (Fonte: Antônio Miranda)




EM LA BODEGA




E assim naquelas tardes de um aguaceiro
cobrindo as copas das árvores,
as calhas,
as chaminés,
o mundo,
eu me punha
(talhe o espelho na espuma do vento)
pensativo e a beber na Taberna dos Pífanos,
à baila das danças, na espera daquilo que mais
se parece com ânsia, que mais se parece com luz,
que mais se afeiçoa ao sol.
E assim, naquelas tardes,
sombras de corais
(e musgos)
doridos,
eu me atracada derruído,
tal barco naufragado no incabível soluço das ondas, às luminárias que à
boca da noite se tangiam foscas,
como as roscas (moscas?) na fonte da angústia,
feito aviso diviso em seu visgo,feito visgo indiviso no aviso.
Em La bodega,
donde públicas manos proclamavam
el aroma de lãs uvas y evocavam
a máscula e mácula máscara do dia,
u buscava, mirando o crepúsculo
derretido na tepidez das cinzas insalubres,
o pássaro — titã dourado no sussurro eólico
das vestes em alfaias —, que deveriam pousar,
a qualquer momento, no ríctus das horas
embebidas em gotas labiais.

Do passado uma sombra se me chegava (atarantada?)
como tarântula tramando, andando, na madrugada.
Uma sombra, e não mais que uma sombra,
mas uma sombra a mais, se me chegava,
me tocando o peito-piano,
num aquebranto gitano,
entre os vinhos esfumados no ar. INSUSTENTÁVEL TENTAÇÃO DE AMAR

Beija-me com os beijos de tua boca
Porque melhor é o teu amor
do que o vinho.





Imagem retirada da Internate - Sombra.

Coelho Vaz - Poema




Geraldo Coelho Vaz



Geraldo Coelho Vaz nasceu em Goiânia (GO), em 24 de setembro de 1940. Fez os cursos primário, ginasial e Técnico em Contabilidade na cidade de Catalão (GO). Cursou Direito na Universidade Católica de Goiás. As atividades literárias de Coelho Vaz tiveram início ainda em Catalão, no Grêmio Lítero-Cultural Águia de Haia. Professor de Direito Penal e de Processual Penal, na Escola dos Oficiais da Polícia Militar. Desde sua estréia em livro, em 1963, passou a participar de órgãos culturais e atuar na imprensa, com destaque no jornal O Quarto Poder. Entrou para a Academia Goiana de Letras e para a Academia Catalana de Letras, e é um dos fundadores da União Brasileira de Escritores, seção de Goiás, a qual presidiu por três vezes. Ocupou diversos cargos, cabendo destacar que foi secretário de Estado de Cultura, presidente da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, além de ser membro do Conselho Municipal de Cultura e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Recebeu o troféu “Tiokô”, conferido pela UBE-GO. Em 2004, recebeu a medalha “Hugo de Carvalho Ramos”, do Conselho Estadual de Cultura de Goiás, e o prêmio Clio de História, pela Academia Paulistana de História, com o livro “Senador Canedo – vida e obra”, e a comenda “Grão-Mestre da Ordem do Mérito Anhanguera”, do Governo goiano, no grau de Comendador pelos relevantes serviços prestados ao Estado de Goiás.Vem construindo sem vaidade uma obra ampla, de lirismo puro, como completa Gabriel Nascente: “numa total lucidez”, que não se arroga ser a verdade última dentro da poesia goiana, mas que ocupa espaço por total merecimento.Bibliografia: Poemas da ascensão, RTFG, 1963; Mensagem livre, Ed. Oriente, 1971; Águas do passado, Líder, 1986; Corpo noturno, Ed. Kelps, 1991 e O Outro Caminho, Ed. Renascer, 2007. Deixam de figurar aqui os livros jurídicos e de história. (Fonte: Antônio Miranda)




JAMAIS ME ESQUECERÁ



Sirva-se de mim.
O que jamais imaginei.
Eu, observando calado
o amor de todas as noites,
momentos de excitação
e forte desejo.
A fortaleza
está na voz suave,
deslizante na aurora matinal.

Sirva-se de mim
uma vez mais.
Em forma de mar,
furacão em ondas.
Com mãos firmes
eternize a imagem
desejada do encantamento
da noite cálida.

Sirva-se de mim
e jamais me esquecerá.




In.O Outro Caminho. Goiânia: Renascer, 2007. p.29.
Imagem retirada da Internet - Noite.

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...