Cacáso (Antônio Carlos de Brito) - Poema


Mar e Amor


Amor Amor
Quando o mar
Quando o mar tem mais segredo
Não é quando ele se agita
Não é quando é tempestade
Nem é quando é ventania
Quando o amor tem mais segredo
É quando é calmaria
Quando o amor
Quando o amor tem mais perigo
Não é quando ele se arrisca
Não é quando ele se ausenta
Nem quando eu me desespero
Quando o amor tem mais perigo
É quando ele é mais sincero.


Imagem retirada da Internet: mar calmo

Florbela Espanca - Poema



Versos de orgulho


O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho ! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.


Porque o meu Reino fica para além ...
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !


O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
__O jardim dos meus versos todo em flor ...
A seara dos teus beijos, pão bendito ...


Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços ...
__São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.


Soneto Puro

Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
de verdes áreas de seu vão lamento.
.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
.
Seja o amor como o tempo – não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.

Luís Otávio Fraz - Ensaio Poético



DUAS PÉROLAS

Imagem retirada da Internet - Paris

Duas cidades neste mundão de meu Deus devem ser visitadas antes de você morrer. Uma é Paris, a outra é Araguacema. Ambas são belas, deslumbrantes, cada uma a seu modo. Uma é grande, não tão grande, porque quando a visitamos vamos sempre aos mesmos lugares. Torre Eiffel, Arco do Triunfo, museus, passeio no rio Sena, mostras culturais, galerias, cafés, cemitérios, catedral de Notre Dame, lojas e lojas, gastando num sem fim... Vai-se a estes lugares de carro, metrô, táxi, bicicletas, com o risco sempre presente de ser tungado por algum oportunista como toda e qualquer metrópole. Então, se amiúda.


A outra é pequena, não tão pequena porque quando a visitamos está sempre em constante transformação. Ora são os peixes migrando de um canto a outro e temos o desafio constante de persegui-los para assá-los na trempe mais próxima, ora são as praias teimosas a mudar de lugar, de perfil, mais funda ou mais rasa, mais ou menos perigosa. São as pedras crispadas, ora vivas ora mortas a atormentar a vida dos barqueiros, os botos a fugir de nossas câmeras e olhares. Vai-se a estes lugares de canoa, de voadeira[1], de barco, todos pelo mesmo itinerário e sem engarrafamento, o rio Araguaia. Daí, se agiganta.
Paris foi construída pelo homem e ele soube muito bem edificar os prédios, burilar lindas esculturas, escrever poemas, escavar túneis para trazer de longe a água potável. Abriu tumbas e depois esvaziou-as para levar os ossos, milhões de ossos, para 30 metros abaixo do túnel de metrô. Defendeu-a dos invasores e plantou tantas lâmpadas, de todas as cores e formatos, até ser chamada de cidade luz. Seu principal nome, o homem das armas Napoleão Bonaparte, está guardado em seis caixões, um dentro do outro, dizem as más línguas, pra nunca mais fugir. As pessoas gastam milhares de reais para irem a Paris se lambuzar de loções, cremes, perfumes de primeira qualidade, comer a peso de ouro umas pequenas gramas de caviar ou de foie gras[2].



Imagem retirada da Internet - Araguacema 
Araguacema foi construída por Deus e ele soube muito bem edificar belas serras, córregos, vales, campinas, praias, infinitas delas e tão desabitadas como o céu infinito, morada das tracajás, tartarugas, gaivotas, colhereiros, corta-águas, socós, maguaris, sassaricos,  martins-pescadores, jacarés, lontras. De vez em quando, uma vez por ano, homens, milhares deles, para quebrar a sagrada monotonia do lugar. As cores e tintas usadas na confecção deste quadro se renovam a cada alvorecer porque descoram em cada ocaso. E nesta paisagem o homem plantou as casas de alguns privilegiados para compor o quadro. Nas poucas ruas e vielas se vai mesmo a pé, sem gastar tostão. E se degusta o bolo de arroz da Graça, o "suna"[3] com a "de puba"[4], ou a torta de cari, até esfalfar, por pouquíssimos reais. Dorme-se na praia, coberto de estrelas. É também cidade luz em noites de lua cheia quando explode em brilho quase a tocar o rio, inspiração dos seresteiros, farol dos pescadores. Seu principal nome, homem da poesia, José Wilson Leite, repousa às margens do majestoso Araguaia, com a alma livre a passarinhar por aí.


Os curraleiros[5] e beradeiros[6] talvez não a valorizem tanto,  porque a têm na mão; os estrangeiros quando a conhecem babam. E gastam milhares de euros para revisitá-la. Quem morrer sem conhecer estas duas pérolas não se salva. Antes, deixará a alma penando por aí, de remorso...




[1] Barco rápido e leve a motor.

[2] Patê de fígado de pato.

[3] Tucunaré.

[4] Farinha grossa de mandioca.

[5] Filhos da terra
.
[6] Ribeirinhos. 

Texto originalmente publicado no Jornal do Tocantins, edição de 28/07/2012.

Sobre o autor: Luís Otávio Fraz é natural de Araguacema- TO, Juiz de Direito em Palmas, e Membro da Academia Palmense de Letras.

Vinícius de Moraes - Poema


Vinicius de moraes – Poemas

A mulher na noite


Eu fiquei imóvel e no escuro tu vieste.
A chuva batia nas vidraças e escorria nas calhas - vinhas andando e eu não te via
Contudo a volúpia entrou em mim e ulcerou a treva nos meus olhos.
Eu estava imóvel - tu caminhavas para mim como um pinheiro erguido
E de repente, não sei, me vi acorrentado no descampado, no meio de insetos
E as formigas me passeavam pelo corpo úmido.
Do teu corpo balouçante saíam cobras que se eriçavam sobre o meu peito
E muito ao longe me parecia ouvir uivos de lobas.
E então a aragem começou a descer e me arrepiou os nervos
E os insetos se ocultavam nos meus ouvidos e zunzunavam sobre os meus lábios.
Eu queria me levantar porque grandes reses me lambiam o rosto
E cabras cheirando forte urinavam sobre as minhas pernas.
Uma angústia de morte começou a se apossar do meu ser
As formigas iam e vinham, os insetos procriavam e zumbiam do meu desespero
E eu comecei a sufocar sob a rês que me lambia.
Nesse momento as cobras apertaram o meu pescoço
E a chuva despejou sobre mim torrentes amargas.

Eu me levantei e comecei a chegar, me parecia vir de longe
E não havia mais vida na minha frente.

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