DUAS PÉROLAS
Imagem retirada da Internet - Paris
Duas cidades neste mundão de meu Deus devem ser visitadas antes de você morrer. Uma é Paris, a outra é Araguacema. Ambas são belas, deslumbrantes, cada uma a seu modo. Uma é grande, não tão grande, porque quando a visitamos vamos sempre aos mesmos lugares. Torre Eiffel, Arco do Triunfo, museus, passeio no rio Sena, mostras culturais, galerias, cafés, cemitérios, catedral de Notre Dame, lojas e lojas, gastando num sem fim... Vai-se a estes lugares de carro, metrô, táxi, bicicletas, com o risco sempre presente de ser tungado por algum oportunista como toda e qualquer metrópole. Então, se amiúda.
A outra é pequena, não tão pequena porque quando a visitamos está sempre em constante transformação. Ora são os peixes migrando de um canto a outro e temos o desafio constante de persegui-los para assá-los na trempe mais próxima, ora são as praias teimosas a mudar de lugar, de perfil, mais funda ou mais rasa, mais ou menos perigosa. São as pedras crispadas, ora vivas ora mortas a atormentar a vida dos barqueiros, os botos a fugir de nossas câmeras e olhares. Vai-se a estes lugares de canoa, de voadeira[1], de barco, todos pelo mesmo itinerário e sem engarrafamento, o rio Araguaia. Daí, se agiganta.
Paris foi construída pelo homem e ele soube muito bem edificar os prédios, burilar lindas esculturas, escrever poemas, escavar túneis para trazer de longe a água potável. Abriu tumbas e depois esvaziou-as para levar os ossos, milhões de ossos, para 30 metros abaixo do túnel de metrô. Defendeu-a dos invasores e plantou tantas lâmpadas, de todas as cores e formatos, até ser chamada de cidade luz. Seu principal nome, o homem das armas Napoleão Bonaparte, está guardado em seis caixões, um dentro do outro, dizem as más línguas, pra nunca mais fugir. As pessoas gastam milhares de reais para irem a Paris se lambuzar de loções, cremes, perfumes de primeira qualidade, comer a peso de ouro umas pequenas gramas de caviar ou de foie gras[2].
Imagem retirada da Internet - Araguacema
Araguacema foi construída por Deus e ele soube muito bem edificar belas serras, córregos, vales, campinas, praias, infinitas delas e tão desabitadas como o céu infinito, morada das tracajás, tartarugas, gaivotas, colhereiros, corta-águas, socós, maguaris, sassaricos, martins-pescadores, jacarés, lontras. De vez em quando, uma vez por ano, homens, milhares deles, para quebrar a sagrada monotonia do lugar. As cores e tintas usadas na confecção deste quadro se renovam a cada alvorecer porque descoram em cada ocaso. E nesta paisagem o homem plantou as casas de alguns privilegiados para compor o quadro. Nas poucas ruas e vielas se vai mesmo a pé, sem gastar tostão. E se degusta o bolo de arroz da Graça, o "suna"[3] com a "de puba"[4], ou a torta de cari, até esfalfar, por pouquíssimos reais. Dorme-se na praia, coberto de estrelas. É também cidade luz em noites de lua cheia quando explode em brilho quase a tocar o rio, inspiração dos seresteiros, farol dos pescadores. Seu principal nome, homem da poesia, José Wilson Leite, repousa às margens do majestoso Araguaia, com a alma livre a passarinhar por aí.
Os curraleiros[5] e beradeiros[6] talvez não a valorizem tanto, porque a têm na mão; os estrangeiros quando a conhecem babam. E gastam milhares de euros para revisitá-la. Quem morrer sem conhecer estas duas pérolas não se salva. Antes, deixará a alma penando por aí, de remorso...
[1] Barco rápido e leve a motor.
[2] Patê de fígado de pato.
[3] Tucunaré.
[4] Farinha grossa de mandioca.
[5] Filhos da terra
.
[6] Ribeirinhos.
Texto originalmente publicado no Jornal do Tocantins, edição de 28/07/2012.
Sobre o autor: Luís Otávio Fraz é natural de Araguacema- TO, Juiz de Direito em Palmas, e Membro da Academia Palmense de Letras.
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