Foto by Margarida Dias
Espaço interior
Sou um cara de costumes e rotinas, faço as
coisas como sei que sempre dão certo, do tipo “não se mexe em time que tá
ganhando”. Até em coisas pequenas sigo certo ritual, veja esse exemplo: Quando
vou à casa de minha namorada sempre faço o mesmo trajeto, na ida vou pela rua
de cima, Castanhedo Lima e, na volta, venho pela de baixo, travessa Bosque das
Orquídeas. Na esquina da rua de cima tem um bar, aparentemente, um bar como
outro qualquer, sempre passava por ele e estava fechado, pois ia cedo para ter
mais tempo junto com a figura.
Mas um dia desses mudei meu roteiro e vi o bar
aberto, porém, para minha surpresa, não era um bar como outro qualquer, apesar
das mesas, cadeiras com a marca da cerveja patrocinadora e outras coisas que
todo bar tem, tudo isso apenas na varanda que o rodeia por que não se podia ver
o interior do mesmo, pelo simples fato de não haver nenhum facho de luz dentro,
todo o espaço interior se encontrava na mais completa escuridão. Essa estranheza de iluminação faz a
cabeça de quem olha se perguntar quem teve a ideia? Qual o sentido? Uma jogada
de marketing? Por que luzes fora e não dentro do bar? Quem seria o dono, o
gênio da lâmpada?
Passei e levei junto com o cheiro da pinga que exalava essas indagações
e a certeza que voltaria ali para descobrir o grande mistério e quem seria o
criador de tal atmosfera em que da luz faz-se trevas pra quem entra e pra quem
sai das trevas faz-se luz.
Com ideias martelando minha cabeça, pensamentos
piruetando por meu juízo... Qual seria o significado da iluminação, da falta de
iluminação, sei lá, se era por que depois de umas doses tudo se ilumina na
vida... Foram tantos pensamentos sobre o significado, até mesmo de não haver
significado algum, que não demorei e retornei ao bar.
No caminho veio-me a ideia de que podia ter tido um curto
circuito na instalação elétrica naquele dia e que agora quando chegasse ao bar
ele estaria iluminado como todo bar, seria mais um lugar comum, com pessoas
comuns. Mas como a dúvida pairava, segui.
E lá estava eu, na entrada iluminada e me preparando para o
interior escuro. Não sei descrever a enxurrada de ideias que passou por minha
mente, lembro que pensei em voltar, mas não, entrei na escuridão e sentei numa
mesa. Um garçom, vestido como garçom normal,
veio me atender e por motivos óbvios não me trouxe cardápio, se resumiu a perguntar
o que eu desejaria beber. Pedi uma cerveja e ele saiu; nesse intervalo
minha visão já havia se acostumado à falta de luz e pude perceber que só havia
eu e outro vulto sentado num dos cantos do bar. Chegou a cerveja, tomei um
copo, dois, no terceiro chamei o garçom e pedi uma pinga, ele apenas me disse
que tinha uma pinga boa e saiu, voltou trazendo a doze que tomei de um gole só. Pedi outra e tomei de virada, tendo como tira-gosto um
gole do último copo da cerveja. Fiquei um pouco atordoado que nem
percebi que algo se aproximava, quando senti foi uma mão sobre o meu ombro e
uma voz que dizia: “você gostou da pinga?”.
Quem perguntou foi o vulto do canto da mesa, que agora se
apresentava mais visível. Um senhor alto, cabelos grisalhos, voz ríspida,
forte...
Respondi que sim e ele secamente disse: “sou eu mesmo que faço.
Essa é a pinga da casa!” Aí que me dei conta ali estava o arquiteto de toda aquela
atmosfera intrigante.
Não sentou e mais nada disse, permaneceu em pé ao meu lado,
indiferente. Meio que sem jeito eu perguntei o nome dele. Ele como uma estátua, disse friamente “Osmar” e ia se
virando para voltar ao seu canto, quando de supetão eu perguntei: “por que não
há luz?”.
Ele seguindo para seu canto disse: “não gosto
de pessoas, no escuro vejo apenas vultos do que poderiam ser e não são; e nem
gostei de você, é apenas mais um vulto igual a tantos que estão aí fora, apenas
curiosos, mais nada.” Sem mais nada dizer sentou no seu canto, acendeu um
cigarro e novamente se tornou um vulto. E eu como ele mesmo disse, paguei a
conta e voltei a ser como todos que andam pelos bares daquela redondeza.
E sem saber exatamente o que ele quis dizer, segui
para casa triste como um vulto humano que adentrou em um bar, bebeu e
tediosamente nada aprendeu, nada esqueceu, nada viveu... Apenas bebeu.
Henrique não conheço outros textos seu, porém, esse me parece original,e que trás uma mensagem interessante da mesmice da diversão da maioria dos lugares, de como o ser humano é isso uma coisa sem surpresa! abraço!
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