ENSAIOS LITERÁRIOS

                                                                                                                                     MANOEL DE BARROS






Manoel de Barros






Abrindo fendas com o corpo




                                                                                                                  Há muitas maneiras sérias de não
                                                                                                                       dizer nada,mas só a poesia é verdadeira."  
                                                                                                                                                           (Manoel de Barros) 


  

                                                                                                                                                           

      
                                                             Por  Francisco Perna Filho                                   






Por mais que se queira esquivar, não se pode falar em literatura sem buscar a sua inserção (mesmo que inconsciente) em um determinado contexto: histórico, político-social etc. João Alexandre Barbosa no seu livro As Ilusões da Modernidade assim nos fala:

“(...) a história do poema moderno nada tem a ver com a descrição de seus apogeus e declínio: é antes uma história que só se desvela no movimento interno de passagem de um para outro poema”.

O que João Alexandre quer nos dizer é que no fazer poético existe uma imbricação de muitas vozes ao longo do tempo e que só são percebidas a partir de um desvelamento do poema no seu processo de diálogo com o autor-leitor. E é nesse diálogo que irá se estruturar a poesia de Manoel de Barros, enriquecida pela alma criadora dos seus predecessores, os quais rompem com os cânones ultrapassados para estabelecer traços definidores da poesia moderna, como a subversão da linguagem, o desregramento do sentido, a desumanização e dispersão do Eu empírico. Traços fundamentais na construção da novidade poética desse cantor efetivo das coisas do Pantanal.

No presente trabalho, buscarei evidenciar os elementos supracitados, caracterizadores da poesia barreana, bem como as relações que este poeta estabelece com o substrato pantaneiro, elevando o seu bestiário a uma representatividade poética, plurissignificativa do ponto de vista imagético, enfatizando as manifestações da linguagem nas suas possibilidades eróticas e, ainda, apontando a presença criadora de Eros na sua constante luta com Tanatos:vida e morte. Para esse estudo adotarei, sempre que o autor estudado for citado, as iniciais do seu nome (M.B.), bem como as das suas obras que forem mencionadas, ficando, portanto, assim relacionadas: G.E.C. (Gramática Expositiva do Chão); P.C.S.P. (Poemas Concebidos Sem Pecado); F.I.(Face Imóvel); P. (Poesias); C.P.U.P.(Compêndio Para Uso dos Pássaros);M.P.(Matéria de Poesia);; A.A.(Arranjos para Assobio); L.P.C.(Livro de Pré-coisas); G.A.(O Guardador de Águas); L.S.N.(Livro Sobre o Nada); L.I.(Livro das ignorãças).

Na construção da sua poesia, M.B. dialoga com Arthur Rimbaud, Oswald de Andrade, Raul Bopp entre outros, ao passo que vai trilhando por caminhos, aparentemente banais, mas que se revelam sinuosos, profundos, num aspecto fragmentário e que vão se estruturando na desestruturação das construções já cristalizadas e gastas. Como poderemos comprovar no Livro das Ignorãças:

               Em casa de caramujo até o sol encarde
                (L.I.)p.25

               Lembro um menino repetindo as tardes naquele quintal.
                (L.I.)p.25

O autor retoma construções simples, gastas no aspecto semântico e recria a partir das mesmas um manancial imagético, campos plurissignificativos. O primeiro verso pode nos remeter a construções do tipo:

            Em casa de ferreiro espeto de pau (adágio popular)

            Já o segundo não foge à regra:

            Lembro de um papagaio repetindo as palavras naquele quintal.

Construções, que do ponto de vista poético nada representam, ou seja, não trazem nenhuma novidade significativa. M.B. Elege uma linguagem onírica, fragmentada; rica em nuances surrealistas, que escandaliza pela vivacidade das suas imagens, como no livro Matéria de Poesia:

            (...) saudade me urinava na perna
           Um moço de fora criava um peixe na mão
           Na parte seca do olho, a paisagem tinha formigas mortas (...)
            (M.P.)p.196.

Ou ainda, em Arranjos Para Assobio, de composição cubista em que os blocos semânticos são justapostos, permitindo leituras em vários planos, onde a única lógica existente é a poética:

                (...) Nos monturos do poema os urubus me farreiam.
                Estrela é que é meu penacho!
                Sou fuga para flauta e pedra doce.
                A poesia me desbrava.
               Com águas me alinhavo.
               (A.A.)p.203.

Enlevado pelo seu poder criador, pela sensibilidade de sua percepção, M.B. libera a sua expressão cheia de plasticidade e com isso a sua poesia vai ganhando formas, passeando pelos recônditos do homem pantaneiro, ultimado pelo enlace com uma natureza prenhe, que anseia revelar-se como organismo vivo, pulsante e que traz em si o grito de insetos e larvas...um mundo nunca antes revelado, visto de baixo:

            (...) No oco do acurizeiro o grosso canto do sapo é contínuo.
            Aranhas caranguejeiras desde ontem aparecem de todo lado.
            Dão ares de que saem do fundo da terra.
            Formigas de roseiras dormem nuas.
            Lua e árvore se estudam de noite.
            Por dentro da alma das árvores, orelha-de-pau está se preparando para nascer.
            Todo vivente se assanha.
            Até o inseto de estrume está virando.
            Se ouve bem de perto o assobio dos bugios na orla do cerrado.
            Cupins estão levantando andaimes.
            (L.P.C.)p.235.

O poeta matogrossense, como ser criador, vai revelando a multiplicidade de vidas que habitam o pantanal e que traduzem a força criadora de Eros em sua constante luta com Tanatos: morte, traçando a conduta do ser no equilíbrio natural, já que para a sobrevivência de uns se faz necessário o desaparecimento de outros. Como nos fala Georges Bataille:

(...)Os que se reproduzem sobrevivem ao nascimento do que eles geram, mas essa sobrevivência não é senão um sursis. Um prazo é dado aos recém chegados, mas o aparecimento destes é a prova de um desaparecimento dos predecessores.”

Esse sursis de fala Bataille é ricamente mostrado no poema Agroval, onde a relação de trocas que se estabelece – no processo de multiplicação – entre os seres é bem caracterizada:

            Agroval

            Por vezes,nas proximidades dos brejos ressecos,
            Quando as águas
            Encurtam nos brejos, a arraia escolhe
            Uma terra propícia,
            Pousa sobre ela como um disco, abre
            Abre com suas asas uma cama,
            Faz chão úbere por baixo, e se
            Enterra.

            Por baixo de suas abas lateja um
            Agroval de vermes, cascudos, girinos
            E tantas espécies de insetos e
            Parasitas, que procuram o sítio como
            Ventre.


            E a cabo de três meses de trocas e
            Infusões,
            A chuva começa a descer...e a arraia
            Vai levantar-se.
            Seu corpo deu sangue e bebeu.
            Na carne ainda está embutido o fedor
            De um carrapato.

            É a pura inauguração de um outro
            Universo.
            (L.P.C.)p.232-4

M.B. funde o adjetivo agro, que quer dizer: acre, escabroso, com o substantivo val, forma apocopada de vale e forma o título do seu poema: Agroval, portanto um vale acre, escabroso; difícil de se imaginar que ali haja vida, que possa acontecer algo tão misterioso como essas trocas entre animais. O Poeta, ser astuto, refletindo a energia criadora de Eros, traz à tona as coisas ínfimas, ordinárias e com elas reinventa a natureza, criando espaços que fogem ao pitoresco, ao superficial fotográfico, como ele mesmo afirma a José Geraldo Couto – enviado da Folha de S. Paulo – que o entrevistara:

            (...)É evidente que não cabe a nós inventar o mundo mais do que está inventado.
                  para ter algum sentido, você tem que fazer, através da palavra, um outro mundo.”

            E acrescenta:
“Então, para que se invente um mundo novo, é preciso que a gente transfigure, em vez de copiar.”

E é na feitura de um outro mundo que M.B. nos apresenta um homem nas suas múltiplas faces: entranhado nas coisas do chão, participativo da realidade pantaneira, identificado com o desejo natural dos bichos do Pantanal e revelado nas pulsões eróticas destes, como veremos a seguir:

            (...)Em passar a sua vagínula sobre as
pobres coisas do chão,
            a lesma deixa risquinhos líquidos...
            a lesma influi muito em meu desejo de
gosmar sobre as palavras
            nesse coito com letras!
            Na áspera secura de uma pedra a lesma
Esfrega-se
            Na avidez de deserto que é a vida de uma
Pedra a lesma escorre...
            Ela fode a pedra.
            Ela precisa desse deserto para viver.
            (G.A.)p.293.

M.B. concentra as suas imagens no que ele nomina, substantiva, antropomorfiza, como é o caso da lesma: animal quase sempre asqueroso, gosmento, marginal, que vem acompanhado de um caracol; por isso um duplo, como o é o poeta, que vai cavando espaços nas pedras, abrindo fendas com o corpo...empreendendo-se erótico na linguagem que adota. Para M.B. a lesma assim é definida:

            Lesma, s.f.
            Semente molhada de caracol que se
Arrasta
            Sobre as pedras, deixando um caminho de
Gosma
            Escrito com o corpo
            Indivíduo que experimenta a lascívia do
Ínfimo
            Aquele que viça de líquem no jardim.
            (A.A.)p.215.

Assim como a lesma, os cascudos, o vasto bestiário pantaneiro, numa relação especular com o poeta, tornam-se matéria poética, liberam pulsões eróticas, empreendem-se figurativas, na acepção bartheana, plurissignificativas no momento em que se fundem com a natureza:


 (...)Por baixo das cascas podres, dizem, esses cascudos metem. Tais informações foram sempre dados por devaneios, por indícios, por força de eflúvios – A partir da fusão com a natureza esses bichos se tornam eróticos. Se encostavam no corpo da natureza para exercê-la. E se tornavam apêndice dela.”(G.A.)p.284.


Sobre esse assunto, no livro Erotismo e Literatura, Jesus Antônio Durigan assim concebe o estabelecimento do erótico:


“(...) O erotismo, se assim podemos dizer, resultaria de um conjunto de relações ligadas ao princípio do ou decorrentes do princípio da realidade, de cujo inter-relacionamento se configurariam os lugares dos sujeitos. Esses lugares marcados pela falta, pela necessidade, corresponderiam aos espaços dos sujeitos mediatizados e orientados para a consecução do prazer, a supressão da necessidade, suas atuações, seus papéis, no espetáculo erótico.



É interessante observar como o poeta, através da linguagem, vai tecendo esse conjunto de relações, de que fala Jesus Durigan, significativas que irão configurar o texto erótico:




          Uma palavra abriu o roupão pra
mim
            Ela deseja que eu a seja.
            (L.S.N.)p.70


Já para Roland Barthes, em O Prazer do Texto, referindo-se sobre o lugar do erótico no corpo, na cultura e na palavra, assim o define:



 “(...) Nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; a fenda entre ambas é que se torna erótica”. E acrescenta: O lugar mais erótico de um corpo não é o ponto em que o vestuário se entreabre?


O que se pode interpretar dessa fenda é que ela é a novidade significativa, que, no caráter do inesperado, faz vir à tona a novidade poética como força da atuação do sujeito no desejo de revelar-se...do vir a ser. É a linguagem como força reveladora, como veremos:



            “A terapia literária consiste em
            desarrumar a linguagem
            a ponto que ela expresse nossos mais
            fundos desejos.”
            (L.S.N.)p.70.


M.B., no conjunto de sua obra, busca a expressão  mais pura, fecundada no seio de uma natureza muitas vezes desconhecida, anônima, mítica...mas louca por revelar-se. Uma natureza que fala para quem sabe ouvi-la...uma natureza que também é linguagem, como afirma Mikel Dufrenne no seu livro O Poético:


            “A linguagem é de per si natureza, mas é uma natureza que fala e que inspira, testemunha e expressão, diremos, de uma natureza naturante que por si mesma nos fala”.E acrescenta: “Se o poeta trata a linguagem como coisa natural, é talvez pressupondo uma natureza falante. É em todo caso respeitando a função semântica da linguagem, elevando ao máximo seu potencial expressivo; esse potencial será tanto mais elevado quanto mais a palavra for restituída à sua natureza e reconduzida à sua origem.”


E foi assim, que, seduzido pela Linguagem-natureza” e pela “natureza-naturante”, busquei fazer uma reflexão crítica sobre o Poeta do Pantanal e nele descobri um menino levado, que brinca com as palavras, terapeutizado pelos seus delírios verbais; congraçado pelas antíteses de Baudelaire...quando, na pretensão de obter sabedoria vegetal, chega ao criançamento das palavras e abre um descortínio para o arcano.

Fonte da imagem: Internet

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 Navegar é preciso, viver não é preciso”
                                                                                                          (Fernando Pessoa)


Os búzios de Braz no mar da linguagem



Valdivino Braz - Foto Jornal Opção






Por Francisco Perna Filho*



Acostumado à reflexão das coisas, alimentado por uma força expressiva impressionante, o poeta Valdivino Braz brinda-nos com Trompa de Falópio, primoroso texto poético, onde o mar surge como “o grande útero/ em perpétuo movimento” capaz de gerar vidas, e acomodá-las para que sobrevivam nesse oceano tão diverso e abissal. Eis aí, o mar, metáfora precisa do grande universo chamado linguagem. Dessa forma, o poeta alinhava o seu querer nas águas profundas de sua memória, para compor o texto poético, mesmo sabendo dos riscos que corre quem se atira a tal empreendimento. Viver, escrever, são atos de risco, como alerta o poeta:
  os moços,
  noviços de entusiasmo e alvoroço,
                                                                      imaculados de prima viagem,
 inda os cueiros a salvo
 dos portos de salsugem,
 saibam do cuspe negro do polvo,
 dos tentáculos da criatura,
 e da mija  vinagre a queimadura.
 ....................................................       
 os que afloram agora
 às margens da linguagem
 e da vertigem,
saibam dos riscos que correm
 - e dos que morrem –
 nesta aventura(...)
               p.20.

Ele sabe desses riscos mas, para tal,  aparelha-se com todos os recursos que conhece, porquanto o seu querer está acima de qualquer empecilho: a tessitura narrativa de um certo homem -do- mar, das muitas histórias que conhece, e que são referenciadas na constituição da memória de resgate. Algo há a ser dito, e deve ser dito, é a materialização daquilo que o poeta quer dizer, antes que ele se consuma "no fundo abissal de oceânicas bocas". A escrita como perpetuação do vivido, como dimensão do drama existencial de qualquer homem que se lance ao mar-texto:

Posto ainda que desde o início

tudo é contar,
que eu vos conte
umas coisas de mar,
antes que o peixe pereça
e, morto, apodreça;
antes que tudo se perca,
                  (...)p.14.


Valdivino Braz, na orelha do seu livro, situa o seu texto como sendo uma rapsódia: " A Trompa de Falópio - Rapsódia de Homero Canhoto quer-se um épico às avessas, tomando como pano de fundo a Odisséia de Homero para tecer uma paródia do anti-herói. E ele cumpre o anunciado, fazendo uma aproximação com o cantar homérico, na estruturação do seu canto - a própria tessitura/navegação: Na Odisséia, Ulisses lança-se ao mar para resgatar Helena, enfrentando todos os perigos e adversidades do desconhecido. Para trás, fica Penélope, no seu incansável tecer, à espera do seu amado. Da mesma forma, Valdivino empreende viagem e dialoga com o clássico poeta, trazendo para si a responsabilidade de uma reescritura, mesmo que às avessas, como bem comenta na orelha do seu livro. Vê-se o caráter intertextual representado pelos novelos de Penélope, que de dia tece e, à noite, desmancha tudo para recomeçar:

      A quem no porto aguarda o barco,
                                                                          ou já se lança ao mar,
                                                                          nele se demora
                                                                          e deixa no lar a mulher a tecer
       - vá que a fidelíssima se canse
                                                                         de prolongada espera -,
                                                                          se conte de astuto Odisseu,
                                                                         nisto de mar e de amor.
                                                                                                            (...)p.28


A imagem do ser que se lança ao mar, que nele se perde e reencontra-se, conduzindo a sua embarcação por calmas e tenebrosas águas, reflete os caminhos do poeta na sua incansável busca pela palavra no enredamento do seu universo de significações:

                                                                               E saibam, enfim,
                                                                               que a matéria-prima da história
                                                                               –        com as rimas e a tinta de que se pinta
o barco ou a caravela-
não passa de metáforas,
peixes perpassa, assim - assim,
                                                                               os sargaços nas entrelinhas
                                                                               dos fios que se enfiam
                                                                               pelos claros e escuros
                                                                               do polvo Nanquim.
                                                                               (...)p.22.


      

O poeta ordena,  a palavra delira, ganha contornos, ritmos, pluraliza-se, expõe-se, ao expor o que representa, recifra o mundo pela linguagem, subverte a ordem das coisas ao implementar uma atitude “gauche”  Há, aqui, a exposição aberta – do como dizer – Aquilo que Lourival Holanda(1992:27)fala ao situar o texto entre o jogo escritural e a circunstância onde está adstrito: 

O escritor sabe o seu campo restrito e reduzida sua eficácia. Daí por que, não podendo transformar o mundo, o escritor transforma a linguagem.(...)No entanto, a linguagem espelha o social, funda nele a sua ordem de razão - minando-a, se está ameaçando aquele. Se a linguagem, enquanto reiteração da práxis, é reflexo, reprodução, em conseqüência, quando subvertida, ela desmonta os esteriótipos sociais. Esta é a primeira luta do escritor: contra a neutralização da virtualidade verbal - ou, para dizer com João Ribeiro, os "parasitismos da linguagem".

É o mundo sendo re-inventado, já que o poeta não mais se adequa ao estado de coisas que aí está, e ele, para tal transformação, precisa atirar-se nesse caudaloso mar, prenhe de navegação e des-conhecimento. Nesta jornada, o poeta há de se defrontar com os vários tempos do homem, sedimentados nas palavras cristalizadas, envelhecidas, encardidas, brumosas, como ele bem nos conta:

De espessas, medonhas brumas,
de bússolas nenhumas,
de tênebros penedos,
de âncoras-metáforas
e marinhas metamorfoses,
os calhaus de barcos
e pontas de arpão,
que do homem o mar a tudo devolve,
o que não deglute,
o que regurgita,
rejeita,
Leviatã que vomita.
           (...)p.24.

Sendo o poeta o ser-de-linguagem, precisa ficar muito atento aos percalços e enganos que o mar –de coisas traz, não pode se deixar contaminar ela palavra fácil, que soe bonita, tranquila, e que o faça naufragar. A palavra tem de pegar delírios, como bem quer Manoel de Barros, poeta sul-matogrossense, é preciso navegar bastante, transpor as barreiras linguísticas, alimentar-se de inúmeras possibilidades semânticas. Quem navega deve sempre estar atento, este é o alerta do poeta:


 Vá que de  umas sereias
De musas-medusas,
O canto arraste para o naufrágio,
Ao mar da escuridão,
O incauto e navegante coração.
                   (...)p.26.                                                                               


Vê-se aqui o poeta valendo-se de um dos episódios da Odisséia - quando Ulisses e seus homens, após receberem orientações de Circe, a filha do Sol e poderosa Feiticeira, passam pela Ilha das Sereias, e Ulisses, amarrado ao mastro de seu navio, resiste ao sedutor canto entoado pelas sereias, e consegue sair ileso de mais uma armadilha do mar – tecendo no intertexto uma mostra dos perigos  que correm os incautos, os pernósticos, aqueles, que pela vaidade, lançam-se ao mar-texto.  O caráter metapoemático de A Trompa de Falópio, caracteriza-se  como os caminhos de um enredamento que se assenta em matéria densa, consubstanciada na alusão intertextual requerida pelo poeta, na sua vontade de revelar os intrincados caminhos de uma reescritura, em que Ulisses, figura homérica, se nos apresenta como elemento estruturante desse caráter intertextual, na inversão que Valdivino Braz traça ao estabelecer a figura de Falópio, anti-herói, anunciado em netuna miopia por Eustáquio/faroleiro, bem como a de um Homero  (diferente do primeiro, agora às avessas, filho de Falópio, aqui como o texto original, fruto de um estupro, da negação) que  proclama o seu ódio na investidura que faz ao matar o próprio pai. Seria o que Harold Bloom, ao falar das heranças  literárias, chamou de Angústia da influência, a negação do texto original pelo texto originado.  O filho que mata o pai, como em Freud. O interessante disto tudo é que, ao contrário do que alardeia Bloom, Valdivino Braz reforça as suas influências. Se há dor, esta é proveniente de uma apurada sensibilidade para lidar com as coisas do mundo via linguagem, e não em decorrência do diálogo estabelecido, porquanto este faz-se necessário na constituição da historicidade do poema, como nos relata Octávio Paz(1996:54):

Pode concluir-se que o poema é histórico de duas maneiras: a primeira, como produto social: a Segunda, como criação que transcende o histórico mas que, para ser efetivamente, necessita encarnar-se de novo na história e repetir-se entre os homens. E esta Segunda maneira ocorre-lhe por ser uma categoria temporal especial: um tempo que é sempre, um presente potencial e que não pode realmente realizar-se a não ser fazendo-se presente de uma maneira concreta em um aqui e um agora determinados.


Este "aqui e agora determinados" celebra o encontro de tempos e reescrituras, como em A Trompa de Falópio, investida poética capaz de transmutar um tempo longínquo e ficcional com Homero, num tempo ficional e presente com Valdivino Braz, como pode-se observar nos versos a seguir:


                                                                          Nem Homero consagrado,
                                                                          nem Virgílio bem-amado.
                                                                          Antes, canhestro
                                                                          cantor ambulante,
                                                                          e de burlesca rapsódia
- ou paródia,
   ou farsa -,
                                                                            a fonte nuns escritos
                                                                          que me chegaram de Eustáquio,
                                                                          nem sei como - ele já morto.
                                                                          
                                                                          Eu aqui, de outro porto,
                                                                              a ferros por delito,
                                                                          que não nasci nenhum Telêmaco,
                                                                          nem por mãe tive Penélope,
                                                                          E meu pai antes não fosse
                                                                         quem nunca se chamou Ulisses.
                                                                                               (p.62)


É a épica sendo rescrita na modernidade, o poeta solícito ao chamado do seu tempo, recifra o mundo pela linguagem, e nele instala-se para teorizá-lo, revolucioná-lo, é o que assinala Octávio Paz(1996:60), referindo-se aos poetas modernos: Todos se sentem seres à parte da sociedade e alguns se consideram fundadores de uma história e de um homem novo. Valdivino ao criar a figura do Anti-Herói, Falópio, instaura uma consciência crítica, capaz de levar-nos à uma reflexão profunda sobre o ser da e na linguagem. A tessitura que vai se fixando à medida que conta, observe:


                                                                         E pois não falte arremate
                                                                         às coisas da morte,
                                                                         nem prevaleça o anticlímax
                                                                         de um frusto Falópio.

                                                                         Anti-herói no contexto
                                                                         de um épico às avessa,
                                                                         eu lhes conte então o resto.
                                                                         Para fins do que, grotesco,
                                                                         rima-se folhetinesco,
                                                                         se anexe o recorte
  - amarelado texto-
  do que me fez notícia:

                                                                                  Navegador
                                                                                  Castrado
                                                                                 Por filho
                                                                                 Renegado
                                                                                E vingador
                                                                                      (p.63)
                

          Dessa forma, Valdivino Braz, nesta travessia, consolida-se como senhor da linguagem, homem do mar, para quem a procela, as intempéries e o mau tempo são aliados. É a poesia alimentando barcos e velas, cantando o passado e o presente, circunscrevendo-se atemporal e necessária na linha da vida. Brindemos o MAR!


BIBLIOGRAFIA:

BRAZ, Valdivino. A Trompa de Falópio. Goiânia: AGEPEL: Instituto Goiano do Livro   (Coleção Karajá), 2000.

HOLANDA, Lourival. São Paulo: EDUSP, 1996.
PAZ, Octávio. São Paulo: Perspectiva, 1996.

*Francisco Perna Filho, Doutor e Mestre em Estudos Literários - UFG, Professor universitário, ensaísta,    crítico literário e poeta, autor dos livros Refeição (poemas)Kelps: 2001; As Mobílias da Tarde. (Poemas)Goiânia: Perna&Leite. 2006; Criação e Vanguarda; Bopp & Barros (Crítica Literária). Goiânia: UCG/Prefeitura de Goiânia, 2007; Visgo Ilusório (Poemas). Goiânia: Kelps/UCG, 2009 e O  Rio Tocantins Engoliu meu avô. (Prosa). Goiânia: PUC Goiás/Kelps/Prefeitura de Goiânia.2012. Toda Noite Amanhece (Poesia). Goiânia: PUC-GO/Kelps, 2019.            ...................................................................................................................................................

                                                                         

ENTRE A HISTÓRIA E A     DETECÇÃO: O CASO DE OS LADRÕES DE VAL DE BUIA






Por Gilson Vedoin [1]





 1. Considerações iniciais




Inventar o real, tornar verdadeira uma vida falsa, ou mais relevante ainda, falsa uma vida verdadeira, era uma bela tarefa para um escritor.
Rubem Fonseca – Romance negro

[...] tutto nel mondo é burla [...]
Rubem Fonseca – Agosto

José Hipólito Flores Machado

 Um crescente interesse pela temática histórica, por parte dos ficcionistas, pode ser observado em fins do século XX. Pensar a atual retomada do modelo de romance histórico implica retomar as raízes desse subgênero, refletindo sobre as transformações que tal gênero sofreu para ambicionar compreendermos melhor o fenômeno mais recente, sobretudo o que vêm ocorrendo nas últimas décadas no Ocidente; mais particularmente, no Brasil.

 Um crescente interesse pela temática histórica, por parte dos ficcionistas, pode ser observado em fins do século XX. Pensar a atual retomada do modelo de romance histórico implica retomar as raízes desse subgênero, refletindo sobre as transformações que tal gênero sofreu para ambicionar compreendermos melhor o fenômeno mais recente, sobretudo o que vêm ocorrendo nas últimas décadas no Ocidente; mais particularmente, no Brasil.

Como já observara Georg Lukács[4], o romance histórico tem sua gênese nos novecentos, numa atmosfera em que as inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas, que eclodiram na Europa nesse período, fizeram com que o homem comum, e as massas populares fossem integrados num processo ininterrupto de mudanças com conseqüências diretas sobre a vida de cada ser humano. A revolução burguesa, a consolidação do sentimento nacional, as crises com seus efeitos em todo continente europeu, propiciaram a compreensão da existência como alguma coisa historicamente determinada e a visão de que a história, afetando o cotidiano do indivíduo, é algo que lhe concerne em termos imediatos.

Nesse sentido, o chamado romance histórico clássico, cujo paradigma, segundo Lukács, é ditado pela obra de Walter Scott, integra, assim, o elenco das grandes narrativas de consolidação do sentimento nacional e, ao mesmo tempo, de legitimação do impulso universalizante do Ocidente. Tal romance era fruto de uma grande fé depositada na história enquanto processo universal de desenvolvimento direcionado para um fim pleno de realizações e se nutria da crença na possibilidade de um conhecimento objetivo do passado.


No século XX, o gênero romanesco, bem como a historiografia, viram-se impelidos a enfrentarem o turbulento caleidoscópio projetado pelas forças dinâmicas e demolidoras da contemporaneidade. Tanto a literatura quanto a História transcenderam as concepções estáveis e, por que não, estáticas, na incessante busca de novas perspectivas. Alicerçado na ascensão deliberada do imperialismo tecno-tele-midiático, tal era caracteriza-se, sobretudo, pela bancarrota dos ideais canônicos centrados na objetividade linear da arte literária e da historiografia tradicional.

Com efeito, nesse cenário de agudas crises, uma outra modalidade de romance histórico eclodiu, voltando-se contra a visão totalitária e as epistemologias positivistas e empiristas da história, segundo um paradigma ocidental, e denunciando as falácias desse discurso tido como científico. Contrapondo-se à versão romanesca anterior, esse novo modelo se caracteriza pela não aceitação da crença na história como verdade única, mas como conflito de versões a partir da qual cabe afirmar uma outra visão, diferente daquela estabelecida nos registros oficiais.

Ao travar uma luta contra o esquecimento promovido pelo poder, trazendo a tona certos aspectos do passado, que haviam sido silenciados pelas representações discursivas oficiais, tais modelos narrativos sugerem que a reescritura ou reapresentação dos fatos remotos no presente – efetivado tanto na ficção quanto na história – impedirá a formulação de um discurso conclusivo.


2. História e detecção: uma leitura de Os Ladrões de Val de Buia

 

Desse panorama destaca-se o romance Os ladrões de Val de Buia[5], de autoria do santa-mariense Hipólito Machado[6]. Rejeitando os preceitos legados pelo romance histórico lukácsiano, e tirando proveito da atual descrença no estatuto científico da história – tão em voga no século XX –  de que, se tudo são versões, o autor tem toda a liberdade de apresentar a sua visão, a ênfase da narrativa vai recair, de certo modo, sobre a semiotização da História, deixando espaço para um enredo que se debruça sobre o passado para nele colher material que será reciclado, reprocessado, como um laboratório, gerando novas versões. Dessa forma, que certos fatos tenham ocorrido ou não, pouco importa: o que conta é a realidade possível. Invertendo a ótica historicista, tem-se o passado não como uma imagem eterna e imutável, mas como ruptura, o que implica enxergar nos tempos remotos a possibilidade de algo que não foi, mas que poderia ter ocorrido.

Imigrantes Italianos
A ação da narrativa principia a partir de um fato histórico: a falência, em 1931, do banco pelotense, alguns meses após a bancarrota do banco Popular. Dessa forma, um boato é disseminado na região de Santa Maria, e acaba ecoando na cidade de Silveira Martins, exasperando a desconfiança dos imigrantes italianos e gerando uma espécie de marcha desesperada cujo destino último seriam as agências bancárias onde se encontravam suas economias. Porém, “[...] o que muita gente ignorou sempre foi que essa espécie de corrida, não se generalizou em todo o Estado. O maior pânico comentava a voz geral, é em núcleos coloniais, devido à ignorância dos colonos [...].[7] Temerosos com o destino que seria dado ao seu dinheiro, os imigrantes italianos resolvem sacá-lo, e guardá-lo em suas residências. No regresso, o veículo que os conduziu é emboscado na ponte situada na localidade de Val de Buia por um grupo de quatro mascarados, que tripulam um veículo pouco convencional – “o chassis-fantasma” – e armado com uma potente metralhadora que dispara até quatrocentos e cinqüenta tiros por minuto. O saldo dessa operação é algumas mortes, e o roubo de todo o dinheiro trazido pelos colonos italianos. Contudo, os roubos se multiplicam, mais audaciosos, e numa escala cada vez mais violenta. A ineficácia das autoridades locais leva a polícia a pedir ajuda ao detetive Ipepo Quieda, que assume as investigações e, posteriormente, soluciona o mistério em torno dos ladrões de Val de Buia.

A Silveira Martins, bem como a região da quarta colônia, em idos dos anos 30 é retratada cuidadosamente no romance. A reconstituição abrange os mais diversos aspectos do cotidiano da época – lugares e costumes típicos. Traça-se com precisão documental os espaços de circulação das classes envolvidas na trama, tais como as ruas, a catedral e sua torre, os hotéis Pipi e Bisognin, bem como a sucursal do banco Comercial e Agrícola. Essa topografia citadina, assim como a seqüência cronológica do romance constitui, entretanto, a moldura de um quadro cujo interior as fronteiras entre fato e ficção são rasuradas. De fato, o que se pretende demolir é a confiança na racionalidade do processo histórico e, ao mesmo tempo, a crença na possibilidade de constituir o passado, colocando-se sob suspeita a pretensa objetividade do método de conhecimento da história canônica, triunfante e elitista.

Daí porque a predileção pela trama criminal, que norteada pela busca incessante dos pequenos detalhes, acaba por remontar aos postulados metodológicos que sugerem ser o trabalho do historiador semelhante ao de um investigador, uma vez que ambos, na opinião de Carlo Ginzburg, “[...] estão vinculados pela busca das provas [...]” [8], que constituí o núcleo fundamental do ofício que exercem. Conforme José Jobson de Andrade Arruda, os atos criminosos,


Carlo Ginzburg


[...] mais do que a morte, encerram um adensado conteúdo explicativo. Matéria prima de primeira grandeza, mesmo que aparentemente congelados no tempo, podem ser reaquecidos, escandidos em seu potencial revelador das tensões, conflitos sociais, sejam eles anônimos ou profundamente emocionais [...]. Para tanto é necessário captar a centelha ígnea de seu cabedal explicativo, contornar as névoas míticas que recobrem as singularidades, penetrar as condições sociais da individualização, transformar o elemento agressivo em conduto portador de significações inscritas no tecido social.[9]


Nesse sentido, os percalços, erros e suposições que abalam confiabilidade do método positivista ao qual se vincula o cientificismo histórico, também se conectam, de certo forma, a origem, no século XIX, do romance policial; esse deflagrado pelo intelecto de Edgar Allan Poe. Nas palavras de Ricardo Araújo, Poe

acreditava e, de certa forma, provou que tudo aquilo feito pela mente de um determinado homem pode ser entendido e resolvido por outra mente que conte com os mesmos atributos.Trata-se de linguagem.Tudo pode ser decodificado, as línguas conversam entre si, quem sabe uma língua pode apreender todas. É por isso também que as cifras, as escritas criptográficas tanto despertavam a sua atenção. Poe acreditava no poder das cifras e um crime não era nada mais que uma criptografia cuja “chave” estava justamente em descobrir o culpado.[10]


Investigação, cifras e índices; elementos tão pertinentes ao modus operandi do historiador, são também responsáveis pela eclosão da ficção policial de enigma do século XIX. Nesse sentido, o romance de Hipólito Machado não é diferente, uma vez que sua trama oscila em torno da elucidação de mensagens codificadas. Cifrada é a carta que o investigador subtrai dos ladrões, assim como a linguagem empregada na transmissão radiofônica, que será determinante para a solução do enigma.

A tarefa de decodificar a linguagem cifrada cabe ao detetive Ipepo Quieda – cujo primeiro nome pode ser lido como anagrama de Poe – que é também Jorge da Costa, [...] pseudônimo de um jornalista, cujas crônicas vazadas em estilo sóbrio e causticante, exasperavam continuamente os senhores da polícia (p.5). Jornalista, cronista e detetive, O investigador chega a afirmar, sem qualquer resquício de modéstia ante sua destreza intelectual, ser seu próprio “[...] nome [...] uma verdadeira “cifra” para qualquer criptograma (p.58)”; e ainda: “[...] como eu tenho a felicidade de me chamar Ipepo Quieda, nome que contém todas as vogais, mais o p, mais o q, e mais o d, a decifração de qualquer linguagem cifrada onde ela esteja, torna-se relativamente fácil (p.59)”. De fato, é o intelectual analítico que utiliza o discurso de maneira eficaz, empenha a palavra com vigor, mas também é o leitor perspicaz, que efetiva a decifração por intermédio da acurada leitura e da atenta observação, centrada nos detalhes e contrária ao caráter generalizante.

Crítico mordaz, Ipepo rejeita o dogmatismo positivista pondo em cheque as cômodas certezas oferecidas pelo cienticifismo generalizante da história canônica:


Os heróis, cujas façanhas inflamam de entusiasmo o povo que vive das notícias e dos feitos alheios, deixam a nós que assistimos a esses atos temerários, quase indiferentes, pois no turbilhão da guerra, tombam centenares de bravos, para que um se eleve ao píncaro da glória. Muitas vezes, o bronze que imortaliza um indivíduo está cravado numa coluna de sangue derramado pelos seus próprios companheiros. A coroa de louros que vai cingir quase sempre a cabeça de um homem, que nada fez além do fizeram aqueles que morreram ao seu lado, a não ser ter escapado da morte (p.86).


A questão da investigação criminal, bem como a presença de um narrador cínico, debochado e pouco confiável, ilustram bem a falência das estratégias cognoscitivas atreladas à observação dos detalhes visando à construção de uma verdade geral. Seus comentários subjetivos e pouco ortodoxos acabam por comprometerem a pretensa neutralidade objetiva do relato dos fatos, que bem ilustra o estatuto discursivo da história.


A índole do nosso povo tem tal horror a ser amarrada, que a nossa legislação policial proíbe o uso de algemas. Quieda sabia disso, mas nunca levara a sério semelhante proibição. (Ele sabia também, também, que as nossas leis proíbem espancamento e outros tratamentos semelhantes, e no entanto...cala-te boca, não te metas a fogueteiro). E sempre que era útil, ia passando nos pulsos dos delinqüentes que prendia, o seu indefectível par de algemas inglesas (p.106).


A contraposição entre racionalismo lógico e irracionalismo também é passível de deboche:


Foi por isso tudo, que o homem se viu obrigado a inventar telescópios, e outros aparelhos complicados para ver ao longe, bem assim como ouvidos mecânicos que lhe permitem captar os sons, que ele homem, Rei da Criação, não percebe, mas que, no entanto, oh! vergonha, o cavalo e o burro ouvem muito bem...(p.134).

Conforme Carlo Ginzburg[11], apesar de todo o esforço para conferir objetividade a seus métodos, para escapar da casualidade, as ciências humanas estariam sempre, em certo sentido, próximas da magia, das artes adivinhatórias, uma vez que não podem trabalhar com propriedades universais, tal como faz, por exemplo, a geometria. De certo modo, as ciências humanas seriam provenientes do que o historiador italiano vai denominar de paradigma epistemológico indiciário; isto é, aquele que parte de resíduos, de pormenores triviais, baixos, para almejar a construção de conhecimentos elevados. Tal modelo teria suas raízes remotas nos tempos em que o homem era caçador. Segundo Ginzburg, o


[...] que caracteriza esse saber é a capacidade de a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente.Pode-se acrescentar que esses dados são sempre dispostos pelo observador de modo tal a dar lugar a uma seqüência narrativa, cuja formulação mais simples poderia ser “alguém passou por lá”.Talvez a própria idéia de narração [...] tenha nascido pela primeira vez numa sociedade de caçadores, a partir da experiência da decifração das pistas. O fato de que de as figuras retóricas sobre as quais ainda hoje funda-se a linguagem da decifração venatória – a parte pelo todo, o efeito pela causa- são reconduzíveis ao eixo narrativo da metonímia,com rigorosa exclusão da metáfora, reforçaria essa hipótese – obviamente indemonstrável. O caçador teria sido o primeiro a “narrar uma história” porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos. “Decifrar” ou “ler” as pistas dos animais são metáforas. Sentimo-nos tentados a tomá-las ao pé da letra, como a condensação verbal de um processo histórico que levou, num espaço de tempo talvez longuíssimo, à invenção da escrita.[12]


Gerações subsequentes de caçadores enriqueceram e transmitiram suas experiências. As origens remotas da própria idéia de narração podem ser encontradas nas atividades do caçador que perseguia sua presa a partir do rastro deixado por ela, atentando minuciosamente para os traços ínfimos e involuntários. Da análise das pegadas, pêlos, enfim, das minúsculas pistas, o caçador formulava profecias retrospectivas, isto é, como as causas não eram reproduzíveis, restava inferi-las a partir de seus efeitos. O hábil caçador poderia assim ser visto como o primeiro indivíduo a narrar uma história, uma vez que era o único capaz de ler nas pistas mudas deixadas pela presa, uma seria contínua e coerente de eventos. Ginzburg destaca então, a semelhança entre o paradigma indiciário e um outro, implícito nos textos divinatórios mesopotâmicos redigidos a partir do terceiro milênio a.C. Portanto. ambos

[...] pressupõem o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador. [...] Mas a principal divergência aos nossos olhos é outra: o fato de que a adivinhação se voltava para o futuro, e a decifração, para o passado. Porém a atitude cognoscitiva era, nos dois casos, muito parecida; as operações intelectuais envolvidas – análises, comparações, classificações – formalmente idênticas.[13]


A partir disso tudo, Carlo Ginzbug vai mostrar como esse paradigma indiciário foi aproveitado, ao longo dos novecentos, por todas as ciências direcionadas para o estudo do homem. Só que, como o historiador evidencia, a interpretação dos sinais não servia apenas para a simples identificação de uma pegada de animal, e tampouco para adivinhações futurísticas. Mas configurava-se, acima de tudo, como método cientifico engendrado para obtenção do conhecimento inerente ao passado, ao presente ou ao futuro; conforme o campo do saber que estivesse em jogo. Os resultados eram decorrentes da leitura de índices que permitiam captar  uma realidade, de outra forma inatingível. Por fim, Guinzburg destaca o quanto o romance policial e a psicanálise são também tributários desta concepção de conhecimento cujo cerne remonta ao caçador que escruta os rastros disseminados pela sua presa. Expõe que Sherlock Holmes, e ainda Freud, na ausência de métodos mais objetivos, valiam-se do paradigma indiciário para desvendar os mistérios à sua volta.



Sigmund Freud



Ipepo Quieda não se liberta desse paradigma. Seu método de investigação pretende aliar sua crença na lógica com o exercício da eliminação gradativa de todas as probabilidades. Raciocínio que parte do geral para o particular, é o procedimento adotado pelo detetive quando se depara com um documento criptografado. Diz Quieda:


– Eu quando me acho diante de um mistério dessa ordem, costumo proceder da seguinte forma: começo desconfiando de todo mundo, sem distinguir quem quer que seja. Por enquanto, permaneço ainda nesse primitivo estado de desconfiança. [...] Depois elimino todos os que são ignorantes, os incapazes de escrever uma carta à máquina; depois, vou eliminando todos os que não possuem máquina; os que não sabem guiar um automóvel; os que não conhecem o manejo de uma metralhadora... [...] – Pois o método da eliminação consiste justamente nisso. Quando resta apenas uma pessoa que preencha todas as condições requeridas para chefe dos Ladrões de Val de Buia, nada mais lógico do que ser essa pessoa o chefe (p.66-67).


Com efeito, os impasses da investigação remetem a questão central do romance, ou seja, a impossibilidade de reconstruir uma verdade histórica objetiva. A ótica relativista acarreta, então, a desconfiança nas respostas tradicionalmente oferecidas pelo chamado romance policial de enigma, articuladas pela crença na razão como chave para o conhecimento da realidade circundante. Em contrapartida, vai privilegiar o que, nesse tipo de narrativa é o ponto fulcral de sua própria negação, constituindo o seu caráter potencial de romance histórico contrário ao arcabouço luckácsiano: na origem do gênero policial está uma questão filosófica – a busca da verdade, a reflexão sobre as formas de atingi-la – e, também, algo que chama a atenção do leitor para o aspecto construído dessa verdade, ou seja, as artimanhas do discurso lógico, o artificialismo de suas convenções, a face do jogo, de puzzle montado pelo autor.

Assim, se o romance policial pode ser lido como “a gesta do espírito humano em constante luta contra a opacidade do mundo real” [14], para usar as palavras da dupla de teóricos franceses Pierre Boileau e Thomas Narcejac, pode, por outro viés, ser considerado como a alegoria do escritor dispondo e redispondo as aparências. E esse parece ser o aspecto da narrativa de Hipólito Machado, leitor pertinente da ficção de Edgar Allan Poe e a quem se reporta para colocar sob suspeita o modelo cognoscitivo que originou o romance policial de enigma do século XIX: o conhecimento, que pautado pela leitura dos pormenores negligenciáveis e articulado através de uma série de operações racionais, permitirá ao investigador vislumbrar o que não presenciou, articulando sua narrativa pela interpretação de índices e, por fim,  formulando juízos sobre o homem e a sociedade. Como foi possível evidenciar, a ficção Os ladrões de Val de Buia inscreve a possibilidade de uma nova história, fundamentalmente porque lança mão da inventividade artística.

Thomas Narcejac

3. Fechamento


No romance de Hipólito Machado, parece evidente que as pertinências discursivas totalizantes não são rejeitadas de maneira radical, mas minadas por dentro, num movimento que remete para a erosão gradativa do edifício das certezas modernas, para a minorização das categorias através das quais essas certezas se expressavam. Por tudo isso, não é aleatória a retomada que o autor santa-mariense efetiva dos elementos pertinentes a dois subgêneros que postulam instâncias fundamentais engendradas na construção das narrativas modernas de emancipação que o século XX tão bem se encarregou de contestar, e por que não, redimensionar: o romance policial, centrado no indivíduo, e, por sua vez, o romance histórico, calcado na marcha progressista da história. Diante da descrença numa história capaz de reconciliar o homem e o mundo, esses subgêneros são resgatados, muitas vezes, para que se aponte como ilusórias as certezas sobre as quais eles se erigiam: a de um mundo ordenado e transparente, da unidade coerente do eu e a do sentido teleológico do percurso humano.


Nesse sentido pode-se entender melhor por que o relato investigativo dos crimes se sobrepõe ao discurso de reconstituição histórica no romance. A superposição destaca a dívida de ambos com um paradigma epistemológico comum, que remete ao sentido grego do verbo historéo – perguntar, investigar. E aqui, a investigação se dará a partir de alguns índices relacionados ao resgate da história miúda de uma região bucólica, rodeada por morros e vales, e onde vive uma comunidade prosaica, mas assim mesma digna de ser imortalizada, seja no rol da história, seja nas fascinantes páginas de uma trama ficcional




NOTAS



[1] Doutorando do PPGL da UFG. Bolsista da Fapeg. Professor da UEMS/UUJ.
[2] MACHADO, Hipólito. Os ladrões de Val de Buia. Porto Alegre: Globo, 1933. O livro foi reeditado em 2006.
[3] Hipólito Machado nasceu em 11 de junho de 1896, em Santa Maria, e veio a falecer na capital gaúcha em 17 de janeiro de 1982. Professor de contabilidade e bancário, também se aventurou no mundo das letras, onde exerceu as funções de romancista, ensaísta e crítico social. Dentre suas obras, pode-se destacar Flagelos Sociais (ensaios, 1926), Além, muito além da vida (romance de ficção-científica, 1969) e O crime da Água Boa (estudo de criminologia, 1929).

[4] LUKÁCS, Georg. La forma clasica de la novela histórica. In_ La novela histórica. México: Ediciones Era, 1966.             

[5] MACHADO, Hipólito. Os ladrões de Val de Buia. Porto Alegre: Globo, 1933. O livro foi reeditado em 2006.
[6] Hipólito Machado nasceu em 11 de junho de 1896, em Santa Maria, e veio a falecer na capital gaúcha em 17 de janeiro de 1982. Professor de contabilidade e bancário, também se aventurou no mundo das letras, onde exerceu as funções de romancista, ensaísta e crítico social. Dentre suas obras, pode-se destacar Flagelos Sociais (ensaios, 1926), Além, muito além da vida (romance de ficção-científica, 1969) e O crime da Água Boa (estudo de criminologia, 1929).
[7] MACHADO, Hipólito. Os ladrões de Val de Buia. Porto Alegre: Globo, 1933, p.6. As próximas citações do livro virão acompanhadas somente pelo número da respectiva página. Convém salientar que também foi efetivada uma atualização ortográfica.
[8] GINZBURG, Carlo. Sobre Aristóteles e a história, mais uma vez. In_ Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.62.
[9] ARRUDA, José Jobson de Andrade. O enigma da história: prefácio. In_ VÉSCIO, Luiz Eugênio. O crime do Padre Sório: Maçonaria e Igreja Católica no Rio Grande do Sul 1893-1928. Santa Maria: UFSM/Porto Alegre: UFRGS, 2001, p.12.
[10] ARAÚJO, Ricardo. Edgar Allan Poe: um homem em sua sombra. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, p.77.
[11] GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In_ Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1995.
[12] GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In_ Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Op. cit.  p.152.
[13] GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In_ Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Op. cit.  p.153.
[14] BOILEAU, Pierre; NARCEJAC, Thomas. O romance policial. São Paulo: Ática, 1991, p.65.

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  GÊNERO FEMININO: UMA CONSTANTE (RE) CONSTRUÇÃO? 

Por  Maria de Lourdes Cerezer 

 

1. LINGUAGEM, CULTURA E GÊNERO



A percepção dos indivíduos acerca do mundo é formatada pela cultura, e até mesmo nosso pensamento é mediado pelo universo cultural. O olhar cultural determina a compreensão do mundo que nos cerca. Assim sendo, o mundo ‘real’ é, em grande escala, construído pelos hábitos linguísticos de um grupo social. A construção de uma cultura se dá no dia-a-dia dos diálogos, das trocas conversacionais de seus membros. Assim sendo, já está posto que sociedades em seus diferentes tipos construam formas diferenciadas de interpretar o mundo.  O elo que une uma determinada sociedade e a interpretação que ela faz do mundo é a linguagem.


O que pensamos acerca de nós e a respeito do mundo segue a direção da linguagem, ou seja, ‘as verdades’, os conceitos, a história enfim, chegam até nós carregados deste olhar cultural do lugar onde foram produzidos. Bakhtin (1992), explica que a psicologia do corpo social não se situa em nenhum lugar interior (’na alma’), é, pelo contrário, inteiramente exteriorizada; na palavra, no gesto, no ato. 


 Na vastidão dos tempos, o homem empreendeu a busca por respostas acerca de como a linguagem é adquirida e de que forma ela se significa. Os estudos contemporâneos em torno da linguagem têm seu marco inicial com a publicação do Curso de Lingüística Geral, de Ferdinand Saussure, em 1916. Saussure organizou um método para observar a língua enquanto uma estrutura, mas, negligenciou a necessidade de entender a língua fazendo sentido na sociedade; também não se atentou para como os significados são fomentados e posteriormente cristalizados na cultura social. Dessa forma, buscamos em Bakhtin (1992) o recurso de compreender o fenômeno de que a linguagem é um fenômeno social, uma vez que para o estudioso, não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental. 


Pensando que cada indivíduo ‘cria’ seu mundo interior no auditório social em que está inserido, e entendendo que o significado da linguagem é adquirido nas trocas comunicacionais, fica evidente que uma lingüística que se limite ao estudo interno da língua como sistema fechado nela mesmo, não poderia dar conta de explicar como a língua faz sentido enquanto trabalho simbólico, pois há muitas maneiras de significar.  Tal performance da linguagem é observável quando  vista como interação homem/sociedade; é a língua no mundo, fazendo sentido, agenciando a produção de sentido do homem  enquanto membro de uma determinada sociedade. Bakhtin (1992) ainda observa que, uma vez que “[...] a matéria lingüística é apenas uma parte, o enunciado; existe também outra parte, não verbal, que corresponde ao contexto da enunciação (BAKHTIN, 1992, p. 36)’’.


 Pensando em uma linguagem que constrói verdades, leis, regras, e que o convívio social é sempre mediado por esses mecanismos da linguagem, podemos argumentar que a linguagem nos faz crer que só existe essa maneira de ver e agir no mundo, dizendo em outras palavras, a linguagem que circula no social, nas mídias, no dia a dia das trocas comunicacionais, nos ‘’vende’’ um pacote do que é certo, errado, verdade, mentira, e assim sucessivamente.


Ancorando-nos na premissa de que a linguagem é quem dita normas, modelos de ser e viver, podemos considerar que a representação da mulher, a partir da questão do gênero, não é um fato natural, mas uma relação construída no social, e incessantemente remodelada. Não podemos falar que exista uma natureza feminina, mas sim, uma construção cultural. Desse modo, pode-se evidenciar que a relação que se dá entre os sexos, adquire constantes resignificações, mas, a marca de mulher versus homem parece sempre beber das mesmas fontes, que desde sempre, coloca a mulher em posições bastante desconfortáveis. 


O gênero (masculino e feminino) é um conceito criado na década de 70, para explicitar que sexo social não é determinado pelo sexo biológico; ou seja, a sociedade imputa uma diferença cultural entre homem e mulher que resulta em uma cisão construída independente, portanto, de determinação biológica. (RODRIGUES, 2009). 


A questão do gênero se consolidou no interior da sociedade ocidental estipulando relações sociais com base na diferença entre os sexos. Dessa maneira, tal questão se notabilizou pela distribuição desigual de poder entre sujeitos femininos e masculinos, bem como pelos conseqUentes atos discriminatórios vivenciados pelas mulheres. Constatamos que na contemporaneidade, as mulheres muito avançaram na direção da implosão das desigualdades que as “amordaçaram” por décadas. Observa-se, no entanto, que as propagandas veiculadas no meio midiático têm apresentando a identidade feminina de maneira muito dispare, ora a mulher é representada como um ser superior ao homem, ora como submissa ao desejo masculino; quase nunca como ser de iguais oportunidades. Assim, acreditamos que estudar as propagandas que veiculam representações no meio midiático, é desvelar a realidade que paira sobre a identidade feminina, e assim, se preciso for, lutar pela fixação de uma identidade livre de estereótipos cristalizados. 

 


2. DISCURSO, MÍDIA E GÊNERO



Rago (1998, p.90) argumenta que ‘’[...] aprendemos com Foucault que há possibilidades de cada tempo propor sua maneira de viver, sonhar e problematizar’’. Foucault nos convida a sairmos dos saberes cristalizados dos discursos que formam leis sobre a sociedade.


Com efeito, a construção da categoria ‘’ mulher’’ perpassa diferentes discursos de diferentes classes sociais e de diferentes gêneros discursivos, tais discursos formam nossas identidades, pois como bem nota Hall (2005, p.38), “[...] a identidade é algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. ’’


Segundo Gregolin (2003), os textos que circulam no meio social obedecem a certas condições de organização, e são necessariamente formulados em consonância com rituais discursivos que determinam sua enunciação. Por isso, tais textos refletem as características históricas – valores, crenças, conflitos – da sociedade em que são produzidos, e na qual circulam. Ainda nas postulações de Gregolin (2003), as formações discursivas refletem valores, crenças cristalizadas e que se definem em relação a um ‘’arquivo’’. 


Sobre a noção de arquivo, Navarro (2004, p.116) postula que é objeto específico da arqueologia, definida por Foucault como sendo 

O que faz com que coisas ditas, por tantos homens, há tantos milênios, não tenha surgido apenas segundo as leis do pensamento, ou apenas segundo o jogo das circunstancias [...]. Mas que elas tenham aparecido graças a todo um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo [...]. O arquivo é de início, a lei do que pode ser dito, o sistema o aparecimento dos enunciados como acontecimento singular (FOUCAULT, 1972, p.160-61).


Já Fortkamp e Tomith, (2000, p.281), afirmam que: ’’[...] é claro que existe diferenças biológicas entre homens e mulheres. A diferença, no entanto, não deveria ser um problema. “O problema se encontra na exclusão e na construção de estereótipos”.


O objetivo contemporâneo não seria criar um novo sistema no qual as mulheres venham assumir papéis ou posições centrais, mas sim, fazer com que as oportunidades na vida social sejam igualitariamente desfrutadas, e que os estereótipos comuns às mulheres sejam extirpados.


Gregolin (2003) alerta que os textos oferecidos pela mídia não são realidade, mas uma construção que permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação da sua relação com referida realidade. Ou ainda, a mídia participa ativamente, na sociedade atual, da construção do imaginário social, no interior do qual os indivíduos percebem-se em relação a si mesmos e em relação aos outros.


Nas teorizações Baczko (apud GREGOLIN, 2003) pode-se perceber que


[...] é por meio do imaginário que se podem atingir as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades esboçam suas identidades e objetivos, detectam seus inimigos e, ainda, por ideologias e utopias, que se materializam em símbolos, alegorias, rituais e mitos. Através dessas textualizações, erigem-se visões de mundo, modelam-se condutas e estilos de vida, em movimentos contínuos de preservação de ordem vigente ou de introdução de mudança (GREGOLIN, 2003, p. 35). 


Desta forma, a escolha do corpus deu-se pela da constatação do poder da mídia na construção de identidades, da manutenção e derrubada de estereótipos; cientes que as propagandas veiculadas na mídia mantêm um diálogo intenso e constante com o social, almejamos refletir sobre as experiências e os desejos dos sujeitos sociais envolvidos nesses processos.


Guerra e Belon (2005, p.17) observam que, ao representar a figura feminina, a imprensa concomitantemente constrói, projeta e estabiliza identidades sociais, em processos definidos histórica e culturalmente. Dessa forma, parece fundamental compreendermos a lógica através da qual os mass medias apresentam discursos em torno da imagem da mulher, e ainda, refletir se tais discursos são novos ou, se na verdade, refletem velhos discursos estereotipados e engessados no imaginário popular. Assim, estudar tais anúncios publicitários é ver neles sua recorrência discursiva; e também ver atualizada as imagens cristalizadas que por vezes adquirem ares de humor e criatividade, e que por possuírem significados velados, por vezes são tomados como verdade imutável.


Neste trabalho, o estudo da representação do feminino será ancorado a partir dos preceitos teóricos elaborados por Foucault, que ao propor uma história genealógica, problematiza o passado a fim de desvelar suas camadas arqueológicas (FOUCAULT apud GUERRA, 1967, 1970, 1971, p.41.). A historicidade é estabelecida a partir de um problema do presente, e voltar à história significa olhar o passado não como fonte do presente (sua origem embrionária), mas como lugar do acontecimento.


Compartilhando com a perspectiva arqueológica de Foucault, Guerra (2005) observa que o método arqueológico busca a especificidade de cada enunciado, a particularidade registrada em todo discurso, procura compreender as regras e as condições em que diferentes maneiras, se produzem (e são produzidos) os discursos (p.31); “[...] o discurso ocupa um lugar que lhe é próprio; a arqueologia busca descrevê-los’’(FOUCAULT, 1969, p.136).


Fazer uma escavação dos discursos que circulam nos mass medias, aos moldes apregoados por Foucault, requer compreender, mesmo que brevemente, de que forma a mídia se apropria e manipula esses discursos. Para tanto, recorremos a Charaudeau (2009), que argumenta que o discurso midiático é uma atividade lingüística capaz de estabelecer vínculos sociais e formadores de identidade.  A máquina midiática se constituiria como uma empresa capaz de fabricar informações mediante o empenho de múltiplas estratégias comunicativas. Desse modo, todos os gêneros midiáticos teriam uma posição definida sobre o que deve, e como deve ser a informação transmitida. Nessa perspectiva, as mídias se constituiriam como um suporte organizacional que se apossa das noções de informação e comunicação e passa a integrá-las em múltiplas lógicas – econômica, tecnológica, simbólica e política.


Atravessando os tempos, é observável a mulher figurando em diferentes propagandas de diferentes produtos. Observar como o feminino se transmuta ao longo dos tempos é uma forma de compreender as questões do gênero na contemporaneidade. Compreender a arquiteturas das propagandas e entender a sedimentação do feminino hoje, assim como compreender o porquê da reconversão do cenário que ai está, é tarefa árdua e que demanda tempo e energia, energia e tempo. 



3. GÊNERO FEMININO: UMA CONSTANTE (RE) CONSTRUÇÃO?


Um dos pilares que sustentam a teoria de Foucault é de que a linguagem carrega a verdade de sua época; “[...] a casa da verdade é a linguagem’’(AGAMBEM, 2015).” Com esses preceitos em mente, vasculhamos os arquivos das mídias na tentativa de responder uma das perguntas iniciais deste trabalho, qual seja: o gênero feminino está em uma constante (re) construção? Nada parece mais adequado em resposta a esta pergunta do que o velho ditado popular, “uma imagem vale mais que mil palavras’’.


As primeiras imagens (encontradas), em que as mulheres aparecem em propagandas de cerveja, foram na década de 50. A construção do feminino nessas propagandas de bebida foi ganhando forma mais ou menos na direção exposta abaixo.


No capítulo anterior se falou um pouco sobre como os discursos midiáticos, e neles estão inseridos os publicitários atuam na construção das identidades. Recorremos a Sabat (2001), que com sabedoria, desenha de que forma a publicidade afeta a construção do sujeito, da identidade e a construção de como ser mulher e de como ser homem. Diz a autora, que


[...] muito mais que seduzir o\a consumidora ou induzi-lo\a obter determinado produto, a publicidade comporta um tipo de pedagogia e de currículo cultural. Estes, entre outras coisas, re-produzem valores: regulam condutas e modos de ser; re-produzem identidades e representações; constituem certas relações de poder e ensinam modos de ser mulher e de ser homem, formas de feminilidade e de masculinidade (SABAT, 2001. p.9).     


 

Imagem 1

A imagem 1, da década de 50, traz a mulher em seu papel primeiro, o de ser mãe; esse papel imputado às mulheres nos parece dado desde sempre. Olhando muita rapidamente no transcorrer dos tempos, não encontramos vestígios de que tal papel pudesse ter sido refutado, pois as obrigações da maternidade são ainda reforçadas por Freud (1924), que fala que para toda mulher, “a anatomia é o destino’’. Ao teorizar sobre o que denomina por Complexo de Édipo feminino, Freud é enfático ao afirmar que a mulher busca compensar na maternidade a frustração pelo desejo simbólico de não possuir um falo. Diz Freud (2011):


Anatomia é destino, podemos dizer, parodiando uma frase de Napoleão. O clitóris da menina se comporta primeiramente como um pênis, mas, na comparação com um camarada de brinquedo do sexo masculino, ela nota que “saiu perdendo”, e sente esse fato como desvantagem e razão para inferioridade. Durante algum tempo ela se consola com a expectativa de mais tarde, quando crescer, vir a ter um apêndice grande como o de um menino. Aqui se separa o complexo de masculinidade da mulher. A menina não entende sua falta de pênis como uma característica sexual, explica-a pela hipótese de que já possuiu um membro do mesmo tamanho e depois o perdeu com a castração. Não parece estender essa conclusão a outras, a mulheres adultas, mas atribuir-lhes um genital grande e completo, masculino, exatamente no sentido da fase fálica. Disso resulta a diferença essencial de que a menina aceita a castração como fato consumado, enquanto o menino teme a possibilidade da consumação. Excluído o medo da castração, também deixa de haver um forte motivo para a construção do Super-eu e a demolição da organização genital infantil. Bem mais que no menino, essas mudanças parecem consequência da educação, da intimidação externa, que ameaça com a ausência de amor. O complexo de Édipo da menina é muito mais inequívoco do que o do pequeno portador de pênis; segundo minha experiência, raramente vai além da substituição da mãe e da postura feminina diante do pai. A renúncia ao pênis não é tolerada sem uma tentativa de compensação. A garota passa — ao longo de uma equação simbólica, poderíamos dizer — do pênis ao bebê, seu complexo de Édipo culmina no desejo, longamente mantido, de receber do pai um filho como presente, de lhe gerar um filho (FREUD, 2011, p.188-189)


Há diferentes vertentes teóricas em várias áreas que buscam explicar a diferença entre os sexos localizando no corpo. As possíveis evidências supostamente seriam capazes de dar suporte para questões como às sugeridas por Freud.  Outro aspecto levantado pela imagem 1, soa um tanto estranho , pois maternidade, amamentação, cerveja,  parece ser um casamento inadequado, pois à mãe cabe a missão de zelar pelo bem estar do filho. E nessa propaganda, caberá a mãe ‘’perfeita’’, tomar a cerveja certa para auxiliar na nutrição de seu filho?


 Ora, “a publicidade não inventa coisas; seu discurso, suas representações, estão sempre relacionados com o conhecimento que circula na sociedade (SABAT, 2001,p.13)”. A propaganda da cerveja Schlitz, na imagem 2, mostra com precisão outro papel ocupado pelas mulheres e  que não seria possível delimitar seu inicio, ( nem mesmo o seu fim): o de dona de casa, esposa, frágil, submissa, sentimental. Todas essas características são atribuídas como habilidade ‘’do feminino’’.


 
Imagem 2

A imagem 2,  apresenta ainda a frase em inglês, que  pode ser traduzida para o português como; “ não se preocupe querida, você não queimou a cerveja’’. A mulher, de avental, performatiza o papel da cozinheira, dona de casa sustentada pelo homem.  Essa mulher que parece ter queimado a comida, se mostra frágil, chorando, por não ter cumprido com seu papel, o de fazer a comida para o marido. Sua fragilidade e fracasso são amparadas por um ‘’generoso’’ homem, que majestoso em seu terno e gravata sugere ser um homem trabalhador e mantenedor da casa. Os papeis desempenhados pelo masculino e feminino, mostrados nesta imagem são exatamente o que deles era esperado naquele momento histórico.


 
Imagem 3

A imagem 3, por sua vez,  reforça a pedagogização submissa ao fixar o papel  da mulher como aquela que serve. É relevante observar a postura desta mulher, pois ela sintetiza uma expressão de total aceitação dessa condição. O sorriso, o corpo inclinado, o olhar apaziguador, sua feição um tanto angelical, que parece nos dizer “estou aqui para isso, para servir”. As imagens são carregas do simbólico, e isso faz delas, uma arma ainda mais perigosa, uma vez que não percebemos com clareza a amplitude de significados que tais imagens carregam. Pêcheux (1995), fala do assujeitamento do sujeito; o assujeitamento seria a habilidade que a linguagem tem de nos manipular, envolver, em significados que significam em nós e que nem percebemos. Dessa forma, vamos nos inserindo nas verdades ditadas pela linguagem sem ter consciência plena disso; vamos nos assujeitando ao bombardeiro de informações cuspidas pelos diferentes meios mediáticos, assim como, nas trocas conversacionais de nosso dia a dia.  


 
Imagem 4

Pensar a questão do feminino implica trazer o masculino para a mesma problemática, uma vez que a nossa visão identitária é sempre binária. Se por um lado temos papeis destinados ao feminino, na mesma proporção, temos os papeis destinados ao masculino. 


Na imagem 4 ainda é observável  a mulher  servil versus homem trabalhador, embora nesta imagem há uma ligeira mudança, pois a mulher não aparece tão frágil e\ou abnegada de seu papel inescapável de servir, e de que, a expressão do homem é, “veja, o trabalho duro é por minha conta”; parece haver entre o casal uma relação um pouco mais harmoniosa, no entanto, a figura da mulher que serve, e do  homem mantenedor, permanecem intactas.


Enfim chegamos ao século XXI, às lutas ferrenhas empreitadas pelas mulheres ficaram no século passado, não mais precisamos queimar sutiãs, lutar pelo direito ao voto ou direito ao trabalho. Ao sexo feminino é dado o direito a quase tudo, ao voto, ao trabalho, ao prazer, a opção se quer ou não ser mãe, de amamentar ou não, casar ou comprar uma geladeira, e até mesmo de deixar de ser Maria para ser João.

Podemos comemorar em praça pública tantos avanços conquistados. As redes sociais diariamente cantam os hinos que glorificam os direitos conquistados. Um dos hinos de vitória entoada a plenos pulmões é: “lugar de mulher é na cozinha, na sala, no quarto ou onde ela quiser”.


Nunca tivemos tantas alterações no cotidiano, mediados por múltiplas tecnologias. Pelas tecnologias são vencidas as barreiras geográficas e criadas aproximações culturais. A possibilidade da informação, antes limitadas a signos fixos em forma de papel, agora se rendem às possibilidades de uma nova interface. Essas novas tecnologias trazem novas maneiras de conhecer o mundo representar e transmitir o conhecimento diariamente. Deste modo, falamos hoje da impossibilidade da fixação das identidades, pois estas são híbridas e estão em constante movência,


 Diante do novo, e de tantas novas possibilidades, o que parece provável é que a questão do feminino tenha se deslocado radicalmente do papel de servil submissa ao poder masculino. Para talvez compreender a imagem 5 buscamos amparo de Derrida. Derrida (2013) traz a idéia de traço. Segundo o autor, o signo carrega sempre não apenas o traço daquilo que ele substitui, mas também o traço daquilo que ele não é, ou seja, precisamente da diferença. A presença da coisa mesma ou do conceito mesmo é indefinidamente adiada: ela só existe como traço de uma presença que nunca se concretiza.


Como já mencionado, uma imagem diz mais do que mil palavras. Veremos o que as propagandas de cerveja do século XXI têm a nos dizer no que diz respeito à construção do feminino.


 
Imagem 5

 

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Imagem 6

As imagens 5 e 6 ,apresentam  ainda os traços da mulher servil. O que nos parece perverso é de que a reconversão da tarefa de servir é hoje muito mais agressiva. As (apresentamos algumas entre muitas desta natureza) imagens do feminino do século XXI acabam por reconverterem a conjugação do verbo servir, da categoria de ser servidora, a mulher passa para a categoria de ser servida como produto, como mercadoria, como brinquedinho do prazer sexual.


Em uma imagem nada é sem propósito.  Na imagem 5, o laço indica presente, e presentes são para ser desfrutados.  Já a imagem 6 ,  ao desfazer o laço, ao meio das labaredas de fogo no gelo Glacial, a conotação sexual é potencializada, e pode ser ainda associada ao olhar e os seios quase a mostra, revelando assim, uma imagem reduzida a objeto pronto para ser consumido. A “loira gelada”, gíria popular para definir a cerveja, está escandalosamente quente, ou, “no ponto’’.



 
Imagem 7

A imagem 7, vai na mesma direção. O apelo sexual aqui é inflamado pela associação da mulher, posição, olhar e nome da cerveja. Todos esses elementos reforçam o conceito de que a mulher é tão devassa quanto a cerveja, e que está ai para ser servida e saboreada.


Ora, é sabido que propagandas da cerveja Devassa sofreram várias intervenções do Conar (Conselho de Autorregulação Publicitária). Ao percorrer os olhos sobre os comentários que circularam na época sobre o assunto, grande parte deles versavam em condenar a Conar. O argumento era de que a proibição era descabida e clamava-se pela liberdade de expressão. Outro argumento era de que somos o país do carnaval, do turismo, da liberdade sexual, dentre outras posições semelhantes. 


Ora, a difusão constante de imagens, signos, provoca no auditório social o assujeitamento de que Pêcheux (1995) teoriza.  Depois de polêmica e proibições, percebe-se um leve movimento nas propagandas de cerveja. Artistas, jogadores de futebol, músicos, começaram a fazer a divulgação das marcas mais renomadas de cerveja. Parecia que todos os deuses do Olímpio se reuniram na tentativa de livrar o feminino da triste saga edipiniana (mas Édipo ao fugir do triste destino que o oráculo sentenciou, se enredava em seu trágico destino a cada passo que avançava). 


 
Imagem 8

Parece que todas as brechas e fendas que o século XXI nos proporcionou, não foram o bastante para que fechássemos a ferida aberta por anos de condicionamento a posição de objetos consumíveis. A figura 8 é de uma propaganda difundida atualmente (2015), e a imagem não parece tão incisiva quanto é a propaganda veiculada pela televisão e redes sociais. A referida propaganda tem no texto seu conteúdo mais apelativo.


Cientes de que, diferentes saberes nascerem de práticas e de formas de organização, é relevante levar sempre em conta que os discursos da publicidade não se configuram como autônomos. Segundo Sabat (2001), “[...] quando a publicidade fala, também nós estamos falando. Os produtos anunciados são construídos pelos discursos publicitários como objetos portadores de qualidades humanas, são capazes de mudar o presente e o futuro, que pode controlar e conduzir desejos, que solucionam nossos problemas, que dizem coisas a respeito de nos mesmas\os (SABAT, 2001, p.14)”.


Assim deixamos que as imagens falem por si só e respondam ao questionamento inicial: o feminino está em (re)construção ou essa reconstrução é apenas o mais do mesmo? Ou o mesmo disfarçado de diferente?  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FORTKAMP-TOMITH. Aspectos da lingüística aplicada: estudos em homenagem ao professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis: Insular, 2000.

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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SABAT, Ruth. Pedagogia cultural, gênero e sexualidade. In_ Estudos Feministas n. 9. 2001.

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