Cida Almeida - Poema

 
Central Park, New York City, 2010 - Foto by James Maher
Pela poesia nossa de cada dia
 

Rezo poesia
... Pela enluarada manhã
... Pela tarde arregalada de sol

... E pela assombrada noite

Rezo a poesia que me reza
Credos do sono e da pedra
Na poeira da eternidade
Das palavras breves

Rezo poesia
... Ramos fecundos
de tristeza
... Ramalhetes de delicadas alegrias

Rezo palavras toscas
... Tempo lavrado
em carne e osso
... Templo de rimas cruas
Alma

Rezo os dias idos
Os leves dias de poesia
Esse suspiro de Deus
Afagando o barro mole
Da volátil escultura...

Rezo pela criatura
Atolada na fundura
De Deus sem explicação...
Rezo pelo pó dos ossos
Depois do fim dos ossos
Rezo pelo pó da palavra
Depois do fim da linha
Rezo pela perenidade do passo
Depois de extinta a memória dos passos

Rezo poesia
Na pedra fria
Da bruta lápide
A impossível espera
Que caminha solene

E reza a mais dura poesia
Uma escultura de osso
E palavra... Do pó ao pó
A poesia
Sopra de hálito em hálito
Um suspiro de humanidade
Vôo sem ave-marias
Asas sem pais-nossos
Palavras despertando das cinzas
As horas mortas
Da volátil escultura
Volátil

Rezo nessa manhã tão minha
A poesia de um olhar
Que escorre no vão da pedra
E brota flor
Enquanto contemplo a paisagem
Enrijecendo na janela...
Volátil criatura.
 
Imagem retirada da Internet: Poetas

Fernando Pessoa - Poema


Abdicação


Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. 
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços. 

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços 

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria. 

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Imagem retirada da Internet: cetro e coroa

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