Pablo Neruda - Poema

Ode à Tipografia




Letras amplas, severas,
verticais,
feitas
de linha pura,
erguidas
como o mastro
do navio 
no meio
da página
cheia
de confusão e turbulência,
Bodonis
algébricos,
letras
cabais,
finas
como lebréis,
submetidas
ao retângulo branco
da geometria,
vogais
elzevires
cunhadas
no miúdo aço
da oficina junto à água,
em Flandres, no norte
traçado por canais,
cifras
da âncora
caracteres de Aldus,
firmes como
a estatura
marinha
de Veneza
em cujas águas-mães
como vela
inclinada,
navega a cursiva
curvando o alfabeto:
o ar
dos descobridores
oceânicos
agachou
para sempre o perfil da escritura.
Desde
as mãos medievais
avançou até teus olhos
este
N
este 8
duplo
este
J
este
R
de rei e de rocio.
Ali
se lavraram
como se fossem
dentes, unhas,
metálicos martelos
do idioma.
Golpearam cada letra,
erigiram-na
pequena estátua negra
na alvura,
pétala
do pensamento que tomava forma
do caudaloso rio
e que ao mar dos povos navegava
com todo
o alfabeto
iluminando
a desembocadura.
O coração, os olhos
dos homens
se encheram de letras,
de mensagens,
de palavras,
e o vento passageiro
ou permanente
levantou livros
loucos
ou sagrados.
Debaixo
das novas pirâmides escritas
a letra
estava viva,
o alfabeto ardendo,
as vogais,
as consoantes como
flores curvas.
Os olhos
do papel, os que miraram
nos homens
buscando
seus presentes,
sua história, seus amores,
estendendo
o tesouro
acumulado,
espargindo prontamente
a lentidão da sabedoria
sobre a mesa
como um baralho,
todo
o húmus
secreto
dos séculos
o canto, a memória,
a revolta,
a parábola cega,
pronto
foram
fecundidade,
celeiro,
letras,
letras
que caminharam
e se acenderam
letras
que navegaram
e venceram,
letras
que despertaram
e subiram,
letras
que libertaram,
letras
em forma de pomba
que voaram,
letras
vermelhas sobre a neve,
pontuações,
caminhos,
edifícios
de letras
e Villon e Bercéo,
trovadores
da memória
apenas
escrita sobre o couro
e também sobre o tambor
da batalha,
chegaram
à espaçosa nave
dos livros,
à tipografia
navegante.
Mas
a letra
não foi só beleza,
e sim, vida,
foi paz para o soldado,
baixou às soledades
da mina
e o mineiro
leu
o panfleto duro
e clandestino,
ocultou-o nos recônditos
do segredo
coração
e acima
sobre a terra,
foi outro
e outra
foi sua palavra.
A letra
foi a mãe
das novas bandeiras,
as letras
procriaram,
as estrelas
terrestres
e o canto, o hino ardente
que reúne
aos povos
de
uma
letra
agregada
a outra
letra
e a outra
de povo em povo foi sobrelevando
sua autoridade sonora
e cresceu na garganta dos homens
até impor a claridade do canto.
Mas
tipografia,
deixe-me
celebrar-te
na pureza
de teus
puros perfis,
na redoma
da letra
O,
no viçoso
alguidar
do
Y,
no
Q
de Quevedo
(como poderia passar
minha poesia
em frente dessa letra
sem sentir o antigo arrepio
do sábio moribundo?),
à açucena
multi
multiplicada
do
V
de vitória,
no
E
escalonado
para subir ao céu,
no
Z
com seu rosto de raio,
no P
alaranjado.
Amor,
amo
as letras
de teu cabelo,
o
U
de teu olhar,
os
S
de tuas curvas.
Nas folhas
da jovem primavera
refulge o alfabeto
diamantino,
as esmeraldas
escrevem teu nome
com iniciais frescas do rocio.
Meu amor,
tua cabeleira profunda
como selva ou dicionário
me cobre
com sua totalidade
de idioma
vermelho.
Em tudo,
no estalão
do verme
se lê,
na rosa se lê,
as raízes
estão cheias de letras
retorcidas
pela umidade do bosque
e no céu
de Isla Negra, à noite,
leio,
leio
no firmamento frio
da costa,
intenso,
diáfano de formosura,
despregado,
com estrelas capitais
e minúsculas
e exclamações
de diamante gelado,
leio, leio
na noite do Chile
austral, perdido
nas celestes solitudes
do firmamento,
como em um livro
leio
todas
as aventuras
e na erva
leio,
leio
a verde, a arenosa
tipografia
da terra agreste,
leio
os navios, os rostos
e as mãos,
leio
em teu coração
onde
vivem
entrelaçados
a inicial
provinciana
de teu nome
e
o arrecife
de meus sobrenomes.
Leio
tua fronte,
leio
teu cabelo
e no jasmim
as letras
escondidas
elevam
a incessante
primavera
até que eu decifro
a enterrada
pontuação
da papoula
e a letra
escarlate
do estio:
são as exatas flores do meu canto.
Contudo
quando
desfralda
seus rosais
a escritura,
a letra
sua essencial
jardinaria,
quando lês
as velhas e as novas
palavras, as verdades
e as explorações,
te peço
um pensamento
para quem as ordena
e as levanta,
para o que separa
o tipo,
para o linotipista
com sua lâmpada
como um piloto
sobre
as ondas da linguagem
ordenando
os ventos na espuma,
a sombra e as estrelas
no livro:
o homem
e o aço
uma vez mais reunidos
contra as asas noturnas
do mistério,
navegando,
hora dando,
compondo.
Tipografia,
sou
apenas um poeta
e és
o florido
jogo da razão,
o movimento
do cerzir
da inteligência.
Não descansas
de noite
nem no inverno
circulas
nas veias
de nossa anatomia
e se dormes
voando
durante
alguma noite ou greve
ou fadiga ou ruptura
de linotipia
baixas de novo ao livro
ou ao jornal
como nuvem
de pássaros ao ninho.
Regressas
ao sistema
à ordem
inapelável
da inteligência.
Letras
continuai caindo
como precisa chuva
em meu caminho.
Letras de tudo
o que vive
e morre,
letras de luz, de lua,
de silêncio,
de água,
amo-vos,
e em vós
recolho
não apenas pensamento
e o combate,
mas também vossos vestidos,
sentidos
e sonoridades:
A
de gloriosa aveia,
T
de trigo y de torre
e
M
como teu nome
de maçã.


Tradução de Frederico Fullgraf



Fonte da imagem:Chocolate Disign

Oliverio Girondo - Poema


Gratitud


Gracias aroma
azul,
fogata
encelo.
Gracias pelo
caballo
mandarino.
Gracias pudor
turquesa
embrujo
vela,
llamarada
quietud
azar
delirio.
Gracias a los racimos
a la tarde,
a la sed
al fervor
a las arrugas,
al silencio
a los senos
a la noche,
a la danza
a la lumbre
a la espesura.
Muchas gracias al humo
a los microbios,
al despertar
al cuerno
a la belleza,
a la esponja
a la duda
a la semilla
a la sangre
a los toros
a la siesta.
Gracias por la ebriedad,
por la vagancia,
por el aire
la piel
las alamedas,
por el absurdo de hoy
y de mañana,
desazón
avidez
calma
alegría,
nostalgia
desamor
ceniza
llanto.
Gracias a lo que nace,
a lo que muere,
a las uñas
las alas
las hormigas,
los reflejos
el viento
la rompiente,
el olvido
los granos
la locura.
Muchas gracias gusano.
Gracias huevo.
Gracias fango,
sonido.
Gracias piedra.
Muchas gracias por todo.
Muchas gracias.
Oliverio Girondo,
agradecido.


Olivero Girondo - Poema


Ella


Es una intensísima corriente
un relámpago ser de lecho
una dona mórbida ola
un reflujo zumbo de anestesia
una rompiente ente florescente
una voraz contráctil prensil corola entreabierta
y su rocío afrodisíaco
y su carnalesencia
natal
letal
alveolo beodo de violo
es la sed de ella ella y sus vertientes lentas entremuertes que
estrellan y disgregan
aunque Dios sea su vientre
pero también es la crisálida de una inalada larva de la nada
una libélula de médula
una oruga lúbrica desnuda sólo nutrida de frotes
un chupochupo súcubo molusco
que gota a gota agota boca a boca
la mucho mucho gozo
la muy total sofoco
la toda ¡shock! tras ¡shock!
la íntegra colapso
es un hermoso síncope con foso
un ¡cross! de amor pantera al plexo trópico
un ¡knock out! técnico dichoso
si no un compuesto terrestre de líbido edén infierno
el sedimento aglutinante de un precipitado de labios
el obsesivo residuo de una solución insoluble
un mecanismo radioanímico
un terno bípedo bullente
un ¡robot! hembra electroerótico con su emisora de delirio
y espasmos lírico-dramáticos
aunque tal vez sea un espejismo
un paradigma
un eromito
una apariencia de la ausencia
una entelequia inexistente
las trenzas náyades de Ofelia
o sólo un trozo ultraporoso de realidad indubitable
una despótica materia
el paraíso hecho carne
una perdiz a la crema.


John Berryman - Poema


As a kid I believed in democracy 





As a kid I believed in democracy: I
'saw no alternative'—teaching at The Big Place I ah
put it in practice:
we'd time for one long novel: to a vote—
Gone with the Wind they voted: I crunched 'No'
and we sat down with War & Peace.

As a man I believed in democracy (nobody
ever learns anything): only one lazy day
my assistant, called James Dow,
& I were chatting, in a failure of meeting of minds,
and I said curious 'What are your real politics?'
'Oh, I'm a monarchist.'

Finishing his dissertation, in Political Science.
I resign. The universal contempt for Mr Nixon,
whom never I liked but who
alert & gutsy served us years under a dope,
since dynasty K swarmed in. Let's have a King
maybe, before a few mindless votes.





Imagem retirada da Internet: Guantânamo

Clarissa Perna Filgueiras - Ensaio Poético


Amigos de Vento





Daqui, vejo um aquário, cheio de espécies interessantes, exóticas....Interação instantânea, lanço mão da minha rede “social”, e pesco, pesco e pesco...amigos. Seres iluminados, possuem luz própria, cada um com um tom. Cheiro de mar, fisionomia de pôr do sol e essência de brisa.

Causa e efeito, quando crianças, os meus amigos estavam dispostos a brincar e a brigar toda hora, sem culpa, sem falta de tempo, sem cabeça cheia, sem preconceito. O vento que venta aqui é o mesmo que venta lá, trazendo a adolescência “furacão”. Fase das mais bonitas, quando amigos vêm como chuva, pingando por todo o caminho, adubando o terreno para vida adulta.

Ninguém é reciclável, alguns foram outros voltaram ! A maré subiu e veio a fase adulta com toda a sua plenitude. Fase de quebrar o aquário, de viver todos os dias como o último, de fazer tatuagem, de ter e perder amores, de refinar os gostos musicais, dos porres inesquecíveis. Tempo de apertar os laços afrouxados pelo cotidiano.

Hoje reconheço e tenho total devoção aos que realmente amo, mesmo sabendo o quanto mudei, principalmente pelo respeito às diferenças e imperfeições. Aos amigos de longe, aos amigos de perto, aos amigos virtuais, aos amigos de passagem e aos amigos que estão por vir, OBRIGADA. Agradeço pelos ombros, pelos cuidados, pelas brigas. 

Minha gratidão por abrirem meus olhos quando fico cega, de serem palavra quando emudeço, por serem sol nos meus dias de chuva. Amém, meus moinhos de vento, agora estou alçando voos maiores. Coisa típica de gente grande, né? Amadureci com vocês e agora sou pipa, dessas que voam, voam, voam, alto bem alto, mas quando puxadas voltam, cheias de saudade e transbordando amor.

Imagem retirada da Internet: Amigas

Augusto Frederico Schmidt - Poema



Poema da inveja

 


Inveja dos que desejam pertencer à Academia de Letras,
Dos que amam as honrarias.
Dos incansáveis.
Dos que adormecem sem medo.
E despertam sempre dispostos para a conquista do mundo.

Inveja dos que caminham firmes,
Como se o chão fosse sólido.
Como se tudo estivesse certo e ordenado.
Inveja dos que não se lembram de que só há um destino.
E que estamos suspensos sobre o abismo.
Inveja dos seres para quem a esperança
Não é uma fragil ponte sobre o nada.

Inveja dos que não carregam sempre e interminavelmente,
Por onde vão e em todas as horas,
O fardo de seus mortos.
Inveja dos que não guardam
As imagens perdidas, as folhas secas,
A poeira da vida.
E sacodem qualquer melancolia e avançam leves e contentes.

Inveja dos que podem recordar sorrindo
As alegrias efêmeras.
E não se dão conta de que o amargo
Delimita e bordeja todos os caminhos.

Inveja dos que contemplam, impassíveis,
As flores murchas, os berços vazios,
As mão frias em cruz,
Os rostos devastados pelo tempo,
E o tédio dos que se amaram um dia.



Imagem retirada da Internet: inveja

Amadeus Amado - Poema



Os olhos ,
na margem do corpo,
ardem.
o corpo,
no centro dos olhos,
sente.

sente o corpo
             no meio dos olhos.
ardem os olhos
             no meio do corpo.

corposente
olhoscorpo
                  Alma.



Imagem retirada da Internet: eye

Manuel Bandeira - Poeta


Resposta a Vinícius




Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais.
Lúcido, sim; eleito, não;
E bem triste de tantos ais
Que me enchem a imaginação.


Com que sonho? Não sei bem não.
Talvez com me bastar, feliz
– Ah, feliz como jamais fui! –
Arrancando do coração
– Arrancando pela raiz –
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.

Florbela Espanca - Poema

Ser Poeta



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Paul Eluard - Poema

A Morte o Amor a Vida

Julguei que podia quebrar a profundeza a 
                                                               [imensidade 
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco 
Estendi-me na minha prisão de portas virgens 
Como um morto razoável que soube morrer 
Um morto cercado apenas pelo seu nada 
Estendi-me sobre as vagas absurdas 
Do veneno absorvido por amor da cinza 
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue 

Queria desunir a vida 
Queria partilhar a morte com a morte 
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida 
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro 
                                                             [nem o orvalho 
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro 
Havia eliminado o gelo das mãos postas 
Havia eliminado a invernal ossatura 
Do voto de viver que se anula 

Tu vieste o fogo então reanimou-se 
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de 
                                                                      [estrelas 
E a terra cobriu-se 
Da tua carne clara e eu senti-me leve 
Vieste a solidão fora vencida 
Eu tinha um guia na terra 
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido 
Avançava ganhava espaço e tempo 
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente 
                                                                     [para a luz 
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava 
                                                               [as suas velas 
O sono transbordava de sonhos e a noite 
Prometia à aurora olhares confiantes 
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro 
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos 
O repouso deslumbrado substituía a fadiga 
E eu adorava o amor como nos meus primeiros 
                                                                         [tempos 

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam 
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme 
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas 
Nada é simples nem singular 
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite 

A floresta dá segurança às árvores 
E as paredes das casas têm uma pele comum 
E as estradas cruzam-se sempre 
Os homens nasceram para se entenderem 
Para se compreenderem para se amarem 
Têm filhos que se tornarão pais dos homens 
Têm filhos sem eira nem beira 
Que hão-de reinventar o fogo 
Que hão-de reinventar os homens 
E a natureza e a sua pátria 
A de todos os homens 
A de todos os tempos. 
Tradução de Antônio Ramos Rosa

In. Algumas das Palavras
Fonte: Citador

Francisco Perna Filho - Poema

Ramon, Goias x América-MG (Foto: André Costa / Agência Estado)
Impassível



No campo, o jogo,
na arquibancada, o grito
na mente, o desejo
no banco, expectativa.
Acabado o espetáculo,
as comportas  abertas jorram
homens, mulheres, meninos,
cujas casas os esperam.
Ainda lá atrás, um minuto de silêncio*;
ninguém se calou,
aplausos vieram,
pois o jogo acabara de iniciar-se.
quem morreu, morreu,
quem se importa?
É gol!.



*Goiânia, sexta feira, 13/07/2012, no jogo entre Goiás e América de Minas Gerais, a direção do Estádio Serra Dourada pediu um minuto de silêncio em memória do radialista Valério Luíz, assassinado recentemente, quando saía da emissora de rádio na qual trabalhava.


Imagem: Globo Esporte

Paulo Leminski - Poema





O Hóspede Despercebido



         Deixei alguém nesta sala
que muito se distinguia
         de alguém que ninguém se chamava,
quando eu desaparecia.
         Comigo se assemelhava,
mas só na superfície.
         Bem lá no fundo, eu, palavra,
não passava de um pastiche.
         Uns restos, uns traços, um dia,
meus tios, minhas mães e meus pais
         me chamarem de volta pra dentro,
eu ainda não volte jamais.
         Mas ali, logo ali, nesse espaço,
lá se vai, exemplo de mim,
         algo, alguém, mil pedaços,
meio início, meio a meio, sem fim.

In. Distraídos Venceremos
Imagem retirada da Internet: eu


Adonis (Ali Ahmad Said) - Poema



EL TIEMPO



Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
¿Qué es esta sangre que palpita en la arena
y qué es este ocaso?
Llama del presente, ¿qué vamos a decir?

En mi garganta están los jirones de la Historia
y en mi rostro los signos del sacrificio.
¡Qué amargo es ahora el lenguaje!
¡Qué angosta la puerta del alfabeto!

 Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
¿Se ha convertido el amigo en verdugo?

 Un vecino ha dicho: ¡Cuánto tarda Hulagu en venir!
¿Quién llama a la puerta? ¿El recaudador de impuestos?
Dale el tributo... siluetas de mujeres
y de hombres... imágenes que caminan...
Nos hemos hecho señales, nos hemos intercambiado secretos.
Nuestros pasos son una hebra de muertos.
¿Tu muerto viene de tu Señor
o tu Señor viene de tu muerto?
Perdido por el enigma, se inclina
cual arco de terror sobre sus días encorvados.

 - Tenía un hermano. Desapareció. Mi padre se volvió loco.
Mis hermanos murieron. ¿A quién invocar?
¿Hay que abrazar a la puerta, suplicar a la alfombra?
- Delira. Trae la tabaquera y cúralo con el rapé de los sabios.

Cadáveres que el asesino lee cual anécdotas.
¿Este montón es un granero de huesos, la cabeza de un niño
o un trozo de carbón?

¿Es un cuerpo esto que veo o un esqueleto de barro?
Me inclino, arreglo dos ojos y remiendo una cadera.
Tal vez la intuición me ayude
y me guíe un fulgor de memoria
pero es inútil que investigue la delgada hebra,
inútil que junte una cabeza, dos brazos y dos piernas
para descubrir la identidad del muerto.

- ¿A quién predica la hormiga y por qué asustarse?
Poesía es mezclar en el ojo esta trágica chispa.
Éxtasis es ver tu casa volar en estallidos hacia Dios.
Encaramada a un alminar,
la lechuza del adivino ulula.
De su grito ha tejido un arco iris
y, ahogada de alegría, ha llorado
Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
El payaso ha revelado sus secretos.
Este tiempo rebelde es una tienda de alhajas,
un pantano de profetas.
El payaso ha revelado sus secretos.
La verdad será la muerte, el pan de los poetas
y lo que se llamó o se convertirá en patria
no es más que un instante a la deriva
sobre el rostro del tiempo.

El payaso ha revelado sus secretos.
Esplendor del diluvio, ¿dónde está tu llave?
Inúndame de gracia, toma mis últimas riberas,
tómame.

Un abismo ardiente me ha hechizado,
un camino por el que huyen los caminos.

Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
Mi alma ha olvidado sus pasiones,
ha olvidado su patrimonio, oculto en la casa de las imágenes.
No volverá a recordar lo que ha dicho la lluvia,
lo que ha escrito la tinta de los árboles.
Mi alma no dibuja más que una gaviota
empujada por las olas contra las amarras de un barco.
No escucha más que un grito metálico:
he aquí el corazón de la ciudad,
luna rota, unida al ombligo de un fantasma de chispas.
No sabe que Dios y el poeta
son dos niños que duermen en la mejilla de una piedra.  

Mi alma ha olvidado sus pasiones,
por eso temo la sombra
y el bosquejo del futuro,
por eso me invade la duda
y el sueño se me resiste.
Amarrado, corro de un fuego a otro,
sofocado bajo el sudor que chorrea por mi cuerpo,
compartiendo con los muros el insomnio de la noche
(fieras son los pasos de la noche).
A menudo he dicho a la poesía sedimentada
en el fondo de mi memoria:
¿qué es esta sierra en mi cuello?
¿Quién me dicta la aleya del silencio?
¿A quién contaré mis cenizas?
Yo, que no sé arrancar el pulso y arrojarlo a la mesa.
Yo, que rechazo hacer de mi tristeza un tambor para el cielo.
Así pues diré: mi vida ha sido morada de espectros,
molino de viento.

Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
Los árboles del amor en Qassabin
son hermanos de los árboles de la muerte en Beirut.
El bosque de mirto consuela al bosque del exilio.
Qassabin penetra en el mapa de la hierba
y destila las entrañas de las llanuras.
Beirut penetra en el mapa de la muerte:
las tumbas son jardines, despojos, campos.

¿Qué fuerza vierte a Qassabin en Tiro y Sidón
y es Beirut quien se derrama?
¿Qué es eso que alejándose se aproxima?
¿Quién mezcla en mi mapa esta sangre?

El verano se seca y el otoño no ha llegado,
la primavera ha ennegrecido en la memoria de la tierra,
el invierno es como la muerte lo dibuja:
agonía y hemorragia,
época surgida de un frasco de predestinación
y de la palma de la suerte,
época del extravío que improvisa el instante y rumia el aire.

¿Cómo podréis reconocerla?
Un muerto sin rostro que contiene todos los rostros.

Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
Agotado, me doy la vuelta y observo:
¿Qué son esos andrajos? ¿Crónicas, países,
banderas colgadas al acantilado del crepúsculo?

 En un instante leo las generaciones,
en un cadáver reconozco miles de cadáveres.
Me sumergen los abismos del absurdo,
mi cuerpo se escapa,
mi rostro no aparece en el espejo,
mi sangre huye de las arterias.
¿Será porque no veo a la luz
transportar mis sueños hacia ella?
¿Será el lugar más remoto de un mundo
que los demás bendicen y yo maldigo?
¿Qué es esto que desarraiga mis profundidades
y se marcha entre la jungla del deseo,
los países, los océanos de lágrimas
y la descendencia de símbolos,
entre las venas y los sexos,
las épocas y los pueblos?

¿Qué es esto que divide mi alma y me destruye?
¿Acaso soy la encrucijada de caminos?
En el instante del descubrimiento ¿ha dejado mi camino
de ser mi camino?
¿Soy más que un ser, mi historia es mi abismo
y mi plazo mi incendio?
¿Qué es esto que en una carcajada se eleva
de mis miembros ahogados?

¿Soy múltiples seres que se preguntan:
¿Quién eres? ¿De dónde vienes?
¿Son mis órganos los bosques del combate
en una sangre-viento, en un cuerpo-hoja?

¿Soy un loco? ¿Quién soy en estas tinieblas?
Enséñame y guíame, locura.
¿Quién soy, amigos? Respondedme,
vosotros, los visionarios, los oprimidos.

Ojalá pudiera escaparme de mi piel
sin saber quién he sido ni quién seré.
Busco un nombre, algo que nombrar,
pero nada es nombrable.
Una época ciega, una Historia cegada,
una época de limo y una Historia de ruinas.
El dominador es dominado.
¡Alabadas seáis, tinieblas!

Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
Mi antepasado semita es agarrado
por lo que ha engendrado el destino ciego.
¿Un papagayo? ¿Un profeta colado en una momia?
Oh, antepasado al que aparto de su camino.
Tú eres el que habita en la molécula del agua
y en los astros celestes.
Es prudente que camines así,
orgulloso hacia el pasado.
Tú eres el misterio,
el reino receloso de las profecías.

Extraviado en el error, no puedo comprenderte.
Tú eres el prodigio,
antepasado al que yo rechazo ahora.
A pesar de que haya amado la creación en tu nombre,
no me reconocerás, nada me unirá a ti,
aparte de estas huellas enterradas en mi alma
que me lloran y me hacen llorar sobre ti.

Abrazo a la espiga del tiempo,
mi cabeza es una torre de fuego.
El fin de la época que llovía piedras[1]
ha encontrado el comienzo de una era que llueve petróleo.
El dios de las palmeras se arrodilla ante un dios del hierro

y yo, entre estos dioses, soy la sangre derramada,
la caravana que huye.
Palpo mi fuego apagado,
me pregunto cómo engañar a mi muerte,
rebelde en su desierto,
y digo que el universo lo teje mi sueño.
La trama se deshace,
me veo en un abismo
y me entrego a la noche de la caída.

Veo en las cosas un cerco de humo,
percibo el mundo como una cacería.
Se extiende la mesa:
los cuerpos son los condimentos,
las cabezas los recipientes
y Dios se sienta a la mesa de la caza.
Una gacela era panadera, una iguana soldado.

¿Es Dios quien se come la caza
o es la caza quien se come a Dios?
Los caminos mienten, las riberas traicionan.
¿Cómo no caer fulminado por la locura?
Reniego del comensal y del manjar
y acojo a todo lo errante.

Mi consuelo es sumergirme en mi sueño,
excederme, ondear
y cantar el deseo del rechazo.
Deliro. Venus es la ajorca de mis días,
Capricornio mi brazalete
y las flores en sus corolas son balcones...

Mi consuelo es salir y convocar
a todos los verbos de la salida.
Ensillad estos vientos desbocados.
La Historia ha sido degollada
y esto no es más que el preludio.
Dejad al verdugo, a la víctima y al sacrificio como mártires,
cubridme con sus restos
y dibujadme una ruina.

Así sacaré a la sabiduría de su yacimiento
y gritaré: Bienvenidos mis escombros, mi decadencia.
Mañana la muerte me soplará sin que me extinga,
mañana saldré de la luz para ir hacia otra luz.
Cierto que soy más frágil que un hilo
pero más noble que un dios.

Así comenzaré a abrazar mi tierra
y los secretos de sus pasiones.
El cuerpo del mar es su amor,
un amor que tiene como manos al sol,
el cuerpo reservado al trueno, ancla de ternura,
un cuerpo promesa en el que me pierdo.
Surgiré de este desafío.
Cubrid con la luz de la lluvia amorosa
el rostro de la margarita
y que sea...

Abrazo la época que viene y camino,
rebelde, con andares de capitán,
trazando mi país.
Subid a sus más altas cimas,
descended a sus profundidades.
No encontraréis miedo ni cadenas.
Es como si el pájaro fuera rama,
la tierra un niño y los mitos mujeres
¿o tal vez sueños?

Dejo a los que vendrán después de mí
la misión de abrir este espacio.

 Mi piel no es una cabaña de ideas
ni mi pasión leñador del recuerdo.
Mi ascendencia es el rechazo
y mis bodas germinación entre dos polos.

Esta época es la mía,
la del dios muerto y la máquina ciega.
Que habite en la alberca de los deseos,
que mis despojos sean flores,
que sea el alif del agua, la ya del fuego,
el loco de la vida.


Revelo al tiempo los secretos de sus páginas.
Así confiesa
que es el extraviado, el rebelde, el discordante.



(Beirut, 4 de junio-25 de octubre de 1982)


Traduzido do árabe para o espanhol por  Maria Luisa Prieto



[1]  Sobre las que se grababan los nombres de los infieles que debían ser lapidados, según la ley divina.

Fonte: Poesia árabe

José Eduardo Agualusa Poesia Africana


O homem que vinha ao entardecer



Falava com devagar, ajeitando as
palavras. Falava com cuidado,
houvesse lume entre as palavras.

Chegava ao entardecer, os sapatos
cheios de terra vermelha e do perfume
   dos matos.

Cumpria rigorosamente os rituais.

Batia primeiro as palmas (junto
       ao peito)
Depois falava.
Dos bois, das lavras, das coisas
simples do seu dia-a-dia. E todavia
era tal o mistério das tardes quando
assim falava
   que doía.


Imagem retirada da Internet: homem ao entardecer

Hassan Najmi - Poesia Marroquina



A janela


não sobrou nada:
só a ferida da memória.
e o ponto de encontro
e o cheiro das folhas em livros usados.


da janela:
uma canção entoa um amor antigo.


Como se fosse escrever o livro dos mortos -
torna-se a noite no seu costume.


Como se para brincar com uma tristeza que o acompanha -
dança sozinho na noite.


Tradução de André Simões




Fonte: Sobre as ruínas
Fonte da Imagem: janelas árabes

Abd al-Wahab al-Bayyati - Poesia Iraquiana



Abd al-Wahab al-Bayyati 
Sobre a felicidade


mentiram: a felicidade,
Mohammad,
não se vende.
e então os jornais
escreveram que do céu
choveram rãs ontem à noite.
amigo, roubaram-te a felicidade
enganaram-te
torturaram-te
crucificaram-te
nos laços das palavras
para dizerem de ti: morreu
para te venderem um lugar no céu.
ai como é inútil chorar.
eu tenho vergonha, Mohammad
e então as rãs
roubaram-nos a felicidade.
e eu apesar do sofrimento
continuo a caminho do Sol.


plantaram a noite com adagas
e cães


o céu da noite desaba sobre eles.
então revolta-te!
Mohammad!
então revolta-te!
e cuidado, não sejas traidor.


Tradução de André Simões


Fonte: Sobre Ruínas
Fonte da Imagem: Sultan Bin Ali Al Owais Cultural Foundation


Mahmûd Darwîsh - Poesia da Palestina


Nem menos, nem mais



Sou uma mulher. Nem menos, nem mais.

Vivo a minha vida como ela é

fio a fio

e fio a minha lã para vesti-la, não

para acabar a história de Homero ou o seu Sol

e vejo o que vejo

tal como é, na sua aparência.

e no entanto fixo o olhar uma

e outra vez na sua sombra

para sentir o pulso da perda,

e escrevo um amanhã

sobre as folhas de um ontem: não há voz

apenas o eco.

Gosto da ambiguidade necessária nas

palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já se foi

da ave sobre as colinas das palavras

sobre as açoteias das aldeias.

Sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Faz-me voar a flor de amendoeira,

no mês de Março, da minha varanda,

saudosa de um dizer distante:

– Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das nascentes.

Choro sem razão aparente, e amo-te

a ti como és, sem obrigação

sem ser em vão.

e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti

e quando te abraça desce uma noite sobre ti

e eu não sou isto nem aquilo

não, não sou Sol nem Lua

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Sê tu o Qays da nostalgia

se assim queres. É que eu

eu gosto de ser amada como sou

não uma imagem

colorida no jornal, ou uma ideia

entoada no poema entre os cervos...

ouço o grito de Laila longínquo

a partir do quarto de dormir: – Não me deixes

prisioneira de uma rima nas minhas noites das tribus

não me deixes com eles como uma história...

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Eu sou quem sou, como

tu és quem és: moras em mim

e eu moro em ti sobre ti para ti

amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado

sou tua quando transbordo da noite

mas não sou uma terra

não sou uma viagem

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Cansa-me

o ciclo da Lua mulher

adoece a minha guitarra

corda

a corda

sou uma mulher,

nada menos

nada mais!



Tradução de André Simões


In. O leito de uma estranha (1999)

Valdivino Braz - Poema


ESPELHAMENTO DO ENIGMA


O sanitário evacua-se no vaso solitário
dos poderosos.
Os acusadores sabem de si mesmos
no que não acusam — o rabo preso.
O que antecede o grito enigmático das almas?
O silêncio errático
no espetáculo das estrelas cadentes.
Uma salva de palmas.
Erradios poetas se desesperam
do que alimentam: esperança
que não se alcança,
armada até os dentes.


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