Francisco Perna Filho - Poema inédito


Enigma



o que sabem os acusadores
do vácuo,
do vaso,
da solidão?
sobram em palavras vazias
pelas páginas de livros,
revistas e jornais.
nada sabem
do que antecede
o grito
e os enigmas da alma.
Erram os poetas
nas curvas
do incompreensível,
quando se alimentam
de esperança.


Imagem retirada da Internet: hope

Joaquim Cardozo - Poema





O leque, a rosa e a treliça da ponte


Das asas de um gesto que voou de um trem noturno
Caíram, ficaram surpresos nas hastes da ponte de ferro,
Uma rosa toda aberta
E um leque, por acaso, em botão.


A rosa se fizera flor num jardim de agosto,
De uma família insigne de rosas,
De uma geração em brasonada cor.


O leque soprara num rosto formoso
Ventos leves e alísios. . .


E também – é possível – um vento precoce ou tardio
E ainda – quem sabe? – um vento ilusivo.


Depois que o trem noturno transcorreu,
Sucederam dias – ardentes
Sucederam noites – geladas
Murchando a rosa, desfolhando o leque
– Mas  a ponte de ferro e de preto, no Aberto e no Tempo,
[se mantinha imutável.


Disse o leque: Por que não fechas por um momento sequer
[tuas varetas? Leque impassível!
E a rosa: Por que tuas pétalas não murcham nunca? Rosa de
[ferro!




Imagem retirada da Internet: ponte e flor

Joaquim Cardozo - Poema





VENTOS, PUÍDOS VENTOS



Ventos, puídos ventos!
Gastos no seu tecido,
Trapos que se penduram
Moles da verde palha.
Ventos, puídos ventos
Que a tarde em cinza espalha.


Vento sobre os coqueiros,
De agônicas lembranças,
Como passa banzeiro
Sobre as copas mais altas,
Em desleixados vôos
De pássaros pernaltas.


Ventos, que paraventos
Poderiam deter-vos?
Folhagem de longínquos
Adeuses adejantes;
De marginais outonos
Noturnos caminhantes!


Vento sobre os coqueiros,
Tristezas do alto-mar,
Murmúrio gotejante
Entre as folhas molhadas;
Vento sobre os coqueiros
Em ondas desmanchadas.


Essas que ao vento vêm
Belas chuvas de junho!
Que saias lhes vestiram
O corpo em pele fria
Deixando ver somente
Saudade e maresia?


Ventos, naves de vento,
Cargueiros de amarugens;
Colhendo os sons aflitos
Desse afrontado mar
Fazeis a voz dolente
Que além ouço cantar.


Ventos, puídos ventos!


Fonte: Joaquim Cardoso
Imagem: Idem

Bertolt Brecht - Poema


Mau tempo para a juventude


Em vez de brincar no bosque com os companheiros
Meu filho se debruça sobre os livros
E lê de preferência
Sobre as negociatas dos financistas
E as carnificinas dos generais.
Quando lê que nossas leis
Proíbem aos pobres e aos ricos
Dormir sob as pontes
Ouço sua risada divertida.
Quando descobre que o autor de um livro foi subornado
Ilumina-se seu rosto jovem. Eu aprovo isso
Mas gostaria de poder lhe oferecer
Uma juventude em que ele
Fosse brincar no bosque com os companheiros.

Imagem retirada da Internet: child reading

Joaquim Cardozo - Poema



Recordações de Tramataia



                                   I


Eu vi nascer as luas fictícias
Que fazem surgir no espaço as curvas das marés
Garças brancas voavam sobre os altos mangues
de Tramataia.
Bandos de jandaias passavam sobre os coqueiros doidos
De Tramataia.
E havia um desejo de gente na casa de farinha e nos mocambos vazios
De Tramataia.
Todavia! Todavia!
Eu gostava de olhar as nuvens grandes, brancas e sólidas,
Eu tinha o encanto esportivo de nadar e de dormir.


                                   II


Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente
Neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do alto da Misericórdia de Olinda ao nascer do verão.
E a saudade de Josefa,
A pequena namorada do meu amigo de Tramataia.

Amadeus amado - Poema



Morada


O que sei do teu corpo
não me permite segredos,
códigos,
senhas.
Dele sei apenas
o que trago comigo:
o hábito de um longo inverno.

Imagem retirada da Internet: nu

João Cabral de Melo Neto - Poema


Comendadores Jantando 

A Frei Benevenuto Santa Cruz



                         1

                                              

Assentados, mais fundo que sentados
eles sentam sobre as supercadeiras:
cadeiras com patas, mais que pernas,
e de pau-d'aço, um que não manqueja.
Se assentam tão fundo e fundadamente
que mais do que sentados em cadeiras,
eles parecem assentados, com cimento,
sobre as fundações das próprias igrejas.


                          2

Assentados fundo ou fundassentados,
à prova de qualquer abalo e falência,
se centram no problema circunscrito
que o prato de cada um lhe apresenta;
se centram atentos na questão prato,
atenção ao mesmo tempo acesa e cega,
tão em ponta que o talher se contagia
e que a prata inemocional se retesa.
Então, fazem lembrar os do anatomista
o método e os modos deles nessa mesa:
contudo, eles consomem o que dissecam
(daí se aguçarem em ponta, em vespa);
o prato deu soluções, não problemas,
e tanta atenção só visa a evitar perdas:
no consumir das questões pré-cozidas
que demandam das cozinhas e igrejas

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...