JJ Leandro - Poema


 
                                                                                     Foto by Paulinho Ferrarini

EXAGERADO MARANHÃO


De onde eu vim,
Carolina —
não dos Estados Unidos
mas
do Maranhão, perto de Filadélfia,
não dos Estados Unidos mas do Tocantins,
bem ao sul, não do Brasil,
do Maranhão — tudo
é grande.
É grande a miséria do povo
e seus anos de servidão a senhores
que
não o honram.
É grande a palmeira adulta — o babaçu.
Perdem-se de vistas os domínios
quase feudais
dos grandes senhores de terras e seus
rebanhos
pascentes: gado bovino e gente sem dentes
sempre
com a cerviz abaixada.
É grande o rio que corre livre,
só ele
é livre do jugo de cinco séculos.
É grande a fé que incute a resignação
num destino
único que alia miséria e preces.
São grandes as ruas de minha cidade,
suas praças
e os homens pétreos que as habitam.
Estranhamente
também é
grande
a alegria do povo nos folguedos
e a certeza dos senhores
quase feudais
em seu mando
eterno: Luís XVI invejar-lhes-ia as belas Marias Antonietas
e seus pescoços de porcelana
que há cinco séculos
só conhecem beijos e colares.
De onde eu vim tudo é grande:
até a poesia e o inconformismo de seu poeta.


In. Quase Ave, 2002, p.119-120

Raul Bopp - Poema


Mãe Muiraquitã



Água soturna e morta...Erguem-se, à toa,
As velhas sombras dessa moradia.
É a alma tapuia a errar, no adeus do dia,
No ermo sem fim que a solidão povoa.


Quando a flor do luar desabotoa
Dentro da noite, na neblina fria,
A Mãe Muiraquitã paira, sombria,
Sobre a água encantada da lagoa.


Entre os juncais, um vulto verde treme...
Mas, nesta noite de pecado e glória,
As icamiabas nuas onde estão?


Dentro da selva imensa, a noite geme.
- É a alma da raça triste, sem história,
Que anda chorando pela solidão.


In.Versos Antigos
Imagem retirada da Internet: Mãe Muiraquitã

Raul Bopp - Poema


Casos da negra velha



A floresta inchou


Uma árvore disse:
- Quero virar elefante,
E saiu correndo no meio do mato


aratabá-becúm


Aquela noite foi muito comprida
Por isso é que os homens saíram pretos



In.Urucungo, 1932.
Imagem retirada da Internet: negra velha

Elizabeth Barrett Browning - Poesia



SUBSTITUIÇÃO



Se uma adorada voz, que fora em vossa vida,
suavidade e som, de repente se esvai,
e se logo um silêncio impenetrável cai,
qual súbito mal-estar ou dor desconhecida,

- que esperança há? Que auxílio? E que música ouvida,
o silêncio destrói? Nem da amizade o ai -
nem da razão sutil a conta; não se vai
ao som de violino ou de flauta gemida;

nem canções de poeta e nem de rouxinóis,
a voz que vai subindo através dos ciprestes
até à clara lua; e medo lhe não causa

das esferas, o canto - ou dos anjos, nos sóis,
a voz que sobe a Deus; ó não, nenhuma destas!
Fala só Tu, ó Cristo, e preenche esta pausa.


Tradução: Alexandre Herculano de Carvalho


©Elizabeth Barrett Browning

Fonte: A Voz da Poesia
Imagem retirada da Internet: hope










Elizabeth Barrett Browning - Poesia



COMO TE AMO?

Sonnets from the Portuguese, Sonnet XLIII


Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.

Tradução de Manuel Bandeira

Fonte: A Voz da Poesia
Sob licença do Creative Commons

Marinalva Barros - Poema


Convite

 
Convido você a saltar paredões
e atravessar redemoinhos.
O susto da queda não deverá nos matar
se a sua mão segurar a minha.

Em breves instantes
o seu corpo e o meu se reconhecerão
no leito úmido e quente
do fundo das águas,

voltar à tona será tão somente
uma peripécia de amor.
Estaremos de volta
antes do por-do-sol.
Prometo.

Imagem retirada da Internet: mãos dadas

Adélia Prado - Poema


O Homem Humano


Não fosse a esperança de que me aguardas com a mesa posta
O que seria de mim eu não sei.
Sem o Teu nome
A claridade do mundo não me hospeda,
É crua luz crestante sobre ais.
Eu necessito por detrás do sol
Do calor que não se põe e tem gerado meus sonhos,
Na mais fechada noite, fulgurantes lâmpadas.
Porque acima e abaixo e ao redor do que existe Permaneces,
Eu repouso meu rosto nesta areia
Contemplando as formigas,
Envelhecendo em paz
Como envelhece o que é de amoroso dono.
O mar é tão pequenino diante do que eu choraria se não fosses meu Pai.
Ó Deus, ainda assim não é sem temor que Te amo,
Nem sem medo.

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