Almada Negreiros - Poema















Esperança


Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.



Imagem retirada da Internet: Almada Negreiros

Friedrich Hölderlin - Poema

Natureza e Arte ou Saturno e Júpiter



Tu governas sobre o dia e a tua lei floresce!
Tu seguras a balança, oh filho de Saturno!
E repartes os destinos e descansas, alegre,
Na glória da imortal arte de reinar.

Porém, os cantores dizem, para si, que outrora
Desterraste o santo pai, o teu próprio pai, para
O fundo do precipício, e lá em baixo, lá, onde
Reconheces todos os direitos aos selvagens,

O deus da idade do ouro lamenta-se, há tanto tempo:
Outrora, quando ainda não proferia mandamentos,
Nem nenhum dos mortais o tratava por nome,
Ele era, sem qualquer esforço, tão poderoso como tu.

Para baixo então! Ou não te envergonhes de agradecer!
Se queres ficar, serve o ancião, e concede-lhe, de boa
Vontade, que seja nomeado pelos cantores
Diante de deuses e homens!

Abre os olhos! Pois assim como o teu relâmpago
Vem das nuvens, também dele vem tudo quanto é teu.
E assim testemunha perante ele tudo quanto lhe roubaste,
E que da paz de Saturno todo o poder cresceu.

E tenha eu no coração um sensação viva
E escureça tudo quanto tu moldaste
E que o tempo de mudança haja adormecido,
Para meu belo prazer, no berço dela:

Então reconheço-te, filho de Cronos! Então escuto-te,
Sábio mestre, que tal como nós, filho do tempo,
Decretas leis, e , ao mesmo tempo, anuncias
O que o santo crepúsculo esconde.



Tradução de Luís Costa

Imagem retirada da Internet: Dosso Dossi Jupiter, Mercury and the Virtue
1530Kunsthistorisches Museum, Viena

Friedrich Hölderlin - Poema


Meio da vida


Com peras amarelas
E repleta de rosas silvestres
A terra estende-se por cima do lago,
Vós graciosos cisnes!
E embriagados de beijos
Molhais a cabeça
Na sagrada e sóbria água.

Pobre de mim ! onde irei buscar
Quando for Inverno, as flores e
Onde o brilho do Sol
E as sombras da terra ?
Frios e mudos,
os muros erguem-se;
ao vento, as bandeiras tilintam.


Tradução de Luís Costa

Imagem retirada da Internet: Hölderlin

Elizabeth Caldeira - Poema


BIPOLAR




O kamikaze
mergulha
em vôo errático,
no vale da morte.
E fica, enquanto
a sombra do que é
permanece.

E quando a vida
revés retorna,
emerge para
o outro pólo.

Então sorri,
da desgraça de si.

Assim vai vivendo
mar adentro,
procurando o caminho,
o equilíbrio, o centro



In. Página da Escritora
Imagem retirada da Internet: Kamikaze

Luiz de Miranda - Poema

Ponto de Partida



A Alceu Valença




Não sonharei o impossível
nem aurora
a luz vem luzindo
sua desesperada agonia
o passado move
sua chuva de caspa e cinza

Não me queiram cordato
sou sempre o reverso
o horizonte incabado
quando me julgam morto
renasço com os caídos e mato
para morrer de novo
à lucidez das palavras endurecidas

Alerta, neste quarto emprestado
à beira do coração
me sustento de miudezas
substantivos, verbos, adjetivos
complementos do cotidiano
e construo a esperança
como quem se salva
para salvar

Alerta na pampa
casa e coração
cinza no osso da dor
cinza no rosto do amor
arsenal da solidão
arreios da vida inteira

Não sonharei o
impossível
revoa a angústia
como pássaro sem prumo
nossos mortos, nossa morte
escuro silêncio
espaço sem ar
desequilibrando no céu
o algodão das palavras

Desequilibrando no céu
as aves de pouso alto
o alarme geral
das armas e das canções

Desequilibrando, desequilibrando


Fonte: Página do autor

Imagem retirada da Internet: Alceu Valença

Luiz de Miranda - Poema


Poética brava


A Guilhermino Cesar




O poema é o sistema
onde a palavra
grava o conteúdo
grave o feroz de tudo
grava o que não tem
princípio ou término
e só finda num fundo
de olho
onde a vida é um retrato
transparente da verdade

O poema não tem dilema
entre um susto e outro
sobrepõe-se por camadas de
som
é um potro vidente
armado até os dentes
da fúria doce da imagem


Fonte: Página do autor

Imagem retirada da Internet: Luiz de Miranda

Brasigóis Felício - Poema



A FEIRA DO POVO




No sertão nordestinado

a feira do povo

é uma economia de centavos


São ovos ambicionados

de um viver sextavado


Um real é dinheiro digno

de consideração e apreço


Galinha do pé seco

não dá pra quem quer


Zé da buchada quer enricar

só de as destripar


Mais velha que as penosas

só a perpétua necessidade


Manga e mamacadela

fazem lama de derrama


Quem vendeu umbu a beça

agradece a Deus, alegroso,

com um sorriso banguelo


Pitomba e melancia

entram em promoção

depois que se desmancham:


“Comprem de mim,

que minha minhas irmãs estão buchudas,

e minha mãe vai parir!”


O chão é azinabrado pelo sangue

de animais estripados

à vista do freguês


Que é para ele ver

o quanto é duro morrer

Cabeças de bode,

de porcos e vacas nos fitam

com olhar esbugalhado

Na feira do povo

muitos têm que morrer

para sustentar a fome eterna

dos que só vivem para comer


A freguesia vem do agreste

onde só vive cabra da peste

calcinado na caatinga

onde a vida é bem mofina


Da vida ávida por viver

é feita a feira do povo:


O desespero é gritado

no rebanho de condenados

do sertão nordestinado.



Foto by Arthur Soares: feira

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