Almada Negreiros - Poema
Friedrich Hölderlin - Poema
Friedrich Hölderlin - Poema
Elizabeth Caldeira - Poema
Luiz de Miranda - Poema
Ponto de Partida
Não sonharei o impossível
nem aurora
a luz vem luzindo
sua desesperada agonia
o passado move
sua chuva de caspa e cinza
Não me queiram cordato
sou sempre o reverso
o horizonte incabado
quando me julgam morto
renasço com os caídos e mato
para morrer de novo
à lucidez das palavras endurecidas
Alerta, neste quarto emprestado
à beira do coração
me sustento de miudezas
substantivos, verbos, adjetivos
complementos do cotidiano
e construo a esperança
como quem se salva
para salvar
Alerta na pampa
casa e coração
cinza no osso da dor
cinza no rosto do amor
arsenal da solidão
arreios da vida inteira
Não sonharei o impossível
revoa a angústia
como pássaro sem prumo
nossos mortos, nossa morte
escuro silêncio
espaço sem ar
desequilibrando no céu
o algodão das palavras
Desequilibrando no céu
as aves de pouso alto
o alarme geral
das armas e das canções
Desequilibrando, desequilibrando
Fonte: Página do autor
Imagem retirada da Internet: Alceu Valença
Luiz de Miranda - Poema
Poética brava
O poema é o sistema
onde a palavra
grava o conteúdo
grave o feroz de tudo
grava o que não tem
princípio ou término
e só finda num fundo
de olho
onde a vida é um retrato
transparente da verdade
O poema não tem dilema
entre um susto e outro
sobrepõe-se por camadas de
som
é um potro vidente
armado até os dentes
da fúria doce da imagem
Fonte: Página do autor
Imagem retirada da Internet: Luiz de Miranda
Brasigóis Felício - Poema
A FEIRA DO POVO
No sertão nordestinado
a feira do povo
é uma economia de centavos
São ovos ambicionados
de um viver sextavado
Um real é dinheiro digno
de consideração e apreço
Galinha do pé seco
não dá pra quem quer
Zé da buchada quer enricar
só de as destripar
Mais velha que as penosas
só a perpétua necessidade
Manga e mamacadela
fazem lama de derrama
Quem vendeu umbu a beça
agradece a Deus, alegroso,
com um sorriso banguelo
Pitomba e melancia
entram em promoção
depois que se desmancham:
“Comprem de mim,
que minha minhas irmãs estão buchudas,
e minha mãe vai parir!”
O chão é azinabrado pelo sangue
de animais estripados
à vista do freguês
Que é para ele ver
o quanto é duro morrer
Cabeças de bode,
de porcos e vacas nos fitam
com olhar esbugalhado
Na feira do povo
muitos têm que morrer
para sustentar a fome eterna
dos que só vivem para comer
A freguesia vem do agreste
onde só vive cabra da peste
calcinado na caatinga
onde a vida é bem mofina
Da vida ávida por viver
é feita a feira do povo:
O desespero é gritado
no rebanho de condenados
do sertão nordestinado.
Foto by Arthur Soares: feira
Juan Gelman - Poema
Epitáfio
¡Digo que el hombre debe serlo!
In Violín y otras cuestiones
Imagem retirada da Internet: Juan Gelman
Francisco Perna Filho - Ensaio curto
Em 1º de setembro de 2004, primeiro dia de aula, um comando que reclamava em particular o fim da guerra na Chechênia manteve mais de mil pessoas no ginásio da escola durante três dias, até quando o exército lançou um assalto. Trezentas e trinta pessoas, entre as quais 186 crianças, morreram na operação. (Fote: Portal Terra)
Uma Temporada no Inferno*
Todas as guerras são abomináveis, traços de bestialidade e incerteza; transgressoras da liberdade e da razão, retalhos de humanidade. Todas as guerras são martírios, segregadoras da alma humana; violento atentado ao espírito; disseminadoras de um ódio gratuito.
Por mais lógica que se possa imaginar ao se declarar uma guerra, ela nos soará sempre paradoxal: não há violência que nos conserte; não há martírio que nos redima.
Toda guerra é imposta, autoritária, ditatorial. Toda ditadura é deprimente, olhar deturpado da realidade, sentimento ameaçador e covarde. Discurso ideológico e sectário; monólogo opressor.
Toda guerra é violenta, e a violência não é local, municipal, estadual ou globalizada. Não é assunto jurisdicional, é ontológica. Alguns a manifestam mais branda, perseguindo, retaliando, alijando; outros, dela são membros, como um braço, uma perna. A ela pertencem e, para esses, a vida é um risco feito a lápis na mão de um deus pagão. Ninguém se salva.
De todas as formas de violência, a infantil é inaceitável, é irremediável, deixa marcas na alma, é ferida que não se cura, transtorna o ser e, quase sempre, dele não se desprega. É na infância que apuramos o olhar para as coisas do mundo. Que definimos as cores do nosso por vir: muitas vezes quente, muitas vezes frias, outras tantas matizadas, quantas sem luz. A violência que pare a violência, como um espelhamento. Lembremos de Mohammed, o prematuro, nascido sob os “auspícios” da Guerra do Iraque; de Intizar, criança que perdeu os braços, também no Iraque, após ser atingido por uma bomba americana, fruto da bestialidade de Bush. Lembremos de Hiroshima, seis de agosto de 1945, às 08:15 da manhã, o piloto de um avião B-29, Paul Tibbets lança a primeira bomba atômica, deixando um lastro de destruição; a cena é repetida em Nagasaki, nove de agosto, com a bomba “Fatman”. Lembremos a cena daquela criança nua, desesperada. Lembremos do Kosovo, uma outra criança chorando, sobre os escombros, a morte dos pais; e agora, numa foto comovente de Segei Dalzhenko, vimos uma criança ensangüentada, desesperada, fugindo dos seqüestradores da Escola de Beslan, na Ossélia do Norte, Rússia.
Não há como se calar, fechar os olhos, diante de tanta barbárie, de tanto medo que nos oprime, da insegurança que invadiu os nossos lares, já que as ruas há muito foram tomadas, brutalizadas, esquecidas.
Há muita dor nos nossos corações, transtornados que estão pela impotência ante o espetáculo a que assistimos: nas ruas de São Paulo, quando mendigos são brutalmente assassinados; no Rio de Janeiro, as balas que se encontram com os seus alvos, porquanto os homens é que estão perdidos. Em Brasília, a violência pública em muitos setores, e a privada? quem não se lembra do índio Galdino “ludicamente” queimado? Uma repetição bárbara e inquisitorial, como em Joana D’Arc. Em Goiânia, quanto crimes insolúveis. Não há mais distinção de classes; não se respeita mais autoridade constituída, todos sentem a mesma dor. Todos pela morte tornam-se iguais.
É uma imensa tristeza que nos massacra, a impotência que nos dói no fundo da alma, um grito desesperado de socorro, sem ter para onde correr, fugir. Quanto mais nos afastamos, mais nos vemos refletidos nessas cenas de barbárie, mais temerosos ficamos, ao protagonizar espetáculos tão brutais.
O que nos resta? Talvez a imagem desesperada das crianças de Beslan, em pânico, tentando sobreviver de rosas, como relataram após serem libertas dos seus algozes. As flores que brotam do caos, como em de Ferreira Goulart, Poema Sujo: Num cofo no quintal na terra preta cresciam plantas e rosas (como pode o perfume nascer assim?). Talvez nos restem os livros, a educação pela palavra, a poesia como motor de toda transformação.
* Título tomado de empréstimo a Jean Arthur Nicolas Rimbaud, poeta francês (1859-1891).
Cecília Meireles - Poema
Balada das dez bailarinas do cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chão de espelho.
Têm corpos egípcios com placas douradas,
pálpebras azuis e dedos vermelhos.
Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
e dobram amarelos joelhos.
Andam as dez bailarinas
sem voz, em redor das mesas.
Há mãos sobre facas, dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas.
Entre a música e a dança escorre
uma sedosa escada de vileza.
As dez bailarinas avançam
como gafanhotos perdidos.
Avançam, recuam, na sala compacta,
empurrando olhares e arranhando o ruído.
Tão nuas se sentem que já vão cobertas
de imaginários, chorosos vestidos.
A dez bailarinas escondem
nos cílios verdes as pupilas.
Em seus quadris fosforescentes,
passa uma faixa de morte tranqüila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.
Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas tão frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
embalsamados de melancolia.
Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas.
In. Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.
Imagem retirada da Internet:pés de bailarina
Francisco Perna Filho - Poema
San José
O que dizer do homem,
devorado pela longa noite,
longe de tudo,
da mulher amada,
dos filhos,
e da luz do dia?
Que pensará esse homem,
sem vestes e proteção,
a perder-se na frágil esperança que carrega,
no apuro de suas mãos silenciosas e impotentes?
Em que país ficaram os seus olhos
as suas preces,
a sua bússola?
O cobre, que procurava,
tornou-se pó,
perdeu-se no turvo da noite,
no desbotado encanto,
na irônica terra que o soterrara.
Nem um canto poderá reconduzi-lo,
não existem pássaros,
somente a terra,
a fundura da mina
e as lembranças a persegui-lo.
Setecentos metros terra a dentro,
milhões de soluços e desencanto,
o homem sozinho no seu pesadelo,
ouvindo o próprio grito,
penseguindo o pulsar lento
da longa noite sem fim.
Foto: Reuters
Machado de Assis - Poema
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Machado de Assis - Poema
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Machado de Assis - Poema
A flor do embiroçu
Noite, melhor que o dia, quem não te ama? Fil. Elis. |
Quando a noturna sombra envolve a terra
E à paz convida o lavrador cansado,
À fresca brisa o seio delicado
A branca flor do embiroçu descerra.
E das límpidas lágrimas que chora
A noite amiga, ela recolhe alguma;
A vida bebe na ligeira bruma,
Até que rompe no horizonte a aurora.
Então, à luz nascente, a flor modesta,
Quando tudo o que vive alma recobra,
Languidamente as suas folhas dobra,
E busca o sono quando tudo é festa,
Suave imagem da alma que suspira
E odeia a turba vã! da alma que sente
Agitar-se-lhe a asa impaciente
E a novos mundos transportar-se aspira!
Também ela ama as horas silenciosas,
E quando a vida as lutas interrompe,
Ela da carne os duros elos rompe,
E entrega o seio às ilusões viçosas.
É tudo seu, — tempo, fortuna, espaço,
E o céu azul e os seus milhões de estrelas;
Abrasada de amor, palpita ao vê-las,
E a todas cinge no ideial abraço.
O rosto não encara indiferente,
Nem a traidora mão cândida aperta;
Das mentiras da vida se liberta
E entra no mundo que jamais não mente.
Noite, melhor que o dia, quem não te ama?
Labor ingrato, agitação, fadiga,
Tudo faz esquecer tua asa amiga
Que a alma nos leva onde a ventura a chama.
Ama-te a flor que desabrocha à hora
Em que o último olhar o sol lhe estende,
Vive, embala-se, orvalha-se, rescende,
E as folhas cerra quando rompe a aurora.
In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: flor
Machado de Assis - Poema
Menina e moça
A Ernesto Cibrão |
Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem cousas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.
Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.
Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir as asas de um anjo e tranças de uma huri.
Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.
Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Quando sonha, repete, em santa companhia,
Os livros do colégio e o nome de um doutor.
Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
E quando entra num baile, é já dama do tom;
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.
Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando-se talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.
Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!
Ah! se nesse momento, alucinado, fores
Cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar de teus tristes amores,
Rir da tua aventura e contá-la à mamã.
É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!
In. Jornal de Poesia
Imagem: Almeida Júnior - Moça com livros
O Tempo, o relógio e o menino - Sinésio Dioliveira - Crônica
Andam em círculo
os ponteiros do relógio
não vão longe
cavalgam apenas um dia
depois retomam o mesmo caminho.
Há quem veja, no lado ingênuo da infância, a melhor fase existencial do homem. Na infância, não se consegue ver gigantes em moinhos. Na infância, não se consegue ver uma pedra no meio do caminho além de uma pedra no meio do caminho.
Sinésio Dioliveira é jornalista, professor de Português e fotógrafo (www.flickr.com/photos/
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