Valdivino Braz - Ensaio Poético





                       Flagelo que nos aflige, 
            sinônimo que nos consome


África

Somália,

Etiópia,
Eritréia
Djibuti
Quênia
Tanzânia
Burundi
Ruanda
Uganda
República Democrática do Congo
Sudão
República Centro Africana
Chade
Camarões
Nigéria
Níger
Mali
Benin
Togo
Gana
Costa do Marfim
Libéria
Serra Leoa
Guiné
Angola
Moçambique
Zimbábue
Zâmbia
Malauí

Bolsões de fome mais e mais proliferam e vão-se rimando, nos últimos trinta anos, no continente africano. O que os fez? Quem os faz? Que fazer quanto a isso? Quanto custa a soma de esforços que não sejam de mão curta? Mais que as despesas, somam-se as causas, mais graves as consequências. Desumanas, demasiado desumanas — diria Nietzsche —, as sombras traumáticas de “Mama” África, que mal se amamenta de suas tetas. Ouro, diamantes, minérios e, no entanto... Sangue, muito sangue, e mortes muitas. A terra devastada e madrasta. A vida seca, a carne seca, a pele seca, o ser num saco de ossos, a luz da alma se apagando (desalento, desamparo, funda tristeza) no fundo cinzento de olhos secos, semimortos.

Um mapa faminto (minto?) na (in)consciência ou na indiferença do mundo, que mal se mexe, ou só se mexe e advoga segundo seus próprios interesses na morte do elefante, ou de acordo com as conveniências no tabuleiro do jogo político. Por que o mundo não reage mais energicamente, mais eficaz? Na ONU, o que fazem, o que é mesmo que se faz? Uma paz com medo e com fome? Alguns países se mexem, outros mal se expressam, e não se tocam, não se comprometem. Covardes, covardia desumana. Desumana em demasia, certas mamatas da diplomacia, comendo e bebendo à farta, todo santo dia, todo santo e maldito dia. E não se dizia que piscina de pobre é bacia?

O que nos falta


Água da fonte

Consta de fonte www.mundoeducacão.com.br que o continente africano é grande produtor e exportador de produtos agrícolas, contudo não consegue alimentar sua população. Que a África apresenta elevadíssimo número de subnutridos, com a pior condição do mundo nesse aspecto. Que o continente se caracteriza pela presença da fome, maior a cada dia. Que Etiópia, Somália, Sudão, Moçambique, Malavi, Libéria e Angola são os países mais atingidos pelo tormento da fome.

Escorre, de mesma fonte, que as estimativas são pessimistas: relatório do Instituto Internacional de Pesquisa em Política de Alimentação estima, para o ano de 2020, que o    número de crianças subnutridas subirá 18%. De acordo com o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos da ONU, James Morris, “a escassez de alimento na África provoca a instabilidade política, desse modo, a fome é, ao mesmo tempo, causa e consequência da pobreza. Além disso, é causa e consequência dos conflitos”. O relatório calcula que, nos próximos 20 anos, por conta dos conflitos internos, o continente africano terá diminuição de 20% na produção de alimentos. Estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que cerca de 150 milhões de pessoas africanas não têm acesso à quantidade mínima de calorias diárias. Pior ainda, “outros 23 milhões podem literalmente morrer de fome ou por causas provenientes da mesma, como insuficiência de determinados nutrientes no organismo: falta de potássio, proteína, cálcio, entre outros.”

Mera curiosidade (20x20), de passagem: ao passo em que se afirma que nos próximos 20 anos a produção de alimentos no continente africano cairá em 20%, sabe-se que o berço da cultura ocidental, a Pequena Grande Grécia (131.957 quilômetros quadrados), menor do que o Estado do Ceará (148.825,6 quilômetros quadrados); a ensolarada e endividada Grécia (e quem não deve, na atual desconjuntara econômica do mundo? — quem atira a primeira pedra?); a nossa amada Grécia possui relevo acidentado, montanhoso, e área cultivável bastante reduzida, de apenas 20%, para agricultura. Cento por cento, que outros 20 acrescento?


Desperdício

A propósito

A ONU reconhece que a luta contra a fome no mundo tem sido um fracasso. Aponta que mais de um bilhão de pessoas passam fome, e que o mundo produz quantidade de alimentos mais do que suficiente para atender a todos os seus habitantes. “Morre-se de fome num mundo capaz de alimentar o dobro da atual população.” Numericamente, os 20% mais ricos detêm 63,4% dos recursos mundiais, deixando apenas 2,5% para os 20% mais pobres. Visto é que outros 20 se acrescentam.

Também no Brasil “de encantos mil” a fome se ufana de sua faina. Recente estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que 50 milhões de brasileiros sofrem com a fome — IBGE afirma que são 34 milhões, enquanto o governo federal, pelo programa Fome Zero, só fala em 24/26 milhões. Os dados são imprecisos, controversos, e o certo é que a fome é real. Segundo a FGV, os 50 milhões de brasileiros famintos vivem na miséria, com R$ 80 por mês. Tenho dito: o Salário Mínimo é um crime. E já disseram: o Brasil possui a quarta pior distribuição de renda do mundo. Desgraçadamente, levam-se cretinos meses discutindo a vergonhosa mixórdia percentual de aumento ao injusto salário. Já em causa própria, descarados parlamentares, em sessões insidiosas e sórdidas, pecam pelo oportunismo e pela falta de ética (alegam-se amparados pela Constituição!): amiúde, e se não impedidos por veto, dobram o valor de seus já gordos (imorais) vencimentos, somados a certos privilégios ou benesses, senão que frutos ilícitos, de atos corruptos. Isto aqui não é nenhuma boca-de-urna, assim como urna não é penico. Que se pense nisso antes do voto.

Há não muito tempo calculava-se que R$ 1,69 milhões por mês ajudariam a acabar com a fome no país, se cada brasileiro em melhores condições financeiras — usura ou tributos exorbitantes à parte — contribuísse com R$ 14 ao mês para os mais pobres. Dir-se-ia (affe!) que esse valor (R$ 14 elevados aos R$ 1,69 milhões) é quase nada, até, se comparado às doações anuais para o apelativo, espetacular e (dizem) lucrativo programa Criança Esperança (arrecadou R$ 17,5 milhões em 2012), promovido pela Rede Globo, e daí para a conta da Unesco, “para aplicação de projetos sociais em todo o Brasil”. Ampla e concreta reforma agrária, reforma tributária concreta, entre outras reformas de iguais concretudes, latitudes e longitudes sociais, que infelizmente se protelam, também ajudariam, e não só no problema da fome.


desespero


Olho maior do que a barriga


Paralelamente, sabe-se que o Brasil está entre os dez maiores desperdiçadores de comida do mundo. O desperdício representa mais da metade do lixo produzido, anualmente, no país. Na usura bancária e na mesquinharia — avareza, sordidez — do comércio, prefere-se jogar fora a comida excedente ao invés de doá-la aos pobres famintos. De 15% a 50% dos alimentos preparados para os clientes vão parar no lixo, e poderiam alimentar, diariamente, mais de dez milhões de pessoas. Vivemos ou não, num mundo-cão? Ainda em 1978, em meu primeiro livro de versos (“As Faces da Faca”), publiquei o seguinte poema:

Desolação


Vaticínio

Os rios rolarão, incontroláveis,
sobre reinos e reis.
As bocas tomarão de assalto
o banquete dos ratos,
e serão fartas,
pois haverá pão,
mel e sangue em abundância,
para a fome do mundo.

*

Anseio de um mundo mais humano precede a sede de justiça. Fome de quase tudo, o flagelo que nos aflige, sinônimo que nos consome.



Antonio Cisneros (1942-2012) - Poema




Tercer Movimiento (affettuosso)


Para hacer el amor
debe evitarse un sol muy fuerte sobre los ojos de la muchacha,
tampoco es buena la sombra si el lomo del amante se achicharra
para hacer el amor.
Los pastos húmedos son mejores que los pastos amarillos
pero la arena gruesa es mejor todavia.
Ni junto a las colinas porque el suelo es rocoso ni cerca de las aguas.
Poco reino es la cama para este buen amor.
Limpios los cuerpos han de ser como una gran pradera:
que ningún valle o monte quede oculto y los amantes podrán holgarse en todos sus caminos.
La oscuridad no guarda el buen amor.
El cielo debe ser azul y amable, limpio y redondo como un techo
y entonces la muchacha no verá el Dedo de Dios. Los cuerpos discretos pero nunca en reposo,
los pulmones abiertos,
las frases cortas.
Es dificil hacer el amor pero se aprende.

Francisco Perna Filho - Poema

 
Amizade


O que nos roubam os filhos
além da nossa insegurança?
o pacto de que estarão sempre presos a nós.
custe o que custar,
façam o que fizer,
haverá sempre um vínculo,
uma centelha,
um murmúrio,
uma desilusão.
Não os criamos
para nós,
mas os defendemos
dos vermes,

dos crápulas,
dos maldosos.

Nos insones momentos
não saberão de nós,
embora estejamos sempre presentes.

Sós,
mas perto,
a amá-los enviesados,
infiéis;
seremos sempre companheiros,
mesmo na ausência,
na distância,
infinitamente.

Imagem retirada da Internet: amizade






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