Alberto da Cunha Melo - Poema





Alberto da Cunha Melo





Filho e neto de poetas, José Alberto Tavares da Cunha Melo nasceu na cidade de Jaboatão dos Guararapes, em 1942.Sociológo,jornalista e poeta integrante da Geração 65 da literatura pernambucana, publicou em 1966 o seu primeiro livro de poemas, Círculo cósmico. Como sociológo, atuou durante onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Como jornalista, foi editor do Commercio Cultural e da revista Pasárgada. Também colaborou com o Jornal da tarde, de São Paulo, onde publicou textos na seção Arte pela arte, e manteve a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural, do Recife.Foi vice-presidente da União Brasileira dos Escritores de Pernambuco, na sua primeira gestão, e Diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe.Em vida, publicou 16 livros, sendo 13 de poesias, e participou de 33 antologias poéticas, duas delas internacionais, com destaque para Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo jornalista e escritor José Nêumanne Pinto, e 100 anos de poesia. Um panorama da poesia brasileira no século XX, organizada por Claufe Rodrigues e Alexandre Maia.Na década de 1990, o livro Yacala é publicado em Portugal, pela Universidade de Évora, com prefácio do crítico literário e professor da Universidade de São Paulo, Alfredo Bosi.Em 2003, o seu livro Meditação sob os lajedos foi considerado um dos dez melhores livros publicados no Brasil, por um júri composto por 400 especialistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira.Em 2007, o livro O cão de olhos amarelos foi agraciado com o prêmio Poesia 2007 da Academia Brasileira de Letras.Em 2007, ainda, poucos meses antes de falecer, participou da Antologia Poética 2007, do grupo virtual Poetas Independentes, com cinco poemas, inclusive um inédito dedicado a Dom Hélder Câmara, Cancioneiro Para o Terceiro Mundo, sendo essa a sua última publicação em vida.Alberto da Cunha Melo faleceu aos 65 anos, às 19:35 horas do dia 13 de outubro de 2007, no Recife, sendo sepultado no Cemitério Morada da Paz, na cidade do Paulista.Segundo o Jornal do Commercio, do Recife, o poeta deixou uma vasta e consistente obra, de profunda preocupação com a existência humana.Fonte:Clóvis Campêlo




Especulação imobiliária



Os mais belos jardins do mundo
serão, para sempre, os baldios,
nos lotes, esperando preço,
e, de romantismo, vazios

onde nascem plantas estranhas,
ninguém sabe de quais entranhas:

as anti-rosas e anti-orquídeas
e as hastes verdes soluçantes,
entre trepadeiras ofídias,

todas, no esplendor do abandono,
e ameaçadas por seu dono.

(Abril de 2003)



In.O cão de olhos amarelos. São Paulo: A Girafa, 2006,p.104.
Imagem retirada da Internet: Lote Baldio

Francisco Perna Filho - Poema








Francisco Perna Filho






Meus olhos são enormes,
dão conta do mundo.
Para silenciar-me,
coloco-me dentro deles.





Imagens retiradas da Internet: 1 e 2

Fernando Pessoa (Ricardo Reis) - Poema






Fernando Pessoa








Deixemos, Lídia



Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.

Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre

E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas Dos agrados de Pã.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,

As ninfas não sossegam Na sua dança eterna.
E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã. Na atenção à sua flauta.

Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados.

Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.

Por isso as esqueçamos Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temêssemos.
Não nos vale pensarmos No futuro sabido

Que aos nossos olhos tirará Apolo E nos porá longe de
Ceres e onde Nenhum Pã cace à flauta
Nenhuma branca ninfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses Até sentir-lhe a calma.

Venha depois com as suas cãs caídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos deuses
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios
Nem precisam de crentes Os que de si o foram.


Imagem retirada da Internet: Flores Amarelas.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema











Fernando Pessoa








Olá, Guardador de Rebanhos


"Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"

"Que é, vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"

"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."

"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."


In Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.
Imagem retirada da Internet: www.olhares.com O Guardador de Rebanhos


Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) - Poema








Fernando Pessoa









Datilografia



Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra…

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.


Imagem retirada da Internet: Máquina de Escrever.

Ruy Espinheira Filho - Poema





Ruy Espinheira Filho

















Soneto do Quintal



para Matilde e Mario,
em Monte Gordo, março de 91





Ao recordar a moça, eu me comparo
ao cão que vejo a interrogar a brisa.
O que é mal comparar: bem mais precisa
é a mensagem de odores que o faro

decifra. E então medito sobre o claro
ser desse cão, e invejo essa precisa
vocação de existir. E ausculto a brisa
e nada nela encontro. Nada. E paro

de lembrar e pensar. Há mais profícuas
ocupações. Exemplo: só olhando
estar. Cão. Nuvens. Ramos. E, dormindo,

um gato. E essas formigas — três — conspícuas,
vestidas a rigor, deliberando
em torno de uma flor de tamarindo.




Imagem retirada da Internet: Tamarindo.

Memórias - Por Francisco Perna Filho




Francisco Perna Filho







O POETA E A CIDADE - MEMÓRIAS


(...)


Goiânia me traz belas lembranças, porque lá vivi uma boa parte, ou melhor, a maior parte da minha vida. Quem não se lembra do Hotel Presidente, do seu Cine Presidente, onde assisti pela primeira vez ao filme The Wall , Pink Floyd? Quem não se lembra da Galeria do Beto, no setor oeste, com seus barzinhos e lojas? Do Saloon, na República do Líbano. Do Hotel Bandeirante, com seu Piano Bar, palco de grandes acontecimentos sociais? Umuarama Hotel, Samambaia Hotel, Hotel Araguaia, Lord Hotel, todos fazendo parte desta bonita história? Momentos de uma vida, olhares vários de um tempo de encantamento, os belos bailes do Jóquei e do Jaó. Talvez pela distância, fato normal nas nossas fantasias de perpetuação do que é bom.

E a Praça Universitária? coisa igual não havia, ali embalei os meus sonhos, meus amores, a minha boêmia, quando comecei o meu curso de Letras na UCG, agosto de 1984, Época de D. Fernando. Vivíamos ainda a efervescência dos movimentos políticos, participei de algumas passeatas do DCE, juntamente com Denise Carvalho, Donizete, Edvirgens, Claudinho, Sinésio Dioliveira, e tantos outros irmão de luta. Participei do Festival Interno da Universidade Católica – I FIUC, fazendo parte de um pequeno caderno das músicas classificadas, na Gestão Águas de Março. Vivemos as Diretas, Já! Esta cidade sempre acolhedora e efervescente.

Em 1985, estávamos em Brasília ensaiando os primeiros passos de uma Democracia, mas não vimos Tancredo Neves no Poder, voltamos frustrados eu e mais uma centena de colegas da juventude socialista, que, durante dias, no DCE da UFG, nos preparamos para tão magnífico evento: confeccionamos faixas e cartazes. Bons tempos aqueles, apesar da repressão, da covardia e da humilhação.

Não só os ruídos de um belo tempo permanecem, mas a alegria, alguns sinais de uma alegria significativa que ainda resiste a todo o progresso material dos nossos dias. Sempre voltei o meu olhar para estas duas cidades: Miracema e Goiânia, um olhar que perscruta o sentido dos acontecimentos, que, além do barulho ensurdecedor das máquinas, consegue ouvir o longínquo assobiar do vento e o rouco latido do cão abandonado. Um ser que se volta para as marcas do tempo e, com elas, redescobre sua ancestralidade, sonhos e percalços, com elas revive as longas conversas e madrugadas que nunca se repetiam, mas que traziam vontades e transformações.


Imagem retirada da Internet - Viaduto da T-63

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