Valdivino Braz - Acervo do autor |
A TRAVESSIA DAS HORAS: A Poética do Inexorável.
A Revista Banzeiro apresenta a Seleta de Poemas do Escritor Goiano Valdivino Braz. Poeta contemporâneo, um dos mais significativos das nossas Letras, cuja obra se sobressai pela inventividade linguística e o alto teor crítico. Sua obra poética é riquíssima e passeia pela sátira, a infância, a historicidade, o erotismo e a metalinguagem, sem falar nos aspectos filosóficos, o que, de certa forma, tem contribuído para as várias premiações conquistadas, ao longo da carreira, como O Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Poesia (1992); Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos - UBE-GO; Bolsa de Publicações Cora Coralina - AGEPEL, dentre tantas outras premiações de valor. Além disso, a sua poesia está presente em destacadas antologias, reverenciada nos prêmios que conquistou, obtendo o reconhecimento dos seus julgadores.
Os vários aspectos levantados sobre a obra de
Valdivino Braz, desde a sua inserção crítica no mundo em que vive, até os
elementos de vanguarda que caracterizam
sua obra poética, além dos
inúmeros livros que escreveu e as premiações que detém, valendo destacar o
livro ‘Trompa de Falópio”, poemas (Prêmio Cidade de Belo Horizonte de
Literatura, em 1992), apontam-no como um
dos escritores mais significativos da Literatura Brasileira Contemporânea.
Os Poemas, abaixo, foram selecionados pelo Autor, a pedido da Revista Banzeiro. Boa Leitura!
Os homens no Bar(co)
Os homens envelhecem no bar,
bebendo as palavras salobres da
noite
e cuspindo o zinabre corrosivo do
tédio.
Na longa travessia das horas,
destiladas pelos copos,
sabem o cansaço dos corpos,
os vincos nas faces vulneráveis
e a vida moída pela mó do
inexorável.
Sabem nesta hora o íntimo
silêncio
em que os gestos se anulam,
os olhos no vazio vagam,
e cada homem diz a si mesmo
coisas
uns aos outros indizíveis.
Sabem agora a solidão sozinha
do lobo ferido no ermo do mundo,
e os inevitáveis borrões vermelhos da sangria
própria do que é vivo e dói.
E morrem os homens, à mesa do
bar,
barco de náufragos no mar de
espuma
da última cerveja.
—
O Poeta e a Vida
A vida passou,
A vida passou,
vestida de azul,
e ele bebia cerveja
e escrevia versos
à mesa do bar.
Passaram-se anos,
a vida voltou a passar,
vestida de lilás,
e nas mãos trazia flores amarelas.
Debruçado sobre a mesa,
ele parecia dormir,
feito um bêbado, cansado e só,
mas a vida percebeu que ele não dormia,
e ficou triste.
Despiu-se do vestido
e dele fez a mortalha daquele homem,
enfeitou o lilás com pétalas amarelas,
e lá ficaram elas, feito asas soltas,
de mortas borbolet(r)as.
A vida vestiu-se de luto,
e partiu, nunca mais voltou
a passar por ali.
Passou o tempo,
veio o vento e varreu diluídas pétalas
e puída mortalha,
o pó que restou do poeta
e o seu legado:
pálidas palavras,
de um poema inacabado.
—
O Cão Negro dos Signos
Versos ao vento,
folhas secas que se soltam do
tempo,
em alvoroço de pássaros,
ou se arrastam feito papel às
cambalhotas,
no solo em que descambam.
Folhas que falam
das trilhas em que se perdem os
rastros
de quem se perde e arde,
ladra e morde a própria sombra,
nos assombros da tarde.
O cão negro dos signos,
aquele que anda pelo caos,
com a língua longa de seus desígnios;
os dados lançados aos dédalos,
em demanda de dedos absurdos.
Ladra por sua vida de pedras,
e não se larga,
o cão acorrentado em seus medos,
nos arremedos do coração e suas
perdas.
Ladra para o seu reflexo na água,
como quem ladra para o inimigo,
senão quando, pela pulga duma
vírgula,
rodopia na porfia de perseguir a
própria cauda.
Um cão enfermo
no ermo de seu inferno,
a farejar gato por lebre de sua
febre,
demente no assombro e alarde de
si mesmo.
O sujeito do verbo sem
complemento,
o rosto já desfeito e sem
conserto.
Ofício canhestro, juntar ossos de
esqueleto.
E o que é isto que se busca
além dos ossos do ofício?
A clavícula é o osso da pergunta,
crustáceo o casco seco de lagosta
para o morto sem resposta.
Uivar, rosnar, descarnar-se pelo
osso do verso,
a pauta e a flauta do verbo
encarnado.
Cão danado que salta e se avulta
de espanto e suplício,
pois que a letra mata e o
espírito vivifica
no pirilampo de sílex,
no cinzento silício
e na siringe do silêncio.
O cão poético se descabela de seu
desespero
e se desossa pelo osso do seu
almoço,
um osso roliço no oco de seus
ecos barrocos.
Ou fosse fóssil no poço do
calabouço,
ave semiótica que se depena a
duras penas,
e não se despena das penas de sua
alma,
nem vale a pena bater palmas
se a alma é tão pequena.
E assim o poeta se alimenta, e
alimenta,
com a tinta sangrenta de letras
mortas,
o cão que se mata por excesso de
estimação.
Fiar-se nisso e finar-se por isso
o cão sem nome,
devorar-se no que resta de um
poema com fome,
uma fome insana e canina,
uma insônia de rastro enorme,
silente noite-serpente que se
remorde
e nunca dorme e nunca morre.
Um poema é também isto,
suplício de escuridão e sol,
metalinguagem do cão,
na voragem de sua fome e solidão.
_
_
A Arte da Morte
(Conjeturas para um final Poético)
um dia nem mais pensarás
(Conjeturas para um final Poético)
um dia nem mais pensarás
no eterno: jogarás
teus signos ao acaso
feito um punhado de dados
lançados ao nada,
sem mais nenhuma ilusão de resultado
— de um ruído atirado ao oco surdo
o eco ventríloquo é tudo
um dia entrarás em eclipse
ou na órbita vertiginosa de uma elipse
talvez te esfaceles com tuas estrelas
e borbolet(r)as mortas
presas com clipes no invisível varal
de um abstrato céu — o real
desfeito em placas de mica
quem sabe louco deixes teu reduto
e a descoberto brinques
com teus espelhos em cacos
e os retratos de teus mortos — espectros
que te acenam de um labirinto
ou armes o fogo e o jogo lúdico
ao feitio de serpente bigume lâmina
— árdega adaga do ambíguo —
e mágico no teu último espetáculo
te evoles ígneo
em público — certamente dirão que a arte
essência vital a consumir-te
terá sido tua sentença de morte
Sobre o Autor
Valdivino Braz Nasceu em Buriti
Alegre (GO), em 23 de novembro de 1942. Filho de Valdemar Alves
Ferreira e Sebastiana Braz da Silva. Fez o curso primário no Grupo
Escolar Coronel José Teófilo Carneiro, em Uberlândia, MG. Supletivo nos
institutos Dom Abel e Rio Branco, em Goiânia. Formado em Jornalismo
pela UFG (1984). É membro da União Brasileira de Escritores de Goiás.
Possui várias premiações literárias, entre elas, o 1º prêmio no Concurso
de Literatura José Décio Filho, Goiânia, 1985; Concurso Literário
Departamento Estadual de Cultura/SESC – 1º lugar, 1972; 1º Festival
“Travessia” de Poesia Falada, Goiânia, 1984; Prêmio José Décio Filho,
1985, com Tessitura do Ser; Prêmio Hugo de Carvalho Ramos, 1988, com Arabescos num chão de giz; Prêmio Cora Coralina (1990), com As lâminas de Zarb; Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte, 1992, com A trompa de Falópio; Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 2002, com Poema da terra perdida. E, em 1997, recebeu da União Brasileira de Escritores/Goiás o troféu Tiokô de Poesia.