Francisco Perna Filho - Poema



New York



O pássaro
vê a cidade
Lentamente/ letalmente
Mergulha.
O pássaro
É de metal
E só percebe o próprio vôo,
Desconsiderando as cores
E os sonhos que carrega.
O pássaro vê
Mas não ouve.
A cidade ouve
Mas não vê.
A vida imita a arte:
O pássaro explode
Em chamas,
A cidade
Chora escombros.


In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.

Olegário Mariano - Poema



Castelos na areia 


— Que iluminura é aquela, fugidia,
Que o poente à beira-mar beija e incendeia?
— É apenas a criação da fantasia: —
São castelos na areia.

Andam, tontas de sol, brincando as crianças
Como abelhas que voaram da colmeia.
Erguem torreões fictícios de esperanças...
São castelos na areia.

Ao canto de um jardim adormecido:
"Por que não crês no afeto que me enleia?
E as palavras que eu disse ao teu ouvido?"
— São castelos na areia.

E o tempo vai tecendo, da desgraça,
Na roca do destino, a eterna teia.
— "E os beijos que trocamos?" — Tudo passa,
São castelos na areia.

Coração! Por que bates com ansiedade?
Que dor é a grande dor que te golpeia?
Ouve as palavras da Fatalidade:
Ventura, Amor, Sonho, Felicidade,
São castelos na areia.


In. Castelos na Areia. 1923.
Imagem retirada da Internet: Castelo de areia

Fernando Sabino - Conto




A MULHER DO VIZINHO




        Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
      O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.
      O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fabrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:
      — O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamadas autoridades constituídas ? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.
      Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:
      — Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?
      O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.
      — Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não e gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, e filha de um feneral! Morou?
      Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:
      — Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:
      — Da ativa, Motinha! Sai dessa...

In. Obra Reunida - Vol.01, RJ: Nova Aguiar, 1996, p. 872.

Rubem Braga - Poema



POETA CRISTÃO


A poesia anda mofina, 
Mofina, mas não morreu. 
Foi o anjo que morreu: 
Anjo não se usa mais. 
Ainda se usa estrela 
Se usa estrela demais.

Poeta religioso 
Mocinha não pode ler: 
Pecará em pensamento, 
Que o poeta gosta do Novo, 
Mas pilha seus amoricos 
É no Velho Testamento.

Ai, o Velho Testamento! 
Eu também faço poema, 
Ora essa, quem não faz: 
Boto uma estrela na frente 
E um pouco de mar atrás.

Boto Jesus de permeio 
Que Deus, nos pratos de amor, 
É um excelente recheio. 
E isso bem posto e disposto 
Me vou aos peitos da Amada: 
Sulamita, Sulamita, 
Por ti eu me rompo todo, 
Sou cavalheiro cristão. 
Minh’alma está garantida 
Num rodapé do Tristão 
E o corpo? O corpo é miséria, 
Peguei doença, mas Jorge 
de Lima dá injeção!

O badalo está chamando, 
Bão-ba-la-lão.

Amada, não vai lá não! 
Eu também tenho badalos – 
Bão-ba-la-lão 
Eu sou poeta cristão! 

(Rio, maio, 1940) 


Fonte Jornal de Poesia

Francisco Perna Filho - Poema


O Grito



Independência...

todos ficaram de quatro,
a começar pelos cavalos.

ou morte:

sucumbiram ali mesmo.

Quanta história,
quanta anedota,
quanto desrespeito.

Um Brasil não se faz no grito!

Hoje, bem depois do grito,
ainda perduram canalhas,
ladrões,
ignorância
e medo.

Alguns relinchos, aqui,
algumas piadinhas, ali,
e um enxovalho de porcaria
a nos açoitar olhos e ouvidos.

Independência ou morte!

Respiramos mais livres,
menos famintos,
menos ignorantes,
apesar da estupidez de uns poucos.

O Brasil mostrando a sua cara (como queria o poeta),
mas ainda padecendo pela falta de uma boa dose de Educação,
Saúde e Sanidade.



Imagem retirada na Internet Bandeira Brasileira

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