Clarissa Perna Filgueiras - Ensaio Poético


Amigos de Vento





Daqui, vejo um aquário, cheio de espécies interessantes, exóticas....Interação instantânea, lanço mão da minha rede “social”, e pesco, pesco e pesco...amigos. Seres iluminados, possuem luz própria, cada um com um tom. Cheiro de mar, fisionomia de pôr do sol e essência de brisa.

Causa e efeito, quando crianças, os meus amigos estavam dispostos a brincar e a brigar toda hora, sem culpa, sem falta de tempo, sem cabeça cheia, sem preconceito. O vento que venta aqui é o mesmo que venta lá, trazendo a adolescência “furacão”. Fase das mais bonitas, quando amigos vêm como chuva, pingando por todo o caminho, adubando o terreno para vida adulta.

Ninguém é reciclável, alguns foram outros voltaram ! A maré subiu e veio a fase adulta com toda a sua plenitude. Fase de quebrar o aquário, de viver todos os dias como o último, de fazer tatuagem, de ter e perder amores, de refinar os gostos musicais, dos porres inesquecíveis. Tempo de apertar os laços afrouxados pelo cotidiano.

Hoje reconheço e tenho total devoção aos que realmente amo, mesmo sabendo o quanto mudei, principalmente pelo respeito às diferenças e imperfeições. Aos amigos de longe, aos amigos de perto, aos amigos virtuais, aos amigos de passagem e aos amigos que estão por vir, OBRIGADA. Agradeço pelos ombros, pelos cuidados, pelas brigas. 

Minha gratidão por abrirem meus olhos quando fico cega, de serem palavra quando emudeço, por serem sol nos meus dias de chuva. Amém, meus moinhos de vento, agora estou alçando voos maiores. Coisa típica de gente grande, né? Amadureci com vocês e agora sou pipa, dessas que voam, voam, voam, alto bem alto, mas quando puxadas voltam, cheias de saudade e transbordando amor.

Imagem retirada da Internet: Amigas

Augusto Frederico Schmidt - Poema



Poema da inveja

 


Inveja dos que desejam pertencer à Academia de Letras,
Dos que amam as honrarias.
Dos incansáveis.
Dos que adormecem sem medo.
E despertam sempre dispostos para a conquista do mundo.

Inveja dos que caminham firmes,
Como se o chão fosse sólido.
Como se tudo estivesse certo e ordenado.
Inveja dos que não se lembram de que só há um destino.
E que estamos suspensos sobre o abismo.
Inveja dos seres para quem a esperança
Não é uma fragil ponte sobre o nada.

Inveja dos que não carregam sempre e interminavelmente,
Por onde vão e em todas as horas,
O fardo de seus mortos.
Inveja dos que não guardam
As imagens perdidas, as folhas secas,
A poeira da vida.
E sacodem qualquer melancolia e avançam leves e contentes.

Inveja dos que podem recordar sorrindo
As alegrias efêmeras.
E não se dão conta de que o amargo
Delimita e bordeja todos os caminhos.

Inveja dos que contemplam, impassíveis,
As flores murchas, os berços vazios,
As mão frias em cruz,
Os rostos devastados pelo tempo,
E o tédio dos que se amaram um dia.



Imagem retirada da Internet: inveja

Amadeus Amado - Poema



Os olhos ,
na margem do corpo,
ardem.
o corpo,
no centro dos olhos,
sente.

sente o corpo
             no meio dos olhos.
ardem os olhos
             no meio do corpo.

corposente
olhoscorpo
                  Alma.



Imagem retirada da Internet: eye

Manuel Bandeira - Poeta


Resposta a Vinícius




Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais.
Lúcido, sim; eleito, não;
E bem triste de tantos ais
Que me enchem a imaginação.


Com que sonho? Não sei bem não.
Talvez com me bastar, feliz
– Ah, feliz como jamais fui! –
Arrancando do coração
– Arrancando pela raiz –
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.

Florbela Espanca - Poema

Ser Poeta



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Paul Eluard - Poema

A Morte o Amor a Vida

Julguei que podia quebrar a profundeza a 
                                                               [imensidade 
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco 
Estendi-me na minha prisão de portas virgens 
Como um morto razoável que soube morrer 
Um morto cercado apenas pelo seu nada 
Estendi-me sobre as vagas absurdas 
Do veneno absorvido por amor da cinza 
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue 

Queria desunir a vida 
Queria partilhar a morte com a morte 
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida 
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro 
                                                             [nem o orvalho 
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro 
Havia eliminado o gelo das mãos postas 
Havia eliminado a invernal ossatura 
Do voto de viver que se anula 

Tu vieste o fogo então reanimou-se 
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de 
                                                                      [estrelas 
E a terra cobriu-se 
Da tua carne clara e eu senti-me leve 
Vieste a solidão fora vencida 
Eu tinha um guia na terra 
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido 
Avançava ganhava espaço e tempo 
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente 
                                                                     [para a luz 
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava 
                                                               [as suas velas 
O sono transbordava de sonhos e a noite 
Prometia à aurora olhares confiantes 
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro 
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos 
O repouso deslumbrado substituía a fadiga 
E eu adorava o amor como nos meus primeiros 
                                                                         [tempos 

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam 
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme 
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas 
Nada é simples nem singular 
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite 

A floresta dá segurança às árvores 
E as paredes das casas têm uma pele comum 
E as estradas cruzam-se sempre 
Os homens nasceram para se entenderem 
Para se compreenderem para se amarem 
Têm filhos que se tornarão pais dos homens 
Têm filhos sem eira nem beira 
Que hão-de reinventar o fogo 
Que hão-de reinventar os homens 
E a natureza e a sua pátria 
A de todos os homens 
A de todos os tempos. 
Tradução de Antônio Ramos Rosa

In. Algumas das Palavras
Fonte: Citador

Francisco Perna Filho - Poema

Ramon, Goias x América-MG (Foto: André Costa / Agência Estado)
Impassível



No campo, o jogo,
na arquibancada, o grito
na mente, o desejo
no banco, expectativa.
Acabado o espetáculo,
as comportas  abertas jorram
homens, mulheres, meninos,
cujas casas os esperam.
Ainda lá atrás, um minuto de silêncio*;
ninguém se calou,
aplausos vieram,
pois o jogo acabara de iniciar-se.
quem morreu, morreu,
quem se importa?
É gol!.



*Goiânia, sexta feira, 13/07/2012, no jogo entre Goiás e América de Minas Gerais, a direção do Estádio Serra Dourada pediu um minuto de silêncio em memória do radialista Valério Luíz, assassinado recentemente, quando saía da emissora de rádio na qual trabalhava.


Imagem: Globo Esporte

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