Castro Alves - Poema



Noite de amor


(RECITATIVO)


PASSAVA a lua pelo azul do espaço
De teu regaço
A namorar o alvor!
Como era tema no seu brando lume...
Tive ciúme
De ver tanto amor.


Como de um cisne alvinitentes plumas
Iam as brumas
A vagar nos céus,
Gemia a brisa — perfumando a rosa —
Terna, queixosa
Nos cabelos teus.


Que noite santa! Sempre o lábio mudo
A dizer tudo
A suspirar paixão
De espaço a espaço — um fervoroso beijo
E após o beijo
E tu dizias — "Não!... "


Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,
Fui mariposa
— Tu me foste a luz!
Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
Do martírio a cruz


E agora quando na montanha o vento
Geme lamento
De infinito amor,
Buscando debalde te escutar as juras
Não mais venturas...
Só me resta a dor.


Seria um sonho aquela noite errante?...
Diz', minha amante!...
Foi real... bem sei...
Ai! não me negues... Diz-me a lua, o vento
Diz-me o tormento...
Que por ti penei!

Imagem retirada da Internet: Castro Alves
Fonte: Jornal de Poesia

Carlos Drummond de Andrade - Poema



Para sempre




Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento. 

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Imagem retirada da Internet: mãe

José Epifânio Parente Aguiar - Conto


Tem disco voador no pedaço


 


Chegou à casa da mãe, em Miracema, acompanhado da mulher. Pediu "bença" e perguntou: - Cadê Salu? - Meu fii, ele tá lá no mercadin, invernado na cachaça. - Parece que a senhora tá de saída pra lá? - É, vou comprar uns tempero. - Pera aí, mãe, aguarda um instantin que eu vô arrancá ele dessa pingaiada. Às pressas, o visitante, seu irmão, redigiu um bilhete e o despachou pela mãe, assim:

 
- Caro Salustiano, permita-me a intimidade, Salu. Estou hospedado no Plaza Hotel, em Miranorte. Na condição de pesquisador de fenômenos ufológicos, recebi comunicados sobre aparições de OVNIS nas proximidades de uma das aldeias de índios xerentes, a de Funil, no município de Tocantínia. Em levantamento sobre estudiosos da matéria detectei na internet que vossa senhoria é um dos poucos em Tocantins que pesquisa tais fenômenos e é, portanto,  a pessoa talhada para compor  a nossa equipe e assim nos dirigirmos até aquela localidade. Esclareço que sou catedrático aposentado pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Madri, colombiano, radicado há mais de seis anos no Vale do Amanhecer, entorno de Brasília. Como o tempo urge, dentro de duas horas quero estar com vossa senhoria para discutirmos uma estratégia de ação, se vos interessar, e partirmos imediatamente para a aldeia e, in loco, levantarmos quais são os interesses desses alienígenas, se são amigos ou hostis. Aliás, reconforta-me saber que os dinossauros desapareceram por causas naturais, mas apavora-me pensar que possamos ser varridos por extraterrestres. Como se vê, meu caro Salu, a nossa missão reveste-se de uma importância dramática. Assinado: Pablo Navarro Sanchez.


Ao  receber o bilhete, extasiado e espantado, Salu largou o copo, pendurou a conta e a passos largos voltou para sua casa, ficando a mãe para trás, pois já estava atrasado e não queria deixar tamanha sumidade a esperá-lo. "Cadê o professor?", foi logo perguntando, ao entrar. "Está neste quarto aqui do lado e pediu, por enquanto, para não ser importunado, pois está concentrado, fazendo meditação. Porém, quando ele der três toques na porta, será a senha para você entrar", instruiu-lhe a esposa do irmão, sentada no sofá. "Caraca!! Como é que me acharam depois de tanto tempo? Participei de um congresso de ufologia na década de setenta , coordenado, à época, pelo saudoso general Uchôa. Foi uma decepção, nem acreditaram que já fui abduzido. Como o mundo é pequeno, véi", comentou Salu.  De repente,  grunhidos estranhos soaram... uma pausa,  grunhidos, nova pausa, mantras ininteligíveis foram pronunciados, tudo se intercalando por uns vinte minutos. Salu, escolado, deduziu: - Ih véi, o mestre tá recebendo entidades, o cara incorpora legal, entende? - Entendo,  respondeu-lhe a cunhada. Depois de um  novo intervalo a tão esperada senha foi apresentada: Três toques, Salu se levantou, pegou na maçaneta e entrou, cheio de expectativa. Ali, deparou-se com a seguinte cena: Um senhor, sentado na cama com um lençol branco cobrindo-lhe a cabeça e o tronco, estático. Salu, por uns cinco segundos ficou estatelado, mas resolveu reagir e bradou, com seu inglês tocantino: - relou mai friende! Quebrado o silêncio, de repente o professor Pablo, com um salto, levantou-se, jogou o lençol para trás e gritou: - Sou eu, Salu. Este, num misto de surpresa e decepção, explodiu: - me pegou filho da p...

José Epifânio Parente é sociólogo, ex vice-prefeito de Miracema do Tocantins
Imagem retirada da Internet: ovni

Álvares de Azevedo - Poema



Canção da sesta (LXI)


Se teus cílios de sereia
Te dão um ar peregrino,
Que longe é de ser divino,
Fada do olhar que me enleia.

Eu te adoro, ternamente,
Minha terrível paixão!
Sempre com a devoção
Que tem pelo ídolo um crente.

As florestas e o deserto
Perfumam-te as tranças rudes;
Tens na fronte as atitudes,
Do que é enigmático e incerto.

Como em torno do incensário,
Em teu corpo o perfume arde;
E fascinas como a tarde,
Ninfa do ar mais funerário.

Ah, o filtro, mesmo se forte,
Não vale tua delícia,
E conheces a carícia
Que faz reviver a morte!

Tens ancas muito amorosas
De teus seios e teus rins,
E arrebatas os coxins,
Com flexões tão langorosas.

Vezes, para ser vencida
Tua raiva de mistério
Prodigalizas, de ar sério,
O beijo como a mordida;

Tu me laceras, morena,
Com riso de algum despeito,
E pões depois no meu peito
Teu olho, lua serena.

Sob teu sapato rendado,
Sob os teus pés que são seda,
Ponho de alma sempre leda
O meu gênio com meu fado.

Minha alma por ti se cura,
Por ti que és o lume a e cor!
És a explosão do calor
Em minha Sibéria escura.


Imagem retirada da Internet: musa

Álvares de Azevedo - Poema



CANTO III
FLORES DO LUAR

PRELÚDIOS

Eu sonhei tanto amor e tanta glória!
A minha fronte de lauréis cingida
E uma auréola de luz, sublimes versos
Amores e ventura aqui na vida!


E ela, o anjo do céu que eu sonhei tanto,
Ela junto de mim sorrindo amores!
Aérea música a soar - balsâmicos
Os ares de mil flores!


E ela, o anjo do céu que sonhei tanto,
A contar-me seus sonhos de outra vida - 
Nós dois sozinhos em viver deserto
Com alma a tudo mais ensurdecida!


E ela perto de mim, longe do mundo,
Em campinas de flores junto a um lago;
E ela perto de mim, no céu, nos sonhos,
Na vida - em beijo mago!


Que belos sonhos! que de amores santos
Que êxtases mágicos em que eu vivi!
E esse amor de visões, de reza e lágrimas
Minha vida de sonhos, - só por ti!

                      (...)

Fernando Pessoa (Ricardo Reis) - Poema


A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
        Dos troncos de ramos secos.
        O frio leve treme.

Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
        Aqueço-me trêmulo
        A outro sol do que este.

O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
         De Aristóteles falando.
         Mas Epicuro melhor

Me fala, com a sua cariosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
          Sereno e vendo a vida
          À distância a que está.
        

Carlos Drummond de Andrade - Poema


Pablo Picasso - Figuras na Praia
Sonetilho do falso Fernando Pessoa


Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
Muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
Posso durar. Desisto
De tudo quanto é misto
E que odiei ou senti.

Nem fausto nem Mefisto,
À deusa que se ri
Deste nosso oaristo,

Ei-me a dizer: assisto
Além, nenhum, aqui,
Mas não sou eu, nem isto.

Imagem retirada da Internet: Figuras na Praia

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