Francisco Perna Filho - Poema


Os rios
frequentam a minha sala,
sempre estou vazio,
leio
o curso
das águas,
não me afogo
nem grito,
principio.

Imagem retirada da Internet: água



Cafarnaum



velhos armários, 
guardando nas suas gavetas
o cheiro aveludado de tantos invernos,
esculpidos em retratos sonâmbulos,
carpidos no ranger de redes
e no murmúrio oblongo de potes de barro.
Nada há de velho que não enterneça.
nem o mofo,
nem o lodo,
nem os anos embotados no imaginário humano.
Nada passa que não nos faça avançar para antes,
para uma anterioridade lírica,
sob a luz das lamparinas
talhadas em ausências e muita solidão.
Nada há de novo que não nos mostre o velho,
o passado,
o que fomos nós,
nos passos tênues dos nossos avós,
                               no lastimoso grito memorial
                               dos nossos corpos na dança secular;
dos nossos corações empedernidos
pelas inúmeras cicatrizes
que clamam refeição.
O que há em nós
é um imenso desejo de reconstituição
de refazimento.
Um desejo
de saciar a nossa fome ancestral,
agora, no presente futuro.


In. Refeiçao. Goiânia: Kelps, 2001.

Francisco Perna Filho - Poema


Foto by Dulla
Anotações

Fundada em lonjura,
a saudade é áspera.
Farpado arame,
pintura descascada.

Turvo canto,
lânguido e impessoal
como a ausência,
sem defesa na hora que ataca,
como a fera que espreita e devora.

In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.43.

Eustáquio Gorgone de Oliveira - Poema




NOVOS POEMAS



Não me aterroriza a tua falta
               mas o vazio das palavras.
Da  ausência posso retirar imagens
e pôr nos carretéis
os abraços.
Das palavras, tudo é em vão.
Um pássaro doente, voando,
diz mais do que eu.
Por isso tua ausência
é o eclipse menor.
Ela pouco me fere.
É uma cidade inteira
que, imóvel, me persegue.

As palavras, sim, inflamam o corte.

As pedras não indagam.
No silêncio, guardam definições.
Sem a pegajosa angústia,
o tempo passa por elas.
Os sinais das chaminés
cristalizam nosso inverno.

Cada qual em seu bridão,
enredamos a vida com palavras.


In. OIRO DE MINAS a nova poesia das GERAIS. Seleção de Prisca Agustoni.  S. l.: Pasárgada; Ardósia, 2007.  
Fonte: Antônio Miranda
Imagem retirada da Internet: imagem

Brasigóis Felício - Poema


O TEMPO E OS OSSOS




Não sou nenhum mago
mágico ou médico de dementes
para saber das coisas do tempo
como sabem da morte e da vida,
intensamente,
        os que estão doentes.
Não sou nenhum idólatra
da solidão que rói meus ossos
e range e ruge como um bicho
        nos meus olhos
se uma estrada me espera
e no tempo são seis horas.

Não sou, não serei nunca um visionário
a não ser pobre advinho do meu transe
e um que sabe dos limites
e mesmo se entregando
não esqueceu jamais que é um corpo.

Por isso doem tanto os fins de tarde
as noites no início,
e as crianças sorrindo
uma hora antes de morrer.
Por isso. Só por isso me entrego
ao tumulto dos butecos
e de vez em quando me permito
passear dentro da noite,
          como um louco.

Imagem retirada da Internet: ampulheta

Brasigois Felício - Poema


O BARRO DO TEMPO


Quem nos fez assim tão frágeis?
Como deuses erigidos
por sobre o barro do tempo,
não resistimos ao vento.

Feitos de terra e de medo
e mais o clamor aos céus,
resistimos ao cansaço
da caminhada inútil.

Quem nos fez assim tão fortes
para resistir à desavisada, ao desamor
devia nos dar coragem
(vertigem, vertente, voragem)
para enfrentar sem terror
essa miragem chamada amor
esse fantasma chamado morte.

In. Hotel do Tempo (Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 1979. Prefeitura de Goiânia e União Brasileira de Escritores). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Massao Ohno, 1981,p.181.

Imagem retirada da Internet: homem de barro.

Gregório de Matos - Poema


BUSCANDO A CRISTO


A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lagrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados,

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Imagem retirada da Internet: no madeiro

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...