Eustáquio Gorgone de Oliveira - Poema




NOVOS POEMAS



Não me aterroriza a tua falta
               mas o vazio das palavras.
Da  ausência posso retirar imagens
e pôr nos carretéis
os abraços.
Das palavras, tudo é em vão.
Um pássaro doente, voando,
diz mais do que eu.
Por isso tua ausência
é o eclipse menor.
Ela pouco me fere.
É uma cidade inteira
que, imóvel, me persegue.

As palavras, sim, inflamam o corte.

As pedras não indagam.
No silêncio, guardam definições.
Sem a pegajosa angústia,
o tempo passa por elas.
Os sinais das chaminés
cristalizam nosso inverno.

Cada qual em seu bridão,
enredamos a vida com palavras.


In. OIRO DE MINAS a nova poesia das GERAIS. Seleção de Prisca Agustoni.  S. l.: Pasárgada; Ardósia, 2007.  
Fonte: Antônio Miranda
Imagem retirada da Internet: imagem

Brasigóis Felício - Poema


O TEMPO E OS OSSOS




Não sou nenhum mago
mágico ou médico de dementes
para saber das coisas do tempo
como sabem da morte e da vida,
intensamente,
        os que estão doentes.
Não sou nenhum idólatra
da solidão que rói meus ossos
e range e ruge como um bicho
        nos meus olhos
se uma estrada me espera
e no tempo são seis horas.

Não sou, não serei nunca um visionário
a não ser pobre advinho do meu transe
e um que sabe dos limites
e mesmo se entregando
não esqueceu jamais que é um corpo.

Por isso doem tanto os fins de tarde
as noites no início,
e as crianças sorrindo
uma hora antes de morrer.
Por isso. Só por isso me entrego
ao tumulto dos butecos
e de vez em quando me permito
passear dentro da noite,
          como um louco.

Imagem retirada da Internet: ampulheta

Brasigois Felício - Poema


O BARRO DO TEMPO


Quem nos fez assim tão frágeis?
Como deuses erigidos
por sobre o barro do tempo,
não resistimos ao vento.

Feitos de terra e de medo
e mais o clamor aos céus,
resistimos ao cansaço
da caminhada inútil.

Quem nos fez assim tão fortes
para resistir à desavisada, ao desamor
devia nos dar coragem
(vertigem, vertente, voragem)
para enfrentar sem terror
essa miragem chamada amor
esse fantasma chamado morte.

In. Hotel do Tempo (Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 1979. Prefeitura de Goiânia e União Brasileira de Escritores). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Massao Ohno, 1981,p.181.

Imagem retirada da Internet: homem de barro.

Gregório de Matos - Poema


BUSCANDO A CRISTO


A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lagrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados,

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Imagem retirada da Internet: no madeiro

Gregório de Matos - Poema



Soneto religioso

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro
pois vejo a minha vida anoitecer,
é, meu Jesus, a hora de se ver
a brandura de um Pai, manso Cordeiro

Mui grande é vosso amor, e meu delito,
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.

Imagem retirada da Internet: cruz

Gregório de Matos Guerra - Poema



A Jesus Cristo Nosso Senhor


Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que voa há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Imagem retirada da Internet: súplica

Vinícius de Moraes - Poema Infantil



A Arca de Noé


Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.

E abre-se a porta da Arca
De par em par: surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca

Noé, o inventor da uva
E que, por justo e temente
Jeová, clementemente
Salvou da praga da chuva.

Tão verde se alteia a serra
Pelas planuras vizinhas
Que diz Noé: "Boa terra
Para plantar minhas vinhas!"

E sai levando a família
A ver; enquanto, em bonança
Colorida maravilha
Brilha o arco da aliança.

Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante.

E logo após, no buraco
De uma janela, aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece.

Enquanto, entre as altas vigas
Das janelinhas do sótão
Duas girafas amigas
De fora a cabeça botam.

Grita uma arara, e se escuta
De dentro um miado e um zurro
Late um cachorro em disputa
Com um gato, escouceia um burro.

A Arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Aos pulos da bicharada
Toda querendo sair.
Vai! Não vai! Quem vai primeiro?
As aves, por mais espertas
Saem voando ligeiro
Pelas janelas abertas.

Enquanto, em grande atropelo
Junto à porta de saída
Lutam os bichos de pelo
Pela terra prometida.

"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta; e o tigre — "Não!"

Afinal, e não sem custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.

Conduzidos por Noé
Ei-los em terra benquista
Que passam, passam até
Onde a vista não avista

Na serra o arco-íris se esvai . . .
E . . . desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Na terra, e os astros em glória

Enchem o céu de seus caprichos
É doce ouvir na calada
A fala mansa dos bichos
Na terra repovoada.

Imagem retirada da Internet: Arca de Noé

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