Wallace Stevens (1879- 1955) - Poema



QUARTO CINZA



Embora habites um quarto que é cinza,
Exceto pela prata
Do papel de seda,
E roces
O teu pálido vestido branco;
Ou levantes uma das verdes contas
Do teu colar,
Para deixá-la cair em seguida;
Ou contemples o teu leque verde
Estampado com os rubros galhos de um salgueiro rubro;
Ou, com um dedo,
Movas a folha no vaso –
A folha que caiu dos galhos da forsítia
Ao teu lado...
O que é tudo isso?
Eu sei com que fúria bate o teu coração.

Tradução: Sueli Cavendish - professora do departamento de Letras da UFPE – Ensaísta e tradutora.
Imagem retirada da Internet: Wallace Stevens

Cecília Meireles - Poema


RIO NA SOMBRA



Som
frio.


Rio
sombrio.


O longo som
do rio
frio


O frio
bom
do longo rio.


Tão longe,
tão bom,
tão frio
o claro som
do rio
sombrio!




Imagem retirada da Internet: Rio Pelotas

Lindolf Bell - Poema



Exercício para Garcia Lorca



Quando o vento das primaveras anuncia as florações
anuncia os girassóis, os araçás, as madressilvas, teus
versos tuas granadas abrindo as veredas de meu país
livre quando não sei, tu és a lua clara obscura lua
clara, as noites que maduram o coração da terra, os
líricos olhos dos touros da saudade, o mar vejo as
estrelas os limões, és tessitura das manhãs, o amado
guia do reino no bosque das virgílias, floresces e
perduras onde o amor perdura, é frágil a terra do
esquecimento, os ventos da primavera voltam sempre
e as palavras tecem teu canto e teu corpo e tua viagem,
e os híbridos frutos de meu país livre quando não sei
esplendem nos olhos do pássaro teu irmão, para sempre
os cardos os pomos, os selvagens rosais dos invernos e
as novas estações dos povos da coragem, as embiras as
timboranas o vento sul as auroras, abriga-me em tua
paisagem onde tudo se anuncia, tu és o dia tu és o dia,
a fava, o fauno, a fala, a festa não fixa de viver e
conviver, o móvel calendário de amar para sempre, tu
és a samambaia nas varandas, o seixo dentro do rio de dentro
o sangue, o fuzil das guerrilhas interiores, e se nos
montes e nos pantanais e nos corações agitas as ervas e
os navios de verdades largas, tu Federico Garcia Lorca,
eu te chamo uma vez só, e isto basta para quem tem
antenas e ouvidos e sabe que o mundo está aqui dentro
mas está lá fora de meu país livre quando não sei, tu
és o gravatá do campo, a flor verde, a bravura de meu
país livre quando não sei, guarida onde me abrigo, rio
dos minérios das minas da manhã, argila das florescências,
espiga dos tempos claros, fruto aberto no esquema
silvestre dos corações, há um solução na garganta
de meu país livre quando não sei.


Poema integrante da série Incorporação.

In: BELL, Lindolf. Incorporação: doze anos de poesia, 1962/1973. São Paulo: Quíron, 1974. (Sélesis, 3) 
Fonte: As Tormentas. Imagem retirada da Internet:Garcia Lorca

Mário Pederneiras - Poema




Madrigal



Teu olhar é tão manso,
Tão de ardências febris desprevenido e leigo,
Tão suave, tão bom, tão cheio de descanso;
Tão sereno é teu beijo,
Tão leve, tão sutil o teu próprio desejo;
Tudo
Em ti é tão meigo.
Sentimentos e Carne, Olhar, Voz e Carinhos.
Que muita vez sentindo,
Junto de mim o teu aspecto lindo,
Que meu amor intenso,
Indômito, açulado, espera e espreita,
Penso
Que tu, Querida, tu, és toda feita
De arminhos
E veludo.


Quer num suave enleio
Sentimental,
De idílio e de bondade,
Onde somente se destaque e arda
De ser querida a íntima alegria;
Quer na intimidade
Dominadora e treda,
De um lascivo coleio,
Quase de invertebrada e quase de oriental,
És a mesma de sempre, aromada e macia,
Oh! meu anjo de guarda!
Oh! minha linda Salomé de seda!


Um lago,
Sem ritmos agitados,
De água de brilho de aço,
Clara, fresca, parada,
Sob a seda de um Céu, à noite, em pleno Outono;
Um recanto de terra estéril, isolada,
Cheia de sugestões, de sossego e de sono,
De distância e de espaço,
Não tem a penugem do afago
Deste afago normal dos teus olhos dourados.


Estas longas arcadas solitárias,
De antigas abadias
Largas, sonoras e sombrias
E legendárias,
Da simbolizarão do sossego e da paz,
Da vida que repousa,
A fugir do rumor que atormenta e que infesta
O caminho vulgar que a vida humana pousa,
Tem qualquer coisa
Da honesta mansidão da tu'Alma de honesta.


Quando mais para a Terra teu amor dirijo
E o quero mais humano
E exijo
Que meu desejo dessedentes
Em carícias mais fortes e mais francas
E te imploro

O sabor aromal do teu beijo sonoro,
Não me ficam nos lábios
Acídulos ressábios
Da ânsia sensual de onde a Volúpia espouca...


Só me fica na boca
A macia impressão de que beijo asas brancas.


Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: olhos doces

Marilene Dantas Sepulvida Nicerio - Poema


Falando de Sedução


A luxúria, poderosa arma da sedução.
Aos olhos da sociedade puritana
Leviana forma de expor aquela vibração.
Se praticada com menor de idade
Perigosa contravenção!

A sedução se não é jogo, é regra
Cuja participação, depende de mais de um.
Em cada canto, em cada viela à espera
De um jogador pouco comum.

Seduzir com maestria é dom divinal
Seja no olhar, seja na conjunção carnal
Seduzir ou ser seduzido? Eis a questão!
Bicho de sete cabeças, essa tal de sedução.

A cantada sedutora fascina o desprevenido.
Solução de uma neurose real.
Não há quem resista esta condução
Subindo ou descendo as vielas do coração.

Imagem retirada da Internet: sedução

Francisco Perna Filho - Poema


Foto by Rhett A. Butler
ACONTECIMENTOS



São duros os acontecimentos
do meu tempo:
escândalos,
crimes,
corrupção.
Enquanto isso, 
lá no fundo,
a poesia,
à maneira da flor,
imprensada na rocha,
nas pedras de Cida Almeida,
silenciosa,
rompe o escuro das trevas
e, timidamente, brota.

Do lado de cá,
na rua deserta,
não há mais o grito do jornaleiro,
somente o silêncio:
Chico Anysio, Millôr Fernandes, /tio Tito Perna.

O tempo de agora
continua infinito,
e nele retumbam os acontecimentos
no instante,
no instantâneo do click,
do compartilhamento:
- quantos homens sós, meu Deus!

As vozes do meu tempo
são midiáticas,
virtuais,
escondidas,
quase inaudíveis,
mas fazem estragos maiores
do que o grito.

A dor do meu tempo é coletiva,
sofremos todos,
ainda cedo,
desde a Síria, 
Egito, 
Palestina, 
Haiti.
Sentimos muito,
entre uma colher e outra 
que levamos à boca.
Já nos acostumamos.

Vivemos a morte,
coletivamente,
sem remorso,
sem culpa,
sem memória,
sem nos darmos conta 
de que também
morremos.

Lindolf Bell - Poema



Imagem by Androxa


A PALAVRA DESTINO



Deixai vir a mim
a palavra destino.

Manhã de surpresas, lascívia e gema.
Acasos felizes, deslizes.
Ovo dentro da ave dentro do ovo.
Palavra folha e flor.

Deixai vir a mim palavra
e seus versos, reversos:
         metamorfose,
         metaformosa.

Deixai vir a mim
a palavra pão-de-consolo.
Livre de ataduras, esparadrapos,
choques elétricos
e sutis guardanapos em seco engolidos socos.

Deixai vir a mim
a palavra intumescida pelo desejo .
a palavra em alvoroço sutil, ardil
e ave na folhagem da memória.
A palavra estremecida entre a palavra.
A palavra entre o som
mas entre o silêncio do som.

Deixai vir a mim
a palavra entre homem e homem.
E a palavra entre o homem
e seu coração posto à prova
na liberdade da palavra coração.

Deixai vir a mim
a palavra destino.

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